Em declarações feitas à
revista “Stern”, em finais de Março, o cardeal Reinhard Marx, de Munique,
pareceu incentivar alterações ao ensinamento da Igreja em relação à
homossexualidade. Reconhecendo que já abençoou casais homossexuais, Marx notou
que “o catecismo não está escrito na pedra” acrescentando que “há anos que me
sinto mais livre para dizer aquilo que penso, e quero modernizar o ensinamento
da Igreja”.
Os comentários de Marx não nos
devem surpreender. Estão em linha com o trabalho desenvolvido, até à data, pelo
“Caminho Sinodal” alemão, um processo de consulta plurianual em curso na
Alemanha. Embora não sejam vinculativos para os líderes da Igreja alemã, os
documentos do Caminho Sinodal já expressaram apoio ao celibato opcional para os
padres, para bênçãos para uniões homossexuais, revisão do ensinamento da Igreja
sobre homossexualidade e ordenação de mulheres, e um papel maior para os leigos
na nomeação de bispos.
Especialmente numa altura em
que se está a preparar um “sínodo sobre a sinodalidade”, para 2023, o teor do
Caminho Sinodal Alemão tem implicações profundamente perturbadoras e, para
alguns, cismáticas. No dia 9 de Março os bispos dos países nórdicos expressaram
a sua preocupação com o percurso alemão. Isto seguiu-se a uma carta pública
divulgada em finais de Fevereiro pelo presidente da Conferência Episcopal
polaca. Agora, numa carta de 11 de Abril tornada pública na passada
segunda-feira e divulgada
pela Catholic News Agency, mais de 70 bispos, incluindo quatro cardeais,
dos Estados Unidos, Canadá e África, juntam as suas vozes ao coro de preocupações.
Na sua “Carta Aberta Fraterna
aos Nossos Irmãos Bispos na Alemanha”, os signatários notam que “enquanto
irmãos bispos, as nossas preocupações incluem, mas não se limitam ao seguinte”:
1. Ao não escutar o
Espírito Santo e o Evangelho, as acções do Caminho Sinodal minam a
credibilidade da autoridade da Igreja, incluindo a do Papa Francisco; da
antropologia cristã e moralidade sexual; e a fiabilidade das Escrituras.
2. Embora incluam ideias e
vocabulário religioso, os documentos do Caminho Sinodal Alemão parecem ser
inspirados, em grande medida, não pela Escritura e pela Tradição – que de
acordo com o Concílio Vaticano II são “um único depósito da Palavra de Deus” –
mas antes por análises sociológicas e ideologias políticas contemporâneas,
incluindo de género. Eles vêem a Igreja e a sua missão da perspectiva do mundo,
e não pela lente das verdades reveladas na Escritura e pela autoridade da Tradição
da Igreja.
3. O conteúdo do Caminho
Sinodal também parece reinterpretar, e por isso diminuir, o sentido da
liberdade cristã. Para o cristão a liberdade está no conhecimento, na vontade e
na capacidade desimpedida de fazer o bem. A liberdade não é “autonomia”. A
verdadeira liberdade está, como ensina a Igreja, ligada à verdade e ordenada à
bondade e, no final de contas, à beatitude. A consciência não cria a verdade, nem
é uma questão de preferência pessoal ou autoafirmação. Uma consciência cristã
bem formada mantem-se submissa à verdade sobre a natureza humana e às normas
que orientam uma vivência recta, revelada por Deus e ensinada pela Igreja de
Cristo. Jesus é a verdade, que nos liberta. (Jo. 8)
4. A alegria do Evangelho –
que como o Papa Francisco tantas vezes sublinha é uma parte essencial da vida
cristã – parece estar totalmente ausente das discussões e dos textos do Caminho
Sinodal, uma falha gritante num esforço que procura a renovação pessoal e
eclesial.
5. Em quase todo o seu
processo, o Caminho Sinodal é o trabalho de peritos e de comissões: cheia de
burocracia, obsessivamente crítica e introspectiva. Assim reflecte uma
manifestação alargada de esclerose eclesial e, ironicamente, é marcada por um
tom antievangélico. Nos seus efeitos, o Caminho Sinodal revela maior submissão
e obediência ao mundo e às ideologias que a Jesus Cristo enquanto Senhor e
Salvador. Cardeal Marx
6. O enfoque do Caminho
Sinodal no “poder” dentro da Igreja sugere um espírito absolutamente contrário
à verdadeira natureza da vida cristã. No final de contas, a Igreja não é apenas
uma “instituição”, mas uma comunidade orgânica; não é igualitária, mas
familiar, complementar e hierárquica – um povo consolidado no amor por Jesus
Cristo e uns pelos outros, em seu nome. Este encontro com Jesus, como visto no
Evangelho e nas vidas dos santos ao longo da história, muda corações e mentes,
cura, afasta-nos de uma vida de pecado e infelicidade e revela o poder do
Evangelho.
7. O pior problema do
Caminho Sinodal alemão, e o mais preocupantemente imediato, é terrivelmente
irónico. Através do seu exemplo destrutivo, poderá levar alguns bispos e muitos
leigos fiéis, a desconfiar da própria ideia de “sinodalidade”, dificultando
assim ainda mais a conversa necessária da Igreja sobre o cumprimento da missão
de converter e santificar o mundo.
Num tempo de confusão, a
última coisa de que a nossa comunidade de fé precisa é de mais do mesmo.
Enquanto discernem a vontade do Senhor para a Igreja na Alemanha,
asseguramos-vos das nossas orações por vós.
Embora reconhecendo que
“muitos dos que estão envolvidos no Caminho Sinodal são sem dúvida pessoas de
carácter excelente”, os bispos signatários notam que “a história do
Cristianismo está recheada de esforços bem-intencionados que perderam a âncora
da Palavra de Deus, num encontro fiel com Jesus Cristo” e numa “verdadeira
escuta do Espírito Santo”. Entre esses esforços podemos incluir até a Reforma,
que começou quase precisamente há 500 anos… na Alemanha.
O cerne da carta de 11 de
Abril está aqui: “A urgência da nossa carta conjunta está enraizada em Romanos
12 e sobretudo na cautela deixada por Paulo: Não se conformem com o mundo. E a
sua seriedade deriva da confusão que o Caminho Sinodal já causou e continua a
causar, e o perigo de um cisma na vida da Igreja que inevitavelmente
resultará”.
Como outros avisaram antes de
nós: O que acontece na Alemanha não se fica pela Alemanha. A história já nos
ensinou essa lição uma vez.
Francis X. Maier é conselheiro
e assistente especial do arcebispo Charles Chaput há 23 anos. Antes serviu como
Chefe de Redação do National Catholic Register, entre 1978-93 e secretário para
as comunidades da Arquidiocese de Denver entre 1993-96.
Publicado pela primeira vez
em The Catholic Thing na terça-feira, 12 de Abril de
2022)
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