James F. Keating |
Lidaremos com esse argumento noutra altura. Por agora o
caminho mais prudente é reconhecer que a Igreja Universal existe dentro de
nações, e que por isso as “alegrias e as esperanças, as tristezas e as
angústias” (Gaudium et Spes, 1) de cada país devem ser partilhadas pelos seus
cidadãos católicos. Os pensadores católicos têm, por isso, a obrigação de
examinar esta questão de forma honesta e de procurar as formas como a sabedoria
da nossa tradição pode sarar e elevar a causa da reconciliação racial.
Estas são águas turbulentas; só um tolo é que se lança
nelas sem um plano para navegar as suas correntes fortes. Existe um esboço para
este plano em “Race and Covenant: Recovering the Religious Root for American Reconciliation” (editado por Gerald R.
McDermott). Esta coleção apresenta uma seleção de académicos reconhecidos e que
focam a questão de como é que os Estados Unidos poderão cumprir melhor a
promessa de aliança contida na Declaração de Independência, que considera uma
verdade evidente que “todos os homens são criados iguais, que são dotados do
seu Criador com certos Direitos inalienáveis, entre os quais a Vida, a
Liberdade e a busca da Felicidade”.
A ideia principal do livro é de que, nas palavras de
Frederick Douglass, “as nações, não menos que os indivíduos, são sujeitas ao
Governo moral do universo e que (…) a transgressão persistente das leis deste
governo Divino trarão certamente tristeza, vergonha, sofrimento e morte
nacionais”. Lincoln enquadrou o seu pedido de um jejum nacional com a questão
de saber se as devastações da guerra não seriam “um castigo, infligido sobre
nós, pelos nossos pecados presunçosos, para o fim necessário da nossa reforma
nacional enquanto Povo inteiro?”
Claro que existem raízes sólidas para a noção de que Deus
trata com as nações, pese embora estas gozem de uma história ambígua de
recepção. O patriotismo divinamente sancionado tem uma má reputação que é bem
merecida. O corretivo oferecido nestas páginas é de ver a aliança da América
com Deus à luz do seu fracasso em cumprir as suas próprias promessas no que diz
respeito aos afro-americanos. A regeneração nacional requer um período de
exílio, não só na forma de agitação nacional, mas também pela realização
dolorosa de que a divisão entre brancos e negros continua a existir.
Longe de um patriotismo reflexivo, os autores enfatizam o
mal moral da escravatura e as devastações causadas pela longa recusa da nação
em encarar o problema racial. Se o leitor quiser algo que trate este pecado
original dos Estados Unidos como algo do passado, ficará desiludido com o “Race
and Covenant”. Tal como o peregrino Dante aprendeu que o purgatório só começa
quando se aceita a justiça da punição, estes autores rejeitam qualquer
resolução do problema racial que não seja acompanhada da dinâmica do pecado e
da regeneração pela graça.
O primeiro diz respeito a Martin Luther King Jr., a
última figura pública a falar de raça num quadro de aliança nacional americana.
O autor é James M. Patterson, um historiador na Universidade Ave Maria e
estudioso da relação entre fé e política.
Se Patterson sublinha o optimismo cristão de King, outro
autor, Joshua Mitchell, traça o quadro do pensamento dos iluminados
contemporâneos da questão racial. Também eles usam categorias de culpa e de
inocência, mas desligadas da convicção de que Deus já lidou com a culpa
universal através do sacrifício do seu Filho inocente.
Assim as categorias de pecador e inocente, oprimido e
opressor não são possíveis para todos os seres humanos, antes são associados às
pessoas com base na sua raça. Os brancos são culpados porque são brancos; os
negros são inocentes por serem negros. Não existe a possibilidade da
reconciliação através do perdão, só arrependimento perpétuo por parte de um
grupo. Mitchell contrasta este beco nacional com uma teoria de competência
liberal, em que os cidadãos dependem uns dos outros, através de divisões
raciais, para construir um mundo em conjunto.
Concluo este texto com esta passagem emocionante do
capítulo de Derryck Green, que é em si um convite a ler a obra completa:
Os negros têm sido sistematicamente alvejados,
atacados, feridos e magoados. A escravatura e a segregação não foram exclusivas
da América, mas foram um mal. Trata-se de pecados contra a aliança nacional e
esses pecados têm sido obstáculos enormes à paz e à unidade que a maioria dos
negros e dos brancos procuram. O chauvinismo racial branco que persiste, embora
juridicamente prescrito, continua a orientar demasiados corações e demasiadas
mentes. Algum do ressentimento e da revolta negra é por isso compreensível, mas
outra parte não. Mas isso não importa. Jesus foi claro em dizer que os seus
seguidores têm a obrigação de inverter o ciclo habitual de revolta, antipatia e
hostilidade recíprocas. Enquanto seus discípulos, os cristãos negros devem
iniciar o processo de reconciliação, e isso começa com o perdão.
James F. Keating é director do Programa de Humanidades de Providence College e professor associado de Teologia na mesma faculdade. É editor do livro Restoring Ancient Beauty: The Revival of Thomistic Theology, a publicar em breve.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing no Sábado, 10 de Julho de 2021)
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Mais um excelente contributo. Obrigada Filipe.
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