Wednesday, 8 May 2013

O Papa Francisco e os “Ungidos de Deus”

Padre Bevil Bramwell, OMI
Acontece tanta coisa durante um ano litúrgico que muitos eventos importantes passam sem sequer darmos por eles. Um acontecimento bastante importante – ao qual quase ninguém deu importância na altura – foi quando o Papa Francisco falou especificamente ao clero, mesmo antes da Páscoa, sobre o sacerdócio, durante a sua homilia na missa crismal, em São Pedro. Vale a pena olhar de perto para as suas palavras.

Na missa crismal o bispo benze os óleos que serão usados durante o ano para os baptismos, crismas, unção dos doentes e ordenações. A graça desses sacramentos preserva e ajuda a desenvolver a Igreja pela qual ele é responsável.

Em Roma, o Papa Francisco disse: “As Leituras e o Salmo falam-nos dos «Ungidos»: o Servo de Javé referido por Isaías, o rei David e Jesus nosso Senhor. Nos três, aparece um dado comum: a unção recebida destina-se ao povo fiel de Deus, de quem são servidores; a sua unção «é para» os pobres, os presos, os oprimidos”.

Ele não disse que era para os “católicos pobres”, etc. Há muito que a Igreja atende a, e defende, os pobres e oprimidos de qualquer comunidade em que está presente.

A expressão usada pelo Papa recorda as palavras amargas usadas pelo último imperador pagão de Roma, Juliano, o Apóstata: “Enquanto os sacerdotes pagãos ignoram os pobres, os odiosos galileus [i.e., cristãos] dedicam-se a obras de caridade e, ao exibir esta falsa compaixão estabeleceram e efectivaram os seus erros perigosos. Esta prática é comum entre eles e conduz ao desprezo pelos nossos deuses”. (Epístola aos sumos sacerdotes pagãos)

Claro que os “Deuses” de Juliano não existiam. E numa cultura que os promovia, actos de verdadeira caridade mostravam até que ponto esses “deuses” eram de facto nada mais que imaginação. Não devemos encarar isto com leveza, tendo em conta que os dois falsos deuses, criados da imaginação moderna – o nazismo e o marxismo – assassinaram dezenas de milhões de pessoas no século XX e a contagem do extremismo liberal em assuntos como o aborto na nossa própria sociedade é grande e continua a crescer.

O Papa estabelece uma ligação entre a unção e os actos dos ungidos, os padres. Originalmente: “Também no peitoral [do sacerdote] estavam gravados os nomes das doze tribos de Israel (cf. Ex 28, 21). Isto significa que o sacerdote celebra levando sobre os ombros o povo que lhe está confiado e tendo os seus nomes gravados no coração. Quando envergamos a nossa casula humilde pode fazer-nos bem sentir sobre os ombros e no coração o peso e o rosto do nosso povo fiel, dos nossos santos e dos nossos mártires, que são tantos neste tempo”.

Psicológica e espiritualmente, estamos perante um homem de natureza diferente. Este padre que conscientemente “carrega” o seu povo quando se aproxima do altar do Senhor. A graça e o esforço moldaram a sua consciência para agir dessa forma. O padroeiro dos padres, São João Vianney, considerava-se responsável pelas falhas morais do seu povo.


Francisco usa repetidamente o termo “seu povo”. O padre não é um director executivo, mas o pastor do seu rebanho. O termo, retirado das escrituras, ainda tem peso. Não foi substituído por alternativas seculares e modernas.

Mais, o pastor tem um efeito sobre o seu rebanho:

“O bom sacerdote reconhece-se pelo modo como é ungido o seu povo; temos aqui uma prova clara. Nota-se quando o nosso povo é ungido com óleo da alegria; por exemplo, quando sai da Missa com o rosto de quem recebeu uma boa notícia. O nosso povo gosta do Evangelho quando é pregado com unção, quando o Evangelho que pregamos chega ao seu dia a dia, quando escorre como o óleo de Aarão até às bordas da realidade, quando ilumina as situações extremas, ‘as periferias’ onde o povo fiel está mais exposto à invasão daqueles que querem saquear a sua fé. “

Não estamos perante a boa nova da homilia de “duas piadas e um anúncio”, mas da verdadeira Boa Nova, com maiúsculas. Além disso, o Papa faz esta afirmação sabendo por experiência que a fé genuína é recebida com hostilidade.

A sua reflexão termina com um olhar sobre a paróquia:

“As pessoas agradecem-nos porque sentem que rezámos a partir das realidades da sua vida de todos os dias, as suas penas e alegrias, as suas angústias e esperanças. E, quando sentem que, através de nós, lhes chega o perfume do Ungido, de Cristo, animam-se a confiar-nos tudo o que elas querem que chegue ao Senhor: ‘Reze por mim, padre, porque tenho este problema’, ‘abençoe-me, padre’, ‘reze para mim’… Estas confidências são o sinal de que a unção chegou à orla do manto, porque é transformada em súplica – súplica do Povo de Deus.”

A visão que o Papa tem de uma verdadeira paróquia é sumamente interpessoal e verdadeiramente comunal (a “comunidade”, infelizmente é um conceito que foi esvaziado de verdadeiro sentido nos Estados Unidos). Ele enfatizou o aspecto interpessoal de forma negativa também, falando do padre que “não colocando em jogo a pele e o próprio coração, não recebem aquele agradecimento carinhoso que nasce do coração”.

Este é um Papa que tem uma forma bastante terra-a-terra, mas solidamente teológica, de comunicar a fé. E ainda agora começou.


(Publicado pela primeira vez no Domingo, 5 de Maio 2013 em The Catholic Thing)

Bevil Brawwell é sacerdote dos Oblatos de Maria Imaculada e professor de Teologia na Catholic Distance University. Recebeu um doutoramento de Boston College e trabalha no campo da Eclesiologia.

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