Wednesday, 28 December 2016

Um Baptismo Natalício no Exílio

Casey Chalk
Durante a última semana do Advento, uma linda menina de sete semanas foi baptizada na paróquia redentorista na baixa de Banguecoque, Tailândia. Não foi um baptizado qualquer. Os pais da menina – que permaneceu miraculosamente tranquila durante a cerimónia – são católicos paquistaneses, requerentes de asilo em fuga de extremistas muçulmanos e obrigados a viver ilegalmente na Tailândia. A sua situação difícil, e este baptizado, são uma manifestação cativante do verdadeiro sentido do Natal.  

A família alargada é composta agora por 17 pessoas, desde bisavós até esta mais recente adição. Vivem em dois apartamentos minúsculos, de um só quarto, a pouca distância da paróquia católica, encaixados como sardinhas em lata à noite. Vieram para Banguecoque há quatro adventos, poucos dias antes do Natal, depois de uma série de ataques violentos na sua cidade natal de Karachi.   

Um membro da família, um jovem médico, foi falsamente acusado por fundamentalistas de ter rasgado intencionalmente uma página do Alcorão – uma ofensa que no Paquistão é considerada blasfémia e punida como tal. A sua cunhada, enfermeira num hospital de Karachi, foi acusada de ter tentado forçar um doente muçulmano a quebrar o seu jejum de Ramadão e de o ter tentado converter. Parentes do doente dispararam sobre ela e sobre o seu marido enquanto tentavam fugir do hospital. Duas adolescentes da família foram apanhadas e queimadas vivas em público. Foram emitidos fatwas e mandatos de captura contra eles. Sabendo que as únicas opções eram a morte ou a conversão forçada, fugiram.

Vivendo em Banguecoque desde Dezembro de 2012, tornaram-se uma família de “faz-tudo” para a paróquia, fazendo biscates para a igreja, distribuindo panfletos, ajudando com o ofertório, preparando a Igreja antes de casamentos e funerais e limpando de seguida. Esta é uma família que desafia as ideias feitas dos requerentes de asilo como pobres, fracos e desamparados, à mercê da beneficência de doadores ocidentais. Pelo contrário, eles são um grupo teso, resistente e com uma ética de trabalho incansável.

O pai da menina baptizada também não encaixa no estereótipo de refugiado. Com estatura de culturista e bem-parecido, dá ares de estrela de Bollywood e não de alguém que se esconde com medo dos seus algozes. Se os jihadistas estivessem dispostos a lutar de forma justa, ele dava-lhes uma tareia. Agora passa os seus dias a dirigir o trânsito junto à paróquia.

De certas formas a história desta família espelha o paradoxo da Sagrada Família no Natal. Parecem-nos, à primeira vista, pobres e modestos: José, o patrono simpático e mais velho da jovem virgem, Maria. Ela, a camponesa judia, silenciosa e humilde. Mas à medida que a sua história desenrola, com mensagens do Arcanjo Gabriel e as hostes celestes a proclamar a glória de Deus na pequena Belém, reconhecemos que não se trata de uma família normal. Rodeados de uma fortaleza angélica impenetrável, que recorda Eliseu, Maria e José erguem-se em desafio aberto aos poderes do mundo. Eles não serão intimidados, nem por todos os soldados ou todas as espadas do mundo.

E assim foi com o baptismo desta criança paquistanesa. Um “sinal de contradição” semelhante à do menino Jesus. Tal como a apresentação de Cristo no Templo, o seu baptismo é um verdadeiro sinal da fé e fidelidade da sua família a Cristo. Estão em Banguecoque, a milhares de quilómetros de casa, porque se recusaram submeter às exigências de extremistas muçulmanos que os ameaçaram com conversão ou subjugação.

O baptismo em público desta menina recém-nascida, com polícias tailandeses a poucos quarteirões, é um acto confiante e rebelde de piedade cristã. Que proclama a todos os que procuram extinguir o Evangelho e os seus aderentes: “Não terão os nossos corpos, nem as nossas almas”. Esta menina, dizem eles, com uma santa arrogância, pertence a Cristo. Agora, revestida de rectidão e cheia do Espírito Santo, ela carrega mais poder do que todas as autoridades da terra. É, à sua própria maneira, “uma luz de revelação aos gentios”, tal como foi o Cristo menino.

Católicos paquistaneses na Tailândia
Não é que estas sejam circunstâncias que alguém deseja para si mesmo. Os pais de Jesus provavelmente não queriam ir até Belém, com Maria grávida de nove meses já antes da partida de Nazaré. Certamente teriam preferido não ter de fugir de Herodes, deixando as suas terras por um Egipto desconhecido. Mas uma vez e outra Deus utilizou o seu sofrimento como um meio para um fim muito maior e inesperado: “Do Egipto chamei o meu filho”.

Tal e qual com os meus amigos paquistaneses: Eles preferiam não ter de abandonar Karachi. Têm pouco interesse em fazer de Banguecoque a sua casa permanente. Mas aqui estão eles, pela Graça de Deus. O que torna a sua experiência tão espiritualmente potente é a sua fé inabalável de que Deus está com eles, que não os abandonará e de que está a cumprir os seus propósitos no meio daquilo que parecem ser as piores circunstâncias. Esta é, parece-me, a chave para compreender o Advento e o verdadeiro peso do Natal.

Mas não estamos perante super-heróis de outro munto, existindo numa qualquer realidade etérea, acima da nossa. As suas alegrias e os seus desafios diários são os mesmos que os nossos. Depois do baptizado, um membro da família com cinco anos arranca a correr pelo corredor central da Igreja, até que o seu pai o apanha e puxa para junto dele com uma fúria parental tão familiar: “Não corras aqui dentro! Seu mal-educado!”

A sua coragem pode ser transcendental, as suas dificuldades particulares excepcionalmente amargas, mas a sua história mais geral de sofrimento e de esperança é a nossa, tal como a história de Natal é nossa. Todos esperamos um fim para a nossa caminhada, um lugar preparado por Deus onde seremos acolhidos pelo nosso Salvador para sempre.

Mas mesmo agora, aqui mesmo, temos motivo para celebrar. Todos nós cujo testemunho declara que por amor a Deus desprezámos até a própria vida, “mesmo até à morte”.


Casey Chalk é um autor que vive na Tailândia, onde edita um site ecuménico chamado Called to Communion. Estuda teologia em Christendom College, na Universidade de Notre Dame. Já escreveu sobre a comunidade de requerentes de asilo paquistaneses em Banguecoque para outras publicações, como a New Oxford Review e a Ethika Politika.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na quinta-feira, 27 de Dezembro de 2016)

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