Transcrição integral da entrevista ao padre-bombeiro João Amaral, que é bombeiro voluntário há 11 anos. Notícia aqui.
Conhece mais algum
caso de padre bombeiro?
Conheço alguns padres que foram bombeiros, que exerceram
também os seus trabalhos nas corporações de onde eram naturais, mas depois
abdicaram porque se calhar não tiveram a sorte que eu tive de ficar perto da
terra da sua naturalidade. Eu estou a mais ou menos 10, 15 quilómetros, pelo
que me é mais fácil exercer esta vocação de bombeiro.
Mas há primeira vista não conheço nenhum outro padre que
exerça também a profissão de bombeiro.
Já era bombeiro muito
antes de ir para padre…
Sou bombeiro desde 2002 e fui ordenado em 2011, só nove anos
depois.
Enquanto sacerdote e
bombeiro, dá por si a cumprir também a função de capelão?
Não lhe chamava capelão. Se calhar o mais importante nem é
andarmos com estas questões de teologia. O mais importante é mesmo estar, nas
dificuldades, dar um conselho ou outro, porque também não é fácil quando
lidamos, e este ano foi um ano muito prejudicial a nível humano, foram-nos
ceifadas oito vidas, e não é fácil, apesar de os bombeiros, eu costuma dizer,
não há ninguém com mais fé na vida que os bombeiros, porque eles sabem que
podem não voltar, mas vão. Quando têm esta vontade não é preciso estar a
motivá-los, nem exercer um papel de capelania, porque eles automotivam-se e
partem para o trabalho. É mais uma questão de estar com eles, tomar café, estar
nas suas piadas.
Quando está com eles
é apenas mais um bombeiro, ou há diferença desde que foi ordenado?
É óbvio que há uma diferença de comportamento. É notório
neles. Eu também estou ali, sou mais um bombeiro mas sou um bombeiro que eles
respeitam de forma especial, têm mais atenção quando digo alguma coisa, quando
toco mais no essencial destas questões, a nível sentimental, e há alguns que
também vêm pedir mais conselhos, relacionados com religião. Dúvidas que têm
sobre este Deus que na lógica da Igreja é benigno, misericordioso, mas eles não
percebem, se este Deus é bom, se é justo, então porque é que há tantos
criminosos por aí e há bombeiros que morrem em teatros de operações. Uma pessoa
vai tentando dar-lhes o ponto de vista de que Deus criou-nos livres…
Esse parece-me precisamente
o tipo de papel que um capelão pode desempenhar. O comandante dos bombeiros de
Albufeira dizia-me que acha que faz falta uma capelania dos bombeiros. Se
existisse, faria sentido ser ao nível da capelania das forças armadas, ou seria
por diocese?
Eu acho que era essencial haver uma capelania a nível
distrital. Poderia haver um bispo para tomar conta dos bombeiros. Se formos a
ver ultimamente há muito mais baixas ao nível dos bombeiros do que ao nível dos
militares, mesmo que eles tenham estado em missões de paz no Iraque, no Kosovo,
no Afeganistão, felizmente não há relatos de vítimas recentemente, mas com os
bombeiros todos os anos há vidas ceifadas.
Por isso acho que devia haver a preocupação de se criarem
capelanias, não peço que haja um bispo, mas pelo menos alguém que, a nível
distrital, dissesse que estão com os bombeiros, para que eles não se sintam
abandonados.
Como é que os seus
paroquianos reagem? Manifestam preocupação quando sai em missão?
Sim, manifestam. Este ano houve vários incêndios na minha
terra natal, de Penedono, e houve alturas em que fui ajudar nos incêndios e por
isso cheguei um bocado atrasado às missas, e as pessoas viam, porque tomava
banho à pressa, mas chegava ainda a cheirar a fumo, e o carro a cheirar a fumo,
e as pessoas sentem uma certa preocupação, dizem que era escusado, que não vale
a pena. Elas não entendem este bichinho que morde cá dentro. Mas acima de tudo
também encorajam.
Há umas que mesmo por esta questão de dizerem que não vale a
pena, acho que também sentem carinho por mim, e fazem-me sentir que sou
essencial para elas.
O seu bispo como
reagiu quando lhe disse que queria continuar a ser bombeiro?
O meu bispo chegou agora a Lamego, já eu tinha sido ordenado
padre e reagiu com alguma surpresa, mas não colocou entraves nenhuns, pelo
contrário, apoiou-me na minha decisão.
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