Mary Poplin |
Contudo, eu quero ir para além destas defesas e sugerir
que o nosso desafio, enquanto cristãos, passa por compreendermos as coisas de
uma perspectiva diferente. O pensamento cristão assume uma racionalidade
superior, que não contradiz a verdadeira racionalidade do mundo secular, mas
que a ultrapassa. O mundo é racional, mas também é espiritual. Há leis
espirituais que transcendem as meras leis da lógica. Estas são normalmente
reveladas nas vidas de pessoas como a Madre Teresa. São pessoas que conhecem e
vivem a vida de forma diferente.
Quando trabalhei como voluntária num dos lares para
crianças de Madre Teresa, em 1996, não vi nenhuma das condições apontadas pelos
seus críticos. Não duvido que alguém, num centro qualquer, possa ter-se
esquecido de passar uma seringa por água. Mas não há falhas terríveis em
hospitais modernos? Ainda assim, é importante lembrar que os centros não são
hospitais. A madre Teresa insistia que os centros eram religiosos.
Havia lá irmãs com cursos de medicina e de enfermagem, e
médicos voluntários. Quando uma criança ficava gravemente doente, as irmãs
levavam-na às urgências. Contudo, a madre Teresa sempre insistiu que elas eram
chamadas a fazer trabalho religioso e não social.
A Madre Teresa e as Missionárias acreditavam que cada
pessoa de quem cuidavam era Jesus disfarçado de pobre. Esta é uma realidade
espiritual, que não está ao alcance da lógica do humanismo secularista, embora
os secularistas e os cristãos estejam de acordo quanto à necessidade de haver
cuidados de saúde para os pobres.
Outra coisa que distinguia as Missionárias da Caridade
era que nunca pediam dinheiro, nem aceitavam fundos do Governo (ou sequer do
Vaticano). Era proibido pela sua constituição. Achavam que se estavam a fazer o
trabalho de Deus, então seria do agrado de Deus sustentar todas as suas
necessidades. Para grande raiva dos seus críticos, Ele fê-lo abundantemente.
Devido à fé determinada de que Deus providenciaria, elas
não confirmavam as fontes de contribuições privadas. E porque haviam de o
fazer? Duvalier ou Keating eram como qualquer outro doador. Sim, queriam tirar
fotografias ao seu lado, mas como eles havia milhares de outros.
Há dois princípios bíblicos que explicam como estes
fundos acabaram por ir parar aos centros religiosos de Madre Teresa. Em
Provérbios 13,11 diz que “a riqueza de procedência vã diminuirá, mas quem a
ajunta com o próprio trabalho a aumentará.” Foi precisamente o que aconteceu no
caso de Charles Keating, que oferecia aos seus clientes insuspeitos taxas de
juro muito altas. Em Provérbios 13,22 diz que a riqueza do pecador é depositada
para o justo e em 28,8 que “o que aumenta os seus bens com usura e ganância
ajunta-os para o que se compadece do pobre.”
Os cristãos são chamados a estes carismas particulares ou
a trabalhar com a ajuda e a inspiração do Espírito Santo. O chamamento
específico de Madre Teresa era de servir os mais pobres dos pobres – aqueles
para quem mesmo os serviços típicos aos pobres não costumam estar disponíveis.
Pela sua própria natureza ela era muito frugal, tendo sido criada em pobreza
depois da morte prematura do seu pai.
Queria abrir centros em todo o mundo e actualmente
existem mais de 700 em 131 países.
Eu estava com a Madre Teresa em Calcutá quando saiu o
livro de Hitchens, pouco depois do seu documentário crítico na BBC. Tive a
oportunidade de lhe perguntar sobre o assunto e, depois de se ter esforçado por
se recordar do incidente, respondeu: “Ah, o livro. Não interessa. Ele está
perdoado”. Ela e as irmãs simplesmente obedeciam ao mandamento de Cristo para
perdoar incondicionalmente.
Há quem diga que não perdoar é como beber veneno na esperança
de que a outra pessoa morra. As irmãs leram o livro, rezaram, jejuaram,
examinaram-se para encontrar qualquer erro e seguiram com a sua vida.
Libertaram-se do seu ódio, mas ele permaneceu cativo.
Por fim, o enfoque da Madre Teresa era em ajudar uma
pessoa de cada vez. As Missionárias são como um homem na praia,
desesperadamente a lançar estrelas-do-mar para dentro do oceano enquanto os
seus amigos lhe dizem que não vale a pena, dado o grande número espalhados pela
areia. Ele limita-se a pegar no próximo e atirá-lo ao mar, dizendo que para
aquele valeu a pena sim.
A Madre não se interessava por grandes programas, apenas
por cuidar de cada pessoa abandonada e ferida, fossem crianças atiradas para
caixotes do lixo, fossem idosos deixados nos becos para morrer. O sorte deles
era o sofrimento. É impossível estar muito tempo no meio da pobreza de Calcutá
sem conhecer o seu desespero. Ela valorizava a persistência dos pobres, a sua
simplicidade e honestidade. Não amava o seu sofrimento, se assim fosse não teria
trabalhado tanto para o aliviar.
Qualquer cristão, seja quão profunda for a sua fé, sabe
que o sofrimento pode bem produzir frutos e que as pessoa que sofrem podem ser
das mais generosas que há. A Madre Teresa era disso um exemplo perfeito. Ela
sofreu muito através das noites escuras de sofrimento e padecimentos físicos.
Quanto mais sofria, mais alcançava e mais pessoas vinham ao seu encontro apenas
para a poder ver, falar com ela ou tocar-lhe. Isto é sofrer de modo cristão –
para a glória de Deus e redenção dos outros.
É uma insensatez – embora os seus críticos não o percebam
– julga-la pelos padrões do secularismo humanista. O seu chamamento e a sua
vida existiam noutro plano, mais alto.
Mary Poplin é uma nova contribuidora para o The Catholic Thing. É professora na Claremont Graduate University e autor de Finding Calcutta: What Mother Teresa Taught Me e Is Reality Secular?
(Publicado pela primeira vez na Quinta-feira, 7 de Abril
de 2016 em The Catholic Thing)
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