Padre Bevil Bramwell, OMI |
Acontece tanta coisa durante um ano litúrgico que muitos
eventos importantes passam sem sequer darmos por eles. Um acontecimento
bastante importante – ao qual quase ninguém deu importância na altura – foi
quando o Papa Francisco falou especificamente ao clero, mesmo antes da Páscoa, sobre o sacerdócio, durante a sua homilia na missa crismal, em São Pedro. Vale a pena
olhar de perto para as suas palavras.
Na missa crismal o bispo benze os óleos que serão usados
durante o ano para os baptismos, crismas, unção dos doentes e ordenações. A
graça desses sacramentos preserva e ajuda a desenvolver a Igreja pela qual ele é
responsável.
Em Roma, o Papa Francisco disse: “As Leituras e o Salmo
falam-nos dos «Ungidos»: o Servo de Javé referido por Isaías, o rei David e
Jesus nosso Senhor. Nos três, aparece um dado comum: a unção recebida
destina-se ao povo fiel de Deus, de quem são servidores; a sua unção «é para»
os pobres, os presos, os oprimidos”.
Ele não disse que era para os “católicos pobres”, etc. Há
muito que a Igreja atende a, e defende, os pobres e oprimidos de qualquer
comunidade em que está presente.
A expressão usada pelo Papa recorda as palavras amargas
usadas pelo último imperador pagão de Roma, Juliano, o Apóstata: “Enquanto os
sacerdotes pagãos ignoram os pobres, os odiosos galileus [i.e., cristãos]
dedicam-se a obras de caridade e, ao exibir esta falsa compaixão estabeleceram
e efectivaram os seus erros perigosos. Esta prática é comum entre eles e conduz
ao desprezo pelos nossos deuses”. (Epístola aos sumos sacerdotes pagãos)
Claro que os “Deuses” de Juliano não existiam. E numa
cultura que os promovia, actos de verdadeira caridade mostravam até que ponto
esses “deuses” eram de facto nada mais que imaginação. Não devemos encarar isto
com leveza, tendo em conta que os dois falsos deuses, criados da imaginação
moderna – o nazismo e o marxismo – assassinaram dezenas de milhões de pessoas
no século XX e a contagem do extremismo liberal em assuntos como o aborto na
nossa própria sociedade é grande e continua a crescer.
O Papa estabelece uma ligação entre a unção e os actos dos
ungidos, os padres. Originalmente: “Também no peitoral [do sacerdote] estavam
gravados os nomes das doze tribos de Israel (cf. Ex 28, 21). Isto significa que
o sacerdote celebra levando sobre os ombros o povo que lhe está confiado e
tendo os seus nomes gravados no coração. Quando envergamos a nossa casula
humilde pode fazer-nos bem sentir sobre os ombros e no coração o peso e o rosto
do nosso povo fiel, dos nossos santos e dos nossos mártires, que são tantos
neste tempo”.
Psicológica e espiritualmente, estamos perante um homem de
natureza diferente. Este padre que conscientemente “carrega” o seu povo quando
se aproxima do altar do Senhor. A graça e o esforço moldaram a sua consciência
para agir dessa forma. O padroeiro dos padres, São João Vianney, considerava-se
responsável pelas falhas morais do seu povo.
Francisco usa repetidamente o termo “seu povo”. O padre não é um director executivo, mas o pastor do seu rebanho. O termo, retirado das escrituras, ainda tem peso. Não foi substituído por alternativas seculares e modernas.
“O bom sacerdote reconhece-se pelo modo como é ungido o seu
povo; temos aqui uma prova clara. Nota-se quando o nosso povo é ungido com óleo
da alegria; por exemplo, quando sai da Missa com o rosto de quem recebeu uma
boa notícia. O nosso povo gosta do Evangelho quando é pregado com unção, quando
o Evangelho que pregamos chega ao seu dia a dia, quando escorre como o óleo de
Aarão até às bordas da realidade, quando ilumina as situações extremas, ‘as
periferias’ onde o povo fiel está mais exposto à invasão daqueles que querem
saquear a sua fé. “
Não estamos perante a boa nova da homilia de “duas piadas e
um anúncio”, mas da verdadeira Boa Nova, com maiúsculas. Além disso, o Papa faz
esta afirmação sabendo por experiência que a fé genuína é recebida com hostilidade.
A sua reflexão termina com um olhar sobre a paróquia:
“As pessoas agradecem-nos porque sentem que rezámos a partir
das realidades da sua vida de todos os dias, as suas penas e alegrias, as suas
angústias e esperanças. E, quando sentem que, através de nós, lhes chega o
perfume do Ungido, de Cristo, animam-se a confiar-nos tudo o que elas querem
que chegue ao Senhor: ‘Reze por mim, padre, porque tenho este problema’,
‘abençoe-me, padre’, ‘reze para mim’… Estas confidências são o sinal de que a
unção chegou à orla do manto, porque é transformada em súplica – súplica do
Povo de Deus.”
A visão que o Papa tem de uma verdadeira paróquia é sumamente
interpessoal e verdadeiramente comunal (a “comunidade”, infelizmente é um
conceito que foi esvaziado de verdadeiro sentido nos Estados Unidos). Ele
enfatizou o aspecto interpessoal de forma negativa também, falando do padre que
“não colocando em jogo a pele e o próprio coração, não recebem aquele
agradecimento carinhoso que nasce do coração”.
Este é um Papa que tem uma forma bastante terra-a-terra, mas
solidamente teológica, de comunicar a fé. E ainda agora começou.
(Publicado pela primeira vez no Domingo, 5 de Maio 2013 em The
Catholic Thing)
Bevil Brawwell é sacerdote dos Oblatos de Maria Imaculada e
professor de Teologia na Catholic Distance University. Recebeu um doutoramento
de Boston College e trabalha no campo da Eclesiologia.
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