Robert Royal |
Muita da análise desta situação tem explorado os factores
históricos que conduziram à situação presente. Ao longo dos próximos dias e
semanas iremos publicar alguns textos sobre isso. Mas as pessoas tendem a
exagerar factores sociais grandes e impessoais, como se os indivíduos não
importassem. A nossa herança familiar obrigou-me a pensar mais uma vez sobre os
elementos muito mais pessoais e humanos que frequentemente passam
despercebidos, mas que estão muito presentes. Algum outro líder russo para além
de Vladimir Vladirimovich Putin, pegando no exemplo actual, teria levado a cabo
esta atrocidade?
Há muito que a nossa família tem noção bem viva de
realidades históricas e humanas que outros não vêem. A minha mulher Verónica
foi educada sobretudo na tradição ucraniana, mas enquanto iconógrafa
profissional tem muito contacto com iconógrafos, teólogos e artistas em vários
países, incluindo na Rússia. Um conhecido iconógrafo russo acabou de publicar uma
declaração, assinada por centenas de líderes políticos e culturais da Rússia (a
lista dos signatários pode ser consultada no final do artigo, no site do The Catholic Thing):
A guerra da Rússia contra a Ucrânia é uma VERGONHA
A vergonha é NOSSA, mas infelizmente os nossos filhos,
gerações de russos muito novos ou por nascer, também terão de arcar com a
responsabilidade. Não queremos que os nossos filhos vivam num país agressor, e
que se sintam envergonhados do seu exército atacar um estado vizinho
independente. Apelamos a todos os russos para que digam NÃO a esta guerra.
Não acreditamos que uma Ucrânia independente seja uma
ameaça à Rússia ou a qualquer outro estado. Não acreditamos nas afirmações de
Vladimir Putin de que os ucranianos estão subjugados por “Nazis” e que precisem
de ser “libertados”. Exigimos o fim desta guerra!
Temos boas razões para nos sentirmos encorajados por este
tipo de afirmações vindos de russos. Os nossos media deviam dar muito mais
cobertura às manifestações relativamente grandes (tendo em conta os riscos) que
se têm realizado em Moscovo e São Petersburgo, para não falar em Londres,
Berlim, Varsóvia, etc., Fontes credíveis dizem que quase dois terços dos russos
acreditam que a Rússia não devia ter invadido a Ucrânia.
Também nos devíamos sentir encorajados pela resistência
heroica e inesperado sucesso das Forças Armadas ucranianas e combatentes civis,
bem como a admirável classe e liderança (tão em falta entre os líderes
ocidentais) do Presidente ucraniano Volodymyr Zelenskyy. Como acontece tantas
vezes, homens maus subestimaram as virtudes de pessoas que tinham a razão do
seu lado, como é o caso dos ucranianos.
São Miguel Arcanjo, protector da Ucrânia |
O professor Tymos tem relatado casos de soldados russos
chocados por não serem recebidos de braços abertos como libertadores pelo povo
ucraniano. A propaganda de Putin levou-os a acreditar que isso iria acontecer;
alguns estão a desistir da luta, rendendo-se, desiludidos. O choque ajuda a
explicar porque é que parece ter havido tantas baixas russas e tão pouco
sucesso na ocupação dos principais centros urbanos.
E tudo isto ajuda-nos a centrar-nos no que realmente está
a acontecer, e o que devemos ter em mente enquanto os acontecimentos se
desenrolam. O nosso conflito não é com o povo russo. É muito mais sobre
Vladimir Putin pessoalmente e gang de siloviki – ex-agentes da KGB, como
ele – que não lhe fizeram frente quando ele optou por levar a cabo esta
agressão monstruosa.
Os media oficiais, como é evidente, repetem a linha de
Putin de que está a defender o território russo da “agressão” ucraniana. Como
sabemos tão bem de observar os media ocidentais, a repetição massiva, até das
coisas mais evidentemente absurdas, começa a influenciar mesmo os mais cépticos,
que estão bem cientes das mentiras do seu Governo.
Os ucranianos são bastante religiosos: católicos a
ocidente, ortodoxos a leste. Tem havido alguma tensão entre as duas igrejas,
mas agora estão unidas na resistência. Uma parte da Igreja Ortodoxa da Ucrânia
tornou-se autocéfala em 2019, quando o Patriarcado Ecuménico de Constantinopla
lhe deu autonomia em relação ao Patriarcado de Moscovo – sendo este último um
colaborador do regime de Putin, como era já antes com os soviéticos.
Putin construiu uma catedral para as Forças Armadas
Russas que foi inaugurada há dois anos e – política à parte – é uma das igrejas
modernas mais espectaculares que existe em qualquer parte do mundo. É um
monumento aos enormes sacrifícios que as forças russas fizeram para derrotar
regimes como o de Hitler. Infelizmente, agora está para sempre marcado pela sua
associação a uma figura que será julgada pela história como um criminoso de
guerra.
A realidade no terreno está em evolução constante e no
momento em que escrevo isto, na noite de domingo, Putin acaba de colocar as
suas forças nucleares num “estado de alerta especial”. O ocidente e grande
parte do resto do mundo impôs sanções económicas a uma grande fatia da economia
russa, a União Europeia fechou o seu espaço aéreo a aviões russos e a Turquia
fechou o Bósforo aos seus navios. Ao mesmo tempo os ucranianos e os russos
iniciaram negociações junto à fronteira com a Bielorrússia. É difícil saber
como as coisas estarão quando estas linhas forem lidas.
Mas o teólogo ucraniano Taras Tymos, da Universidade
Católica Ucraniana, oferece-nos bons conselhos. Ele comenta que embora os
ucranianos saibam o que devem fazer para defender a sua nação, mas enquanto
cristãos também sabem que devem amar os seus inimigos. E as pessoas que agora
rezam os salmos nos seus abrigos têm um sentido mais profundo do significado
desses apelos ao Todo Poderoso por protecção contra os seus agressores
injustos.
Que essas orações dêem frutos.
Robert Royal é editor de The Catholic Thing e presidente do Faith and Reason Institute em Washington D.C. O seu mais recente livro é A Deeper Vision: The Catholic Intellectual Tradition in the Twentieth Century, da Ignatius Press. The God That Did Not Fail: How Religion Built and Sustains the West está também disponível pela Encounter Books.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na Segunda-feira, 28 de Fevereiro de
2022)
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