Wednesday, 6 April 2016

Compreendendo o Massacre Pascal de Lahore

David Warren
“Vil e sem sentido”. Foi assim que o Santo Padre descreveu o terrível massacre de cristãos que celebravam a Páscoa junto a um parque público em Lahore.

Morreram dúzias de pessoas, na maioria mulheres e crianças, e centenas ficaram gravemente feridos neste atentado suicida – tantos que os hospitais da cidade ficaram repletos e apelaram desesperadamente por doações de sangue. Foi ao nível do massacre de Todos os Santos em Peshawar, em 2013; foi pior que os atentados em igrejas em vários pontos de Lahore o ano passado.

Os Taliban do Paquistão reivindicaram todos estes ataques. Trata-se de uma organização que engloba várias células, em grupos que estão constantemente a mudar. A estrutura está pensada para evitar a penetração por informadores policiais.

Depois de cada atentado no Paquistão prendem-se umas centenas dos “suspeitos do costume”. Nenhum juiz que tenha amor à vida, ou que se preocupa com a sorte da sua família, quereria presidir a um julgamento destes, daí que as pessoas são detidas e depois libertadas um pouco por todo o país, para frustração dos serviços de informação dos serviços de informação ocidentais que podem saber quem são os verdadeiros suspeitos mas questionam-se porque é que estes nunca são detidos.

Conheci Lahore na minha infância e voltei várias vezes ao longo da vida a esta cidade venerável e em tempos bela, que continua a contar com monumentos impressionantes do Raj, dos Mugais e de outros tempos. Em tempos muçulmanos, hindus, sikhs, cristãos e até zoroastrianos e budistas viviam em paz nesta cidade adorável.

Quando foi a partição essa mistura ficou reduzida de repente a muçulmanos e uma minoria nativa de cristãos, na maioria católicos. Já nos anos 60, enquanto criança na escola de St. Anthony, eu tinha noção de que os cristãos deveriam ser meigos e respeitosos, sobretudo durante o Ramadão.

Pode-se ir à história – o nexo de nacionalismo e islamismo incipiente que levaram à própria formação do Paquistão – para compreender aquilo que agora se está a passar. Ambos foram importados, como “ideias com consequências” e ambos eram expressão de modernidade. Ambos ascendem das raízes do país e a única maneira de se conseguir eliminar as “raízes” do problema através de políticas seria viajando no tempo.

Na minha mais recente visita a Lahore, há mais de uma década, muitas das pessoas com quem falei já estavam preocupadas. Sabiam que a grande maioria no Paquistão, pelo menos em locais sofisticados e urbanos como Lahore, não eram fanáticos; que as suas posições podiam ser descritas, basicamente, como “viver e deixar viver”. Mas estavam assustados com o aumento explosivo de alunos formados nas madrassas – estimavam em cerca de 5% – que estavam comprometidos com uma agenda islamita violenta.

A comparação mais típica era com o Irão nos últimos tempos da monarquia. Não foi propriamente uma maioria de xiitas fanáticos que levou o Ayatollah Khomeini ao poder.

Foi este aviso que, paradoxalmente, preparou o terreno para os movimentos terroristas no Paquistão. O Governo estava bem consciente do que aconteceu ao Xá e determinado a evitar que se passasse o mesmo no seu país. Daí que com uma mão tenham tentado apaziguar inserindo mais inovações da Sharia nas leis nacionais enquanto, com a outra, constroem um exército e serviços de informação gigantescos, para lidar tanto com ameaças internas como externas, como por exemplo a rivalidade com a Índia.

Mas no nordeste montanhoso, a fronteira com o Afeganistão continua permeável e qualquer burocracia de grandes dimensões está sujeita a infiltração política organizada. Como gerações de políticos paquistaneses têm explicado a diplomatas ocidentais, não estão, nem podem estar, em controlo da situação. Não têm qualquer vontade de se renderem aos talibans, mas não há maneira de os derrotar sem ser através de um conflito da mesma dimensão que levou à partição.

“Vil e sem sentido”

Uma das vítimas do massacre
Na minha opinião a análise do Papa está apenas 33% certa. Estou com ele no que diz respeito à “vileza”, como estão, imagino, a grande maioria dos paquistaneses. O massacre de inocentes é entendido como vil mesmo por não cristãos. Mas tudo isto é complicado pela “política de identidade” que, com a ajuda das comunicações de massas, trouxe o tribalismo primitivo de volta à vida política moderna, com repercussões internacionais.

Daí que, mesmo no Paquistão, e já há algumas décadas, eu já detectava uma insinuação do género “os cristãos estão a pedi-las” por serem considerados arrogantes, apesar dos seus maiores esforços por serem discretos. Da mesma maneira que no Ocidente há o sentido crescente, à luz do terrorismo, de que “os muçulmanos estão a pedi-las”.

Há uma ideia de “nós contra eles” que ajuda a explicar como as massas complacentes se vão identificando com os membros das suas respectivas tribos, mesmo quando estão claramente errados. É um cálculo personalizado que é próprio da modernidade, embora assente sobre factos de identidade que parecem antigos e irrevogáveis.

Mas os ataques são tudo menos “sem sentido”. Também eles fazem parte de um cálculo muito moderno e “democrático”, que surgiu inicialmente através da violência aparentemente irracional dos anarquistas, socialistas e nacionalistas no século XIX. O cálculo é de que a violência – que Rumsfeld gostava de chamar “guerra assimétrica” – pode mudar as perspectivas para uma causa aparentemente desesperada.

O “terrorismo” é adoptado como táctica, ou até como estratégia, por muitas vezes funciona. Não funciona enquanto apelo a uma maioria nem pode ser tornado apelativo para esta. Os terroristas são demasiado racionais para isso, mais até do que as pessoas que os acusam de irracionalidade. Os actos gratuitos de violência – seja à carne seja a alvos arqueológicos na Síria ou no Iraque – têm por objectivo atrair as atenções das massas, chocá-las e horrorizá-las.

Os lenines, os hitleres, os Maos e os Khomeinis que chegaram ao poder compreendiam a utilidade da “violência sem sentido”. Embora sem grande entusiasmo, todos foram recebidos pelas massas complacentes quando as suas revoluções triunfaram. A atitude, invariavelmente, era “ao menos agora teremos alguma paz”.

Eis, então, o sentido da coisa. Seja no oriente ou no ocidente, o radical emprega a violência e o caos, não para incitar as burguesias a acções imprevisíveis, mas para se aproveitar do seu desejo por segurança. No final de contas abdicarão de quase tudo por uma vida tranquila.


David Warren é o ex-director da revista Idler e é cronista no Ottowa Citizen. Tem uma larga experiência no próximo e extreme oriente. O seu blog pessoal chama-se Essays in Idelness.

(Publicado pela primeira vez na Sexta-feira, 1 de Abril de 2016 em The Catholic Thing)

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