Wednesday 2 March 2022

Ucrânia, do Político ao Pessoal

Robert Royal
Conheço uma mulher que nasceu no estrangeiro mas é meia ucraniana e meia russa. Frequentemente tomamos o pequeno-almoço juntos, quase todas as manhãs, e conversamos sobre assuntos que estão na ordem do dia. A invasão da Ucrânia pela Rússia deixou-nos bastante agitados, o que não é de espantar, suponho eu, uma vez que somos casados um com o outro e os nossos filhos têm sangue ucraniano e russo a correr-lhes nas veias. Para nós esta não é apenas uma questão geopolítica distante, é também um assunto de família.

Muita da análise desta situação tem explorado os factores históricos que conduziram à situação presente. Ao longo dos próximos dias e semanas iremos publicar alguns textos sobre isso. Mas as pessoas tendem a exagerar factores sociais grandes e impessoais, como se os indivíduos não importassem. A nossa herança familiar obrigou-me a pensar mais uma vez sobre os elementos muito mais pessoais e humanos que frequentemente passam despercebidos, mas que estão muito presentes. Algum outro líder russo para além de Vladimir Vladirimovich Putin, pegando no exemplo actual, teria levado a cabo esta atrocidade?

Há muito que a nossa família tem noção bem viva de realidades históricas e humanas que outros não vêem. A minha mulher Verónica foi educada sobretudo na tradição ucraniana, mas enquanto iconógrafa profissional tem muito contacto com iconógrafos, teólogos e artistas em vários países, incluindo na Rússia. Um conhecido iconógrafo russo acabou de publicar uma declaração, assinada por centenas de líderes políticos e culturais da Rússia (a lista dos signatários pode ser consultada no final do artigo, no site do The Catholic Thing):

A guerra da Rússia contra a Ucrânia é uma VERGONHA

A vergonha é NOSSA, mas infelizmente os nossos filhos, gerações de russos muito novos ou por nascer, também terão de arcar com a responsabilidade. Não queremos que os nossos filhos vivam num país agressor, e que se sintam envergonhados do seu exército atacar um estado vizinho independente. Apelamos a todos os russos para que digam NÃO a esta guerra.

Não acreditamos que uma Ucrânia independente seja uma ameaça à Rússia ou a qualquer outro estado. Não acreditamos nas afirmações de Vladimir Putin de que os ucranianos estão subjugados por “Nazis” e que precisem de ser “libertados”. Exigimos o fim desta guerra!

Temos boas razões para nos sentirmos encorajados por este tipo de afirmações vindos de russos. Os nossos media deviam dar muito mais cobertura às manifestações relativamente grandes (tendo em conta os riscos) que se têm realizado em Moscovo e São Petersburgo, para não falar em Londres, Berlim, Varsóvia, etc., Fontes credíveis dizem que quase dois terços dos russos acreditam que a Rússia não devia ter invadido a Ucrânia.

Também nos devíamos sentir encorajados pela resistência heroica e inesperado sucesso das Forças Armadas ucranianas e combatentes civis, bem como a admirável classe e liderança (tão em falta entre os líderes ocidentais) do Presidente ucraniano Volodymyr Zelenskyy. Como acontece tantas vezes, homens maus subestimaram as virtudes de pessoas que tinham a razão do seu lado, como é o caso dos ucranianos.

São Miguel Arcanjo, protector da Ucrânia
Taras Tymos, um dos decanos e professor na Faculdade de Filosofia e de Teologia na Universidade Católica Ucraniana em Lviv, tem estado a postar reportagens em vídeo sobre o conflito. Podem ver um exemplo aqui. (Se clicarem em “Ler Mais” por baixo do vídeo encontram mais informação sobre como enviar apoio financeiro para organizações ucranianas credíveis). Ele procura fornecer actualizações diárias com o rigor e o cuidado possíveis num contexto de guerra. Quem tiver interesse em acompanhar este conflito devia segui-lo.

O professor Tymos tem relatado casos de soldados russos chocados por não serem recebidos de braços abertos como libertadores pelo povo ucraniano. A propaganda de Putin levou-os a acreditar que isso iria acontecer; alguns estão a desistir da luta, rendendo-se, desiludidos. O choque ajuda a explicar porque é que parece ter havido tantas baixas russas e tão pouco sucesso na ocupação dos principais centros urbanos.

E tudo isto ajuda-nos a centrar-nos no que realmente está a acontecer, e o que devemos ter em mente enquanto os acontecimentos se desenrolam. O nosso conflito não é com o povo russo. É muito mais sobre Vladimir Putin pessoalmente e gang de siloviki – ex-agentes da KGB, como ele – que não lhe fizeram frente quando ele optou por levar a cabo esta agressão monstruosa.

Os media oficiais, como é evidente, repetem a linha de Putin de que está a defender o território russo da “agressão” ucraniana. Como sabemos tão bem de observar os media ocidentais, a repetição massiva, até das coisas mais evidentemente absurdas, começa a influenciar mesmo os mais cépticos, que estão bem cientes das mentiras do seu Governo.

Os ucranianos são bastante religiosos: católicos a ocidente, ortodoxos a leste. Tem havido alguma tensão entre as duas igrejas, mas agora estão unidas na resistência. Uma parte da Igreja Ortodoxa da Ucrânia tornou-se autocéfala em 2019, quando o Patriarcado Ecuménico de Constantinopla lhe deu autonomia em relação ao Patriarcado de Moscovo – sendo este último um colaborador do regime de Putin, como era já antes com os soviéticos.

Putin construiu uma catedral para as Forças Armadas Russas que foi inaugurada há dois anos e – política à parte – é uma das igrejas modernas mais espectaculares que existe em qualquer parte do mundo. É um monumento aos enormes sacrifícios que as forças russas fizeram para derrotar regimes como o de Hitler. Infelizmente, agora está para sempre marcado pela sua associação a uma figura que será julgada pela história como um criminoso de guerra.

A realidade no terreno está em evolução constante e no momento em que escrevo isto, na noite de domingo, Putin acaba de colocar as suas forças nucleares num “estado de alerta especial”. O ocidente e grande parte do resto do mundo impôs sanções económicas a uma grande fatia da economia russa, a União Europeia fechou o seu espaço aéreo a aviões russos e a Turquia fechou o Bósforo aos seus navios. Ao mesmo tempo os ucranianos e os russos iniciaram negociações junto à fronteira com a Bielorrússia. É difícil saber como as coisas estarão quando estas linhas forem lidas.

Mas o teólogo ucraniano Taras Tymos, da Universidade Católica Ucraniana, oferece-nos bons conselhos. Ele comenta que embora os ucranianos saibam o que devem fazer para defender a sua nação, mas enquanto cristãos também sabem que devem amar os seus inimigos. E as pessoas que agora rezam os salmos nos seus abrigos têm um sentido mais profundo do significado desses apelos ao Todo Poderoso por protecção contra os seus agressores injustos.

Que essas orações dêem frutos.


Robert Royal é editor de The Catholic Thing e presidente do Faith and Reason Institute em Washington D.C. O seu mais recente livro é A Deeper Vision: The Catholic Intellectual Tradition in the Twentieth Century, da Ignatius Press. The God That Did Not Fail: How Religion Built and Sustains the West está também disponível pela Encounter Books.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na Segunda-feira, 28 de Fevereiro de 2022)

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