Francis X. Maier |
Bill Degnan nasceu no
final da Primeira Guerra Mundial, o mais velho de dez irmãos numa família de
católicos irlandeses. O seu pai trabalhou nos andaimes de Nova Iorque. Os Degnan
viviam pouco acima da linha da pobreza. Winnie, o irmão mais novo do Bill,
morreu de difteria na infância. Mas o Bill e o seu outro irmão Joe chegaram a
adultos. Depois do ataque ao Pearl Harbour alistaram-se os dois na tropa. Nem
hesitaram. Estavam ansiosos para ir. Era a coisa certa a fazer. O Joe serviu como
radialista da Marinha num submarino no Pacífico. O Bill entrou para o exército
como tripulante de um caça-tanques e esteve envolvido em combates na Europa. Ambos
sobreviveram à guerra.
Eram meus tios.
Conheci-os quando era criança. Eram bons homens, muito católicos, e eu
adorava-os. Cresci à sua sombra, com uma dieta regular de filmes de heróis
feitos na ressaca da vitória na guerra. Claridade moral, sacrifício pessoal e
um sentido de propósito atravessam uma geração de filmes de combate. Neles eu
via o reflexo de homens como o Bill e o Joe.
O cinema de guerra tornou-se
mais escuro com a Coreia e o Vietname. No seu cinismo, os filmes tornaram-se
uma espécie de imagem invertida dos melodramas que vieram substituir. Foi só
com o brilhante “O Resgate do Soldado Ryan” (1998), seguido da soberba
minissérie “Band of Brothers” (2001), que o cinema arranjou forma de
combinar a necessidade moral de uma guerra justa com o seu terrível custo em
termos de sofrimento e violência. O patriotismo, bem entendido, é uma virtude.
Mas pode ser acompanhado de uma factura muito alta e muito feia.
Mais recentemente a HBO
produciu “O Pacífico” (2010), uma minissérie que segue os fuzileiros que
combateram nas selvas e através das ilhas do Pacífico. É inesquecível. Eu vi
tanto o filme de Spielberg como as séries da HBO várias vezes. A guerra na
Europa foi terrível e devastadora, mas travou-se nas ruínas de uma cultura
ocidental comum. A guerra no Pacífico teve uma ferocidade incessante mais
profunda e pura, livre de qualquer sistema de ética ou religião comuns e
frequentemente agravada por ódio racial de ambos os lados. A Convenção de
Genebra e as suas “regras de combate” foram largamente ignoradas. O resultado
disto é que a violência representada em “O Pacífico” é de um realismo que
tem tanto de historicamente correcto como de horrendo.
Onde é que eu estou a
chegar com isto?
Horácio, o poeta romano,
escreveu a famosa frase “Dulce et decorum est pro patria mori” no
primeiro século antes de Cristo – uma fase tardia da República Romana, repleta
de um intenso orgulho nacional, ambição e expansão territorial. Dois mil anos
mais tarde essas mesmas palavras estão gravadas em pedra noutra república – a
americana – por cima da entrada do Anfiteatro Memorial do Cemitério Nacional de
Arlington, em Washington. A tradução é “É doce e adequado morrer pela pátria”
ou, mais precisamente, “pela terra dos seus pais”.
As palavras do poeta
perduraram pelos séculos porque, na sua melancólica nobreza, são verdadeiras.
Defender as pessoas que amamos, e a nação que é a nossa casa, é uma coisa boa.
É uma coisa boa arriscar o conforto e a liberdade e, em última instância,
quando assim for necessário, a vida, para proteger os outros e resistir ao mal.
Batalha das Ardenas |
Os católicos americanos
sempre compreenderam isto. Tipicamente, os católicos encheram as fileiras das
academias militares de forma desproporcional. O mesmo padrão pode ver-se (como
bem notou o académico protestante Stanley Hauerwas) nas agências nacionais de
segurança e de informação. A mais alta condecoração militar dos Estados Unidos,
a Medalha de Honra, foi entregue a nove capelães ao longo da nossa história.
Cinco deles eram padres católicos.
O amor pela pátria levou
o Bill e o Joe Degnan a alistarem-se. No final da guerra o Joe regressou do
Pacífico, criou uma família e teve uma carreira de sucesso na General Motors. A
experiência do Bill foi diferente. Num combate de proximidade, nas Ardenas, o
seu veículo antitanque foi atingido directamente. O combustível e as munições
detonaram, incinerando a tripulação – todos menos o Bill, que foi lançado 10
metros pela explosão e ficou gravemente ferido.
Com o passar do tempo o
Bill recuperou, pelo menos fisicamente. Regressado a casa, casou-se com uma boa
mulher e tiveram uma filha linda, a minha prima Mary. O Bill era um bom
trabalhador, mas tinha dificuldade em manter um emprego. Tudo lhe corria bem
durante alguns anos, mas depois desaparecia para os hospitais de veteranos para
aconselhamento e terapia de choque. Acabava sempre por regressar à família, bem
e em paz. É assim que eu me lembro dele. Mas não durava. Nunca conseguiu
esquecer a explosão, os gritos ou o cheiro. Quando a Mary morreu, ainda adolescente,
num acidente de viação, ele nunca mais foi o mesmo.
O Bill Degnan era um bom
cristão. Um marido fiel, um pai devoto, de comunhão diária. E depois chegou o
dia em que desistiu. Entrou na garagem, fixou uma corda a uma trave e
enforcou-se.
Há mais de cinquenta
anos que rezo pelo Bill todos os dias. Não me preocupo muito com a sua alma,
Deus é demasiado rico em misericórdia para esquecer um homem quebrado por um sofrimento
que não criou, nem merecia. Antes de entrarmos numa guerra – qualquer guerra, mesmo
uma “boa” guerra – precisamos de pensar muito seriamente sobre o verdadeiro
custo humano. E eu não consigo deixar de pensar se o Bill terá combatido e
sofrido por uma nação e um povo… que já não somos.
Francis X. Maier é conselheiro e assistente especial do
arcebispo Charles Chaput há 23 anos. Antes serviu como Chefe de Redação do
National Catholic Register, entre 1978-93 e secretário para as comunidades da
Arquidiocese de Denver entre 1993-96.
Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na Segunda-feira, 14 de Fevereiro
de 2022)
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Obrigado pela clara e lúcida apresentação que enriqueceu o meu saber.
ReplyDeleteA Ucrânia é o cavalo troiano dela mesma e ao mesmo tempo o cavalo de Troia da Rússia e da Nato! Os interesses geo-estratégicos da Rússia e dos USA determinarão o futuro, com o apoio dos interesses económicos da EU. Sobre o assunto tenho um texto que se encontra também na minha página: https://antonio-justo.eu/?p=7116