Wednesday 27 April 2022

A Resposta Alemã

Stephen P. White
A semana passada 70 bispos de vários países escreveram ao bispo Georg Bätzing, presidente da Conferência Episcopal Alemã, para expressar a sua crescente preocupação com o rumo do “Caminho Sinodal” alemão. (Entretanto outros bispos acrescentaram os seus nomes à carta.) Tratou-se da mais recente de uma série de intervenções a pedir aos alemães para pôr o pé no travão. A resposta do bispo Bätzing, publicada três dias mais tarde, não contribuiu muito para apaziguar essas preocupações.

Na verdade, o bispo Bätzing mostrou-se mais preocupado em descartar do que em confrontar as críticas. Disse-se mesmo “espantado” com as preocupações dos seus irmãos bispos em relação ao Caminho Sinodal, o que não deixa de ser estranho, tendo em conta que o mesmo género de preocupações tem sido expressado publicamente por outros, incluindo os bispos nórdicos, os bispos polacos (em mais do que uma ocasião) e até pelo próprio Papa Francisco.

Segundo Bätzing, o Caminho Sinodal “é precisamente orientado não por teorias sociológicas ou ideológicas, mas rumo às fontes centrais de conhecimento da fé: Escritura e Tradição, o Magistério e Teologia, bem como o sentido de fé dos fiéis e os sinais dos tempos, interpretados à luz do Evangelho”.

“Esta orientação básica”, continua o bispo Bätzing, “determina as considerações do Caminho Sinodal numa cuidadosa reflexão teológica. Logo, não é correcto dizer que existe um perigo de cisma a emanar da Igreja Católica na Alemanha”.

Claro que a preocupação manifestada pelas recentes intervenções episcopais não é de que o Caminho Sinodal tenha deixado de “reflectir” sobre a “Escritura e a Tradição, o Magistério e a Teologia”, mas que a visão germânica destas “fontes centrais” diverge de – e é mesmo incompatível com – o resto da Igreja. A confiança cega nas visões divergentes não diminui o perigo de cisma, muito pelo contrário.

É importante compreender o grau em que a crise dos abusos sexuais moldou o Caminho Sinodal alemão. O bispo Bätzing traça uma ligação clara entre a crise de abusos que abalou o seu país nos últimos anos e a necessidade de reformas significativas. “O Caminho Sinodal”, escreve Bätzing, “é a nossa tentativa, na Alemanha, de confrontar as causas sistemáticas da crise dos abusos e do seu encobrimento, que causou um sofrimento incomensurável a tanta gente na Igreja e através da Igreja.” É uma posição compreensível, e claramente partilhada por muitos na Alemanha”.

À luz desta realidade, algumas das reformas a ser consideradas ou propostas pelo Caminho Sinodal fazem sentido. Por exemplo, reformar o processo de nomeação dos bispos, a formação dos seminaristas e como são tratados os casos de abusos praticados por padres. Estes são assuntos evidentes, se bem que complexos, com os quais muitas igrejas se têm debatido, e continuarão a debater-se durante muitos anos. A Igreja nos Estados Unidos tem a Carta de Dallas há já duas décadas e continuamos a lidar com estas mesmas questões.

Por mais complicadas que sejam algumas destas questões, a criação de padrões de responsabilização, a reforma das nomeações episcopais ou a formação dos seminaristas são, de certa forma, a parte mais fácil. Mudar a cultura clericalista que instintivamente protege os seus é muito mais difícil. O abuso de poder não é um problema que se possa eliminar simplesmente passando o poder de um grupo (clero) para outro (leigos), como se os leigos fossem de alguma forma imunes à tentação de abusar da autoridade. Claro que a concepção da Igreja pela perspectiva do “poder” é, em si, um grave erro.

Na sua carta de 2019 à Igreja alemã, o Papa Francisco alertou para uma espécie de pelagianismo que espera “salvar” a Igreja através de reformas estruturais e organizacionais: 

Seguindo este caminho, a Igreja poderia eliminar tensões da sua vida, estar “em ordem e em sintonia”, mas isso significaria apenas que com o passar do tempo a Igreja adormeceria e o coração do nosso povo ficaria amestrado e mirrado até que a força vital e evangélica que o Espírito nos quer conceder se silenciasse. Este seria o grande pecado da mundanidade e do espírito antievangélico mundano. Teríamos uma Igreja boa, bem-organizada e até “modernizada”, mas sem alma e sem a novidade do Evangelho. Viveríamos num cristianismo vaporoso, sem sabor evangélico.

O Papa Francisco tem feito declarações semelhantes no passado a bispos americanos. As reformas organizacionais são importantes, mas a conversão – e mesmo a evangelização – são mais essenciais.


Por mais que se fale na necessidade de uma reforma sem medos, na sequência da crise de abusos, as propostas mais controversas que nos chegam do Caminho Sinodal alemão não têm qualquer relação evidente com esta crise de abusos. Na verdade, muitas das recomendações que saíram da última sessão do Caminho Sinodal são idênticas ao cardápio de assuntos que os católicos progressistas têm estado a propor há décadas: acabar com o celibato, ordenar mulheres, abandonar os ensinamentos da Igreja sobre a natureza da sexualidade e dos actos humanos (isto é, deixar de parte as proibições “antiquadas” da Igreja sobre a contracepção e os actos homossexuais).

Uma Igreja que perdeu a fé nos seus próprios ensinamentos não pode anunciar o Evangelho de forma credível. E a solução não passa por escolher ensinamentos mais socialmente aceitáveis. A fé na Alemanha não será ressuscitada por uma Igreja que vê nos seus próprios ensinamentos obstáculos a ultrapassar, em vez de uma Boa Nova a proclamar.

E esse é outro ponto que o Papa Francisco levantou com os bispos alemães. “A Igreja começa por se evangelizar a si mesma. Sendo uma comunidade de crentes, uma comunidade de esperança partilhada e vivida, uma comunidade de amor fraterno, precisa de ouvir recorrentemente aquilo em que deve acreditar, as razões para a sua esperança, o novo mandamento do amor”.

Uma Igreja sinodal é uma Igreja que escuta. Ouvimos isto vezes sem conta. Só podemos esperar que a Igreja alemã aprenda a “ouvir recorrentemente aquilo em que deve acreditar”, especialmente numa altura em que o número de bispos a sugerir cautela continua a aumentar.


Stephen P. White é investigador em Estudos Católicos no Centro de Ética e de Política Pública em Washington.

(Publicado em The Catholic Thing no sábado, 23 de Abrilo de 2022)

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