Stephen P. White |
Na verdade, o bispo Bätzing
mostrou-se mais preocupado em descartar do que em confrontar as críticas.
Disse-se mesmo “espantado” com as preocupações dos seus irmãos bispos em
relação ao Caminho Sinodal, o que não deixa de ser estranho, tendo em conta que
o mesmo género de preocupações tem sido expressado publicamente por outros,
incluindo os bispos
nórdicos, os bispos polacos (em mais do que uma ocasião) e até pelo próprio
Papa Francisco.
Segundo Bätzing, o Caminho
Sinodal “é precisamente orientado não por teorias sociológicas ou ideológicas,
mas rumo às fontes centrais de conhecimento da fé: Escritura e Tradição, o Magistério
e Teologia, bem como o sentido de fé dos fiéis e os sinais dos tempos,
interpretados à luz do Evangelho”.
“Esta orientação básica”,
continua o bispo Bätzing, “determina as considerações do Caminho Sinodal numa
cuidadosa reflexão teológica. Logo, não é correcto dizer que existe um perigo
de cisma a emanar da Igreja Católica na Alemanha”.
Claro que a preocupação
manifestada pelas recentes intervenções episcopais não é de que o Caminho
Sinodal tenha deixado de “reflectir” sobre a “Escritura e a Tradição, o
Magistério e a Teologia”, mas que a visão germânica destas “fontes centrais”
diverge de – e é mesmo incompatível com – o resto da Igreja. A confiança cega
nas visões divergentes não diminui o perigo de cisma, muito pelo contrário.
É importante compreender o
grau em que a crise dos abusos sexuais moldou o Caminho Sinodal alemão. O bispo
Bätzing traça uma ligação clara entre a crise de abusos que abalou o seu país
nos últimos anos e a necessidade de reformas significativas. “O Caminho
Sinodal”, escreve Bätzing, “é a nossa tentativa, na Alemanha, de confrontar as
causas sistemáticas da crise dos abusos e do seu encobrimento, que causou um
sofrimento incomensurável a tanta gente na Igreja e através da Igreja.” É uma
posição compreensível, e claramente partilhada por muitos na Alemanha”.
À luz desta realidade, algumas
das reformas a ser consideradas ou propostas pelo Caminho Sinodal fazem
sentido. Por exemplo, reformar o processo de nomeação dos bispos, a formação
dos seminaristas e como são tratados os casos de abusos praticados por padres.
Estes são assuntos evidentes, se bem que complexos, com os quais muitas igrejas
se têm debatido, e continuarão a debater-se durante muitos anos. A Igreja nos
Estados Unidos tem a Carta de Dallas há já duas décadas e continuamos a lidar
com estas mesmas questões.
Por mais complicadas que sejam
algumas destas questões, a criação de padrões de responsabilização, a reforma
das nomeações episcopais ou a formação dos seminaristas são, de certa forma, a
parte mais fácil. Mudar a cultura clericalista que instintivamente protege os
seus é muito mais difícil. O abuso de poder não é um problema que se possa
eliminar simplesmente passando o poder de um grupo (clero) para outro (leigos),
como se os leigos fossem de alguma forma imunes à tentação de abusar da
autoridade. Claro que a concepção da Igreja pela perspectiva do “poder” é, em
si, um grave erro.
Na sua carta
de 2019 à Igreja alemã, o Papa Francisco alertou para uma espécie de
pelagianismo que espera “salvar” a Igreja através de reformas estruturais e
organizacionais:
Seguindo este caminho, a
Igreja poderia eliminar tensões da sua vida, estar “em ordem e em sintonia”,
mas isso significaria apenas que com o passar do tempo a Igreja adormeceria e o
coração do nosso povo ficaria amestrado e mirrado até que a força vital e
evangélica que o Espírito nos quer conceder se silenciasse. Este seria o grande
pecado da mundanidade e do espírito antievangélico mundano. Teríamos uma Igreja
boa, bem-organizada e até “modernizada”, mas sem alma e sem a novidade do
Evangelho. Viveríamos num cristianismo vaporoso, sem sabor evangélico.
Por mais que se fale na
necessidade de uma reforma sem medos, na sequência da crise de abusos, as
propostas mais controversas que nos chegam do Caminho Sinodal alemão não têm
qualquer relação evidente com esta crise de abusos. Na verdade, muitas das
recomendações que saíram da última sessão do Caminho Sinodal são idênticas ao
cardápio de assuntos que os católicos progressistas têm estado a propor há
décadas: acabar com o celibato, ordenar mulheres, abandonar os ensinamentos da
Igreja sobre a natureza da sexualidade e dos actos humanos (isto é, deixar de parte
as proibições “antiquadas” da Igreja sobre a contracepção e os actos
homossexuais).
Uma Igreja que perdeu a fé nos
seus próprios ensinamentos não pode anunciar o Evangelho de forma credível. E a
solução não passa por escolher ensinamentos mais socialmente aceitáveis. A fé
na Alemanha não será ressuscitada por uma Igreja que vê nos seus próprios
ensinamentos obstáculos a ultrapassar, em vez de uma Boa Nova a proclamar.
E esse é outro ponto que o
Papa Francisco levantou com os bispos alemães. “A Igreja começa por se
evangelizar a si mesma. Sendo uma comunidade de crentes, uma comunidade de
esperança partilhada e vivida, uma comunidade de amor fraterno, precisa de
ouvir recorrentemente aquilo em que deve acreditar, as razões para a sua
esperança, o novo mandamento do amor”.
Uma Igreja sinodal é uma Igreja
que escuta. Ouvimos isto vezes sem conta. Só podemos esperar que a Igreja alemã
aprenda a “ouvir recorrentemente aquilo em que deve acreditar”, especialmente
numa altura em que o número de bispos a sugerir cautela continua a aumentar.
Stephen P. White é
investigador em Estudos Católicos no Centro de Ética e de Política Pública em
Washington.
(Publicado em The
Catholic Thing no sábado, 23 de Abrilo de 2022)
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