James V. Schall S.J. |
Outras bebidas, como a limonada, também podem apascentar
as nossas gargantas ressequidas. Chesterton dizia que depois de uma longa
caminhada, numa estrada poeirenta e ao calor, as pessoas não bebem cerveja por
causa do álcool. A cerveja é uma bebida. Estamos com sede. Para uma sede normal
aquilo que desejamos é simplesmente água. É precisamente porque a cerveja é na
maior parte constituída por água que também cumpre esse propósito. Nas mesmas
circunstâncias, um Martini ou uma aguardente não resultam. Aliás, provavelmente
deixam-nos com ainda mais sede de água. Podemos mesmo pensar: “Porque é que
existe água e também sede no universo”?
O interessante nas afirmações de Maritain é a analogia com
outro tipo de “sede”, uma sede de algo para além de água. Não é um argumento de
desejo para existência, mas de existência para desejo. Este “anseio místico”
não se conhece a si mesmo. Ao contrário da sede normal, esta sede mais profunda
não conhece imediatamente o seu objecto. O que é que nos pode saciar?
Se estiver a morrer de sede, ninguém tem dúvidas sobre o
que quero e do que necessito. O Evangelho diz que seremos julgados por ter dado,
ou não, um copo de água a alguém que precisa. Mas a necessidade e aquilo que a
satisfaz são tão evidentes que dispensam mais explicações. Se alguém está
verdadeiramente com sede, não lhe perguntamos porque é que continua a falar de
água. Sabemos do que precisa. Mesmo que optemos por não lho dar, o problema não
está em não saber do que precisa.
Há dois pontos no comentário de Maritain: 1) ansiamos por
algo que não conseguimos ainda identificar inteiramente, e 2) este “objecto”
que buscamos está para nós como a água está para a sede. Ou seja, é algo bem
real, algo que responde à “sede” que as nossas almas experimentam. São
reflexões muito agostinianas.
Mas reparem como Maritain utiliza o termo “sujeito a”.
Uma vez que não conhecemos o objecto exacto da nossa busca “face a face”, por
assim dizer, partimos nas mais estranhas direcções em busca dos locais onde
possa ser encontrado. Agostinho já tinha dito que tendemos a confundir as
coisas bonitas com a própria beleza.
Jacques Maritain |
A raiz do problema é, julgo, aquilo para o qual somos
criados. Somos criados unicamente com o propósito de viver, sim, para sempre,
em comunhão com o Deus trino. Não há ninguém que tenha sido criado com outro
objectivo. Tudo o que encontramos durante a nossa existência, incluindo nós
próprios, tem como propósito imediato ser aquilo que é. E nós somos pessoas, e
não tartarugas. A montanha é uma montanha, e não uma árvore, mesmo que as
árvores cresçam na montanha.
A “sede” que todos carregamos no nosso ser não nos deixa
em paz. Investigaremos, testaremos e provaremos tudo o que encontrarmos pelo
caminho. Descobrimos que as coisas finitas são boas, cada uma à sua maneira.
Mas não nos apaziguarão. “Porquê?”. Se somos criados para encontrar aquele
“objecto” que nos satisfaz, porque não somos informados com mais detalhe sobre
ele?
Mas a verdade é que fomos e somos, e o detalhe não falta.
O drama do nosso “desespero e neurose” não é que somos negligenciados pela
fonte do nosso ser. Não somos. O problema é que temos de alcançar o “objecto”
que nos sacia pelas formas que nos chegaram. Inventamos alternativas, na maior
parte projecções bizarras da nossa mente, mas por alguma razão estas não
funcionam.
Sem a “sede” não poderíamos ser aquilo que somos. Com
ela, apenas podemos ficar satisfeitos com a vida divina segundo o modo como nos
foi dado a receber.
James V. Schall, S.J., foi professor na Universidade de
Georgetown durante mais de 35 anos e é um dos autores católicos mais prolíficos
da América. O seus mais
recentes livros são The Mind That
Is Catholic, The Modern Age, Political
Philosophy and Revelation: A Catholic Reading, e Reasonable
Pleasures
(Publicado pela primeira vez na Terça-feira, 24 de Maio
de 2016 em The Catholic Thing)
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