Depois de ter lido o meu
artigo sobre Hegel, um amigo protestante, que recentemente se reformou de
uma universidade no Leste dos Estados Unidos, disse que a minha curta referência
a algo que o filósofo tinha dito sobre a Eucaristia e a Real Presença talvez
precisasse de ser clarificada. Esta Solenidade de Cristo Rei, que foi
instituída em 1925 em resposta ao crescente secularismo, parece-me um dia
adequado para reflectir sobre este assunto.
A minha referência foi a uma palestra de Hegel sobre
filosofia da religião, na qual criticou a doutrina católica da
transubstanciação, levando um aluno católico a denunciá-lo às autoridades.
Hegel tinha feito uma piada de mau gosto, perguntando se os católicos seriam
obrigados a adorar um rato caso este consumisse uma hóstia consagrada.
Hegel respondeu às autoridades públicas que era um
protestante a leccionar em Berlim protestante, lidando com uma religião que era
inimiga do tratamento “científico”. Para além disso, tinha estado a falar
apenas num sentido “indeterminado e hipotético” e não se devia esperar que
apresentasse a doutrina católica de forma acrítica nas suas exposições
filosóficas. (Não tenho conhecimento de qualquer outro incidente nos seus
ensinamentos que tenha causado consternação aos católicos.)
O meu amigo comentou que eu tinha dado a impressão de que os
luteranos não acreditam na Presença Real e recordou que Lutero tinha discordado
fortemente de Zwingli, Calvino e outros reformadores, que interpretavam a
Eucaristia como uma presença espiritual, ou um mero memorial – por outras
palavras, Jesus não estava fisicamente presente.
É verdade. Lutero não concordava com a posição católica de
que a Eucaristia deixava de ser pão e vinho, transformando-se no corpo e sangue
de Cristo. Mas Lutero mantinha que Cristo estava substancialmente presente,
juntamente com o pão e o vinho. Por vezes chamou-se a isto “consubstanciação”,
por contraste à doutrina católica da “transubstanciação”.
Não sei dizer se a interpretação luterana implica a crença
numa presença física, mas parece-me mais próximo da interpretação católica do
que muitas interpretações protestantes. A Eucaristia, pelo menos entre as
igrejas luteranas mais “altas”, não é apenas um encontro de “recordação da Ceia
do Senhor”.
A sucessão apostólica é um factor aqui: Lutero, um padre
católico validamente ordenado, poderá ter tido o poder de consagrar, desde que
tivesse a intenção certa, apesar de não acreditar em alguns elementos da missa.
Mas à medida que os seus seguidores e os outros reformadores aumentaram de
número, produzindo diversas interpretações do sacerdócio e do episcopado
(quando acreditavam sequer nestes conceitos), qualquer rasto de sucessão
apostólica terá desaparecido – ao contrário das Igrejas Ortodoxas e
possivelmente, por algum tempo, a confissão anglicana.
Cristo, sendo filho de Deus, não tem qualquer problema em
estar verdadeira e substancialmente presente sob a aparência do pão e do vinho.
Tal como a Sabedoria Divina, ele delicia-se “junto aos filhos dos homens”
(Provérbios 8,31). Os seus anos passados na Galileia não foram suficientes; Ele
quer, (qual extremo extrovertido) ter um encontro pessoal com cada pessoa. Se,
como Lutero insistia, somos salvos unicamente pela fé, então a crença católica
na Presença Real é talvez a mais alta expressão de fé.
No Evangelho de São João (6, 53-54), Jesus diz: “se não
comerdes a carne do Filho do Homem, e não beberdes o seu sangue, não tereis a
vida em vós (…) Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e
eu nele.” Essa afirmação de uma necessidade (com as suas notas de canibalismo)
levou muitos dos seus seguidores a abandoná-lo. Mas muitos outros permaneceram,
possivelmente conscientes do privilégio de estarem vivos para ver um dos
factores distintivos do Messias prometido. Em Mateus (13,16-17), Jesus realçou
esse privilégio: “Muitos profetas e homens justos desejaram ver as coisas que vocês
vêem, e não viram”.
E nós, que passados dois mil anos, não tivemos essa sorte?
Poderemos dar por nós a pensar, em alguns momentos, “se ao menos tivesse tido
essa oportunidade, e esse encontro pessoal, como a minha vida seria diferente”.
Mas estaríamos enganados. Na última ceia Ele colocou todos
os seus futuros seguidores ao mesmo nível que os discípulos, dando-lhes a Eucaristia.
Eles poderiam entrar na sua presença com a mesma facilidade da mulher que o
abordou e tocou no seu manto (Mc. 5,28), ou do apóstolo João, que se reclinou
sobre o seu peito (Jo. 13,25), ou Tomé, tocando-lhe as feridas com mãos
trémulas depois da Ressurreição (Jo. 20,27).
Há santos que foram abençoados de forma especial quando
recebiam a Comunhão, vendo ou ouvindo verdadeiramente o Senhor. (Os católicos,
como outras pessoas, podem ter experiências religiosas). Mas a maioria de nós,
a maior parte das vezes, não sente qualquer presença especial.
Mas acham que os seus apóstolos, durante a sua vida pública,
sentiam alguma aura especial quando se aproximavam dele? Houve algumas excepções,
em que permitiu que a sua divindade se manifestasse de forma sensível: aos
presentes aquando do seu baptismo por João (Mt. 3,17); a Pedro, Tiago e João na
Transfiguração (Mt. 17,5) e quando os seus captores foram atirados ao chão pelo
poder da sua presença (Jo. 18,6).
Na maior parte das vezes, contudo, tal como nós, os seus
contemporâneos não sentiram uma presença sobrenatural, embora as suas palavras
e obras os tenham fascinado.
Independentemente de nós, passados dois mil anos, sentirmos
de forma sobrenatural a presença do Senhor na Eucaristia, esta oferece-nos a
mesma oportunidade que tinham os contemporâneos de Cristo: podermo-nos
aproximar de Jesus, tornando-nos aptos a algumas das mudanças espirituais que o
Filho de Deus pode operar secretamente nos mais profundos santuários das nossas
almas.
Howard Kainz é professor emérito de Filosofia na
Universidade de Marquette University. Os seus livros mais recentes incluem Natural Law: an Introduction and
Reexamination(2004), The Philosophy of Human Nature (2008), e The
Existence of God and the Faith-Instinct (2010)
(Publicado pela primeira vez em The
Catholic Thing no domingo, 24 de Novembro de 2013)
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