Francis J. Beckwith |
Este ano lectivo estou integrado no corpo docente da
Universidade de Colorado, em Boulder, como professor convidado para 2016-2017
na cadeira de Pensamento e Política Conservadora. Uma das aulas que lecciono,
“Filosofia e Religião”, aborda uma série de questões sobre a avaliação
filosófica da crença religiosa, que normalmente são alvo de debate, incluindo sobre
se a moralidade requer um Deus.
A leitura obrigatória para esta secção do curso inclui
não só um capítulo do manual, mas também dois ensaios, um de C.S. Lewis (um
excerto de “Mero Cristianismo”) e outro do filósofo Michael Ruse e do biólogo
E. O. Wilson. Chama-se “A Evolução da Ética” e é um ensaio já bastante
conhecido e usado frequentemente, que apareceu pela primeira vez na revista New Scientist, em 1985.
Ruse e Wilson defendem que o nosso sentido de moralidade,
ou aquilo a que Lewis chama “a lei da natureza humana” pode ser inteiramente
justificado pela evolução biológica e, por isso, é desnecessário afirmar que este
está enraizado em Deus. Eles argumentam que a natureza nos equipou de certas
disposições (ou “regras epigenéticas”) que nos predispõem a favorecer algumas
acções em relação a outras, para poderemos passar mais eficientemente os nossos
genes.
Assim, por exemplo, estamos predispostos a temer leões, a
não gostar de incesto e a sermos altruístas. Dito de outra forma, ser a
refeição de um animal, contribuir para a limitação do património genético ou
não ajudar aqueles que nos são mais próximos, diminui a utilidade da busca dos
nossos genes pela vida eterna.
Para Ruse e Wilson existe uma espécie de paradoxo nesta
realidade: Para que o nosso “gene egoísta” possa chegar onde quer chegar deve
residir dentro de um organismo que tenha desenvolvido disposições que o
inclinam no sentido de fazer certas coisas e de não fazer outras – como por
exemplo agir de forma altruísta ou resistir ao encanto de um safari – que à
primeira vista não parecem ter nada de egoístas. Isto é, as nossas normas
sociais derivam de um sentido partilhado de moralidade, que é ágil na sua
habilidade de traçar um rumo entre os interesses comunitários e individuais,
que todavia tem na sua raiz mecanismos puramente materiais e biológicos,
ferozmente eficientes, e que são essencialmente “egoístas”.
Mas então porque é que parece, como argumenta C.S. Lewis,
que de facto existe uma lei moral a que temos a obrigação de obedecer e que não
foi por nós inventada? E uma vez que a ideia de uma lei moral implica a noção
de um legislador, não devemos concluir que mesmo que a versão evolutiva nos
conte a história biológica completa, há coisas que ficam por explicar?
Edward Wilson |
Afinal de contas, mesmo que seja possível fazer um relato
completo do cérebro humano do ponto de vista da evolução, porque é que devemos
concluir que esse relato pode explicar tudo aquilo que o intelecto pensa que
sabe e que não se pode reduzir meramente a matéria em movimento? Como por
exemplo que isto não é um cérebro, ou que a beleza, os objectos abstractos e
uma primeira causa para toda a existência são coisas que de facto existem?
Acreditamos verdadeiramente que ao explicar a torradeira
também explicámos as torradas? (Claro que algumas pessoas, tais como Wilson e
Ruse, negam a existência de coisas imateriais. Mas o que estou a tentar dizer é
que não há nada na teoria evolutiva, per
se, que sustente essa negação).
Para Ruse e Wilson existe uma resposta: “A moralidade, ou
mais rigorosamente, a nossa crença na moralidade, é meramente uma adaptação
criada para facilitar os nossos fins reprodutivos. Logo, a base da ética não
assenta na vontade de Deus… Num sentido importante, a ética como nós a
compreendemos é uma ilusão que nos é imposta pelos nossos genes para nos levar
a colaborar. Não está enraizada em nada exterior a nós. A ética é produzida
pela evolução, mas não justificada por ela, porque, tal como a adaga de
Macbeth, serve um propósito importante sem todavia existir em substância”.
Logo, para Ruse e Wilson, a crença comum de que existe
uma lei moral é o resultado de uma partida que nos é pregada pelos nossos
genes, pois o acreditar na existência de uma lei moral, mesmo que ela não
exista de facto, contribui da melhor forma para o sucesso reprodutivo da raça
humana.
Que conclusões devemos tirar de tudo isto? Em primeiro
lugar devemos elogiar Ruse e Wilson pela simplicidade e limpeza do seu
argumento, que não está desprovido de elegância. Se partirmos, como eles fazem,
da crença de que o materialismo filosófico é a visão correcta da realidade,
então a sua posição tem muita força.
Mas isso também se aplica a outros projectos filosóficos
que dependem daquilo a que chamamos “uma grande ideia”. Marx consegue explicar
tudo através do prisma da luta de classes. Para Heraclitus não existem
substâncias estáveis e para Parmenides nada muda. Nos nossos dias, certos
movimentos sociais classificam tudo o que se distancia da sua mundovisão como
ódio. Mas em todos estes casos, aquela grande ideia que explica tanta coisa,
fá-lo à custa da desvalorização de tudo o que mina a sua plausibilidade.
Michael Ruse |
Qual o preço da teoria de Ruse e Wilson? Devo confessar
que não sou capaz de o pagar, pois implica desistir de tudo aquilo em que
acreditamos. Pense nisto: Se a crença na lei moral pode ser atribuída
inteiramente a um truque genético, porque não aplicar a mesma análise a todas
as outras crenças que existem na nossa mente? Afinal de contas, a mesma mente
que crê na lei moral mantém crenças sobre arte, literatura, ciência, filosofia,
matemática e a existência dos outros.
Talvez estas crenças também não digam respeito a nada que
seja real. Se “a ética como nós a compreendemos é uma ilusão que nos é imposta
pelos nossos genes para nos levar a colaborar”, então talvez a arte, a literatura,
a ciência, a filosofia, a matemática e a existência de outras pessoas, como as
entendemos, sejam ilusões impostas pelos nossos genes com o mesmo objectivo.
Só posso falar por mim, mas abandonar a crença de que
existe uma verdadeira lei moral não compensa o custo de perder o juízo.
(Publicado pela primeira vez na Sexta-feira, 9 de Dezembro
de 2016 em The Catholic Thing)
Francis J. Beckwith é professor de Filosofia e Estudos
Estado-Igreja na Universidade de Baylor. É autor de Politics for Christians: Statecraft
as Soulcraft, e
(juntamente com Robert P. George e Susan McWilliams), A Second Look at First Things: A
Case for Conservative Politics.
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