Randall Smith |
Como é hábito com o humor satírico, há aqui não só um grão
de verdade nos detalhes, mas também uma sabedoria mais profunda. A relação
entre pisar ligeiramente a linha no que diz respeito aos votos de pobreza, e
dar vários saltos no que diz respeito aos de castidade, não é acidental. Os
mestres espirituais da Idade Média, com uma sabedoria que nos escapa,
costumavam falar dos perigos da luxúria, de viver uma vida “morna”, rodeada de
confortos. O Papa Francisco recentemente avisou para o mesmo perigo.
Da minha parte, não posso deixar de pensar que o horror da
pedofilia na Igreja terá sido causado não só pela sexualização da cultura nas
décadas de 60 e 70, mas também pela incapacidade de dominar os desejos próprios,
a justificação mais ouvida para a violação dos votos sacerdotais, uma realidade
que radica na excessiva luxuria em que viviam os clérigos nas décadas de 40 e
50: Seminários confortáveis, boas refeições, “palácios” episcopais, botões de
punho chiques, camisas brancas engomadas... todos os luxos do homem de negócios
de classe média-alta. Imaginem o Don Draper, dos Mad Men, como padre, e ficam
com uma ideia.
Um amigo meu europeu comentou uma vez: “Os vossos padres,
aqui na América, são tão... burgueses”. Vivem em casas confortáveis, conduzem
carros confortáveis, dão o seu tempo a causas confortáveis. As exigências que
fazem à “carne” são decididamente poucas e as acomodações ao “mundo” são
muitas.
Claro que também há padres que vivem vidas modestas e
santas, mas não são tantos como deviam ser.
Frequentemente ouvimos os padres a dizer nas suas homilias
que devemos aprender a viver fora das nossas “zonas de conforto”. O seu sentido
é “espiritual”, ou seja, “metafórico”. É uma frase feita que aprenderam durante
o curso de psicologia que tiraram em vez de se prepararem para o sacerdócio,
estudando os padres e os doutores da Igreja.
São Francisco teve uma atitude diferente. Quando ouviu
dizer: “Vai, vende tudo o que tens e segue-me”, foi precisamente isso que fez.
E quando ouviu: “Francisco, restaura a minha Igreja”, restaurou literalmente a
Igreja de São Damião. Com o Papa Francisco teremos um novo modelo para o clero?
Segundo este modelo, se os padres acreditam que é importante (como insistem em
dizer), sair da nossa “zona de conforto”, então talvez pudessem começar por dar
o exemplo, saindo das suas zonas de conforto, literalmente.
Quando ouvimos falar em monges medievais a “disciplinar a
carne”, pensamos que terão estado envolvidos nalguma forma de auto-flagelação
Na maioria dos casos, não. Não é que nunca o fizessem, é simplesmente que
quando o faziam era normalmente para se recordarem de maiores graus de
disciplina que deviam observar, uma disciplina de mente e de espírito – de toda
a vida, incluindo desejos, vontade e intelecto, orientados para Deus.
Modelo para os padres dos anos 50? |
Na Bíblia, quando São Paulo fala em não sucumbir aos desejos
“da carne”, não está a dizer que o corpo é mau, da mesma maneira que quando diz
que não devemos sucumbir aos desejos “mundanos”, não está a dizer que o mundo é
mau. O mundo que Deus criou é bom, “muito bom”, como é a carne na qual fomos
criados e na qual ele encarnou. O problema surge quando “o mundo”, em vez de
nos guiar em direcção ao seu criador, nos leva no sentido contrário. O problema
surge quando “a carne”, em vez de servir a pessoa, se torna mestra, e nós nos
tornamos escravos dos nossos apetites e desejos.
E atenção, logo que que os desejos menores se começam a
tornar nossos mestres, mais ninguém o poderá fazer. Quando começam as pequenas
infidelidades contra a pobreza e a castidade, não tardarão as infidelidades
contra a obediência. “Não devo obediência aos meus superiores”, ouvimos dizer.
“Não enho de temperar a minha teimosia”. “Afinal de contas, porque é que
existem todas estas regras tontas – regras contra ‘sentimentos’ e ‘desejos’
perfeitamente normais?” Sim, são sentimentos e desejos “perfeitamente normais”.
Mas isso não significa que tenham de ser saciados. Quando começamos a pensar
que sim – que têm de o ser – então é porque as sementes da infidelidade mais
séria já foram plantadas.
A Igreja já esteve nesta posição. Os católicos nem sempre
percebem o quão “morno” e corrupto o clero se tinha tornado antes do Concílio
de Trento. Padres com pouca educação e ainda menos formação espiritual, tachos
confortáveis e uma amante ou duas à disposição: Lutero tinha muita matéria para
trabalhar.
É precisamente por causa do Concílio de Trento, aliás, que
temos seminários. A ideia era serem um tipo de pequenos mosteiros, onde as
virtudes monásticas podiam ser cultivadas e os votos de pobreza, castidade e
obediência aperfeiçoados. Seriam espaços para ensinar aos jovens padres aquilo
que os mosteiros já sabiam há séculos, nomeadamente que “disciplinar a carne”
significa, em primeiro lugar, não ceder às tentações da luxuria – da “moleza”.
Se nas próximas décadas virmos uma “nova envangelização”,
então será necessário os bispos aprenderem com as lições do passado sobre a
renovação sacerdotal. Aqueles padres a viver, sozinhos, em casas nos
subúrbios... são um desastre à espera de acontecer. Senhores bispos, chamem-nos
de volta a casa para viverem convosco em comunidade. Viver com os seus padres
numa comunidade monástica foi o que fez Santo Agostinho em Hipona, e ele mudou
o mundo.
Randall Smith é professor de teologia na Universidade de St.
Thomas, Houston.
(Publicado pela primeira vez no quinta-feira, 25 de Abril
2013 em The Catholic Thing)
©
2013 The Catholic Thing. Direitos reservados. Para os
direitos de reprodução contacte: info@frinstitute.org
The Catholic Thing é um fórum de opinião católica inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o consentimento de The Catholic Thing.
The Catholic Thing é um fórum de opinião católica inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o consentimento de The Catholic Thing.
No comments:
Post a Comment