Wednesday, 27 April 2016

Cartago deve ser destruída

David Carlin
Quando Roma derrotou Cartago na terceira Guerra Púnica os romanos não se contentaram com a vitória. Queriam que Cartago fosse não só derrotada mas totalmente destruída, para que a antiga inimiga de Roma, que tinha causado tanta angústia e sofrimento durante as primeiras duas guerras púnicas jamais se erguesse. Os romanos optaram por seguir os conselhos de Catão, o Velho, que tinha o hábito de terminar os seus discursos no senado com a frase “Considero, ainda, que Cartago deve ser destruída”.

Por isso, vencida a Guerra, Roma arrasou Cartago e dispersou a sua população. Alguns séculos mais tarde foi construída uma nova cidade com o mesmo nome e foi nesta Cartago que Santo Agostinho viria mais tarde a ser educado e tornar-se maniqueu. Mas a velha Cartago fenícia, de Dido e de Aníbal, desapareceu para sempre. Nunca mais incomodou Roma.

Chegámos a este ponto na guerra entre a noção cristã da sexualidade e a ideia secular moderna, o ponto em que o inimigo deve ser destruído totalmente. A revolução sexual, que começou há cerca de 50 ou 60 anos, terminou numa vitória muito convincente para os revolucionários. A noção cristã de conduta sexual foi derrotada. E agora os secularistas passaram ao próximo passo, isto é, a destruição – a pulverização – da ideia cristã.

Os cristãos, derrotados, talvez quisessem dizer: “Tudo bem, venceram a Guerra. Nós rendemo-nos e deixaremos de lutar pelo domínio. Mas não podem ter misericórdia e tolerar-nos como uma minoria inofensiva, como se toleram as pessoas que acreditam em discos voadores?” Mas os revolucionários sexuais respondem: “Não, vocês e a vossa ética sexual incomodaram o mundo durante demasiados séculos. Os vossos crimes são inumeráveis e imperdoáveis. Temos de nos assegurar que a vossa ética não regressará para estragar novamente os prazeres do mundo”.

Nas décadas que se seguiram à Segunda Guerra Mundial a ética sexual protestante continuava a dominar na América. O americano típico ainda acreditava na maioria dos velhos tabus sexuais que prescreviam a fornicação, o adultério, o aborto e a homossexualidade. Isso não significa que toda a gente acatava essas proibições. Todas eram violadas, claro, de tempos a tempos. Mas as pessoas não deixavam de acreditar nelas.

Havia falhas na ética protestante, claro. O protestantismo clássico permitia o divórcio apenas por adultério, mas essa limitação tinha sido abandonada há muito tempo. Nos anos 50 havia muitas causas que legitimavam o divórcio e nos anos entre as guerras a contracepção dentro do casamento tornava-se aceite entre protestantes americanos.

A ética católica era mais rigorosa. O catolicismo acrescentava a proibição do divórcio e da contracepção. E mais, o catolicismo exaltava a ideia do celibato, tornando-o obrigatório para padres, monges e freiras.

Enquanto a maioria dos americanos, sendo protestantes, não estavam dispostos a abraçar a ética católica, toleravam-na de bom grado e, até certo ponto, admiravam-na, porque comprovava que os católicos, a maioria dos quais eram recém-chegados aos Estados Unidos, não era tão maus como tinham sido representados durante séculos pela propaganda religiosa anglo-americana.

Catão o Velho
Tudo isto desmoronou no início dos anos 60. Quase da noite para o dia, ao que parece, a fornicação tornou-se aceitável e nem precisava de ser acompanhada de amor nem de compromisso. A contracepção não só se tornou aceitável como obrigatória para casados e ainda mais para não casados. A coabitação tornou-se aceitável. O aborto também, e depois de Roe v. Wade, em 1973, tornou-se até legal e fácil de obter.

Levou mais algum tempo até que a homossexualidade se tornasse aceitável, mas o dia chegou e só podia chegar, tendo em conta a rejeição da antiga ética sexual cristã.

Tendo sido derrotada a ideia de sexualidade cristã, começou agora a sua pulverização. A aceitação do casamento homossexual é mais um passo nessa direcção. É a forma de os secularistas dizerem não só que a homossexualidade é moralmente aceitável mas que é tão boa e nobre quanto a sexualidade conjugal, que os cristãos consideram a mais perfeita.

A ideologia do transgénero é outro passo. É uma rejeição da ideia bíblica de que “Deus os criou homem e mulher” (Marcos 10,6) – uma ideia errada que era defendida por Jesus, um rabino bem-intencionado mas preconceituoso do século I.

A poligamia, a poliandria, os casamentos abertos (adultério consentido) – tudo isto ainda não foi aceite em larga escala. Mas será, uma vez que a sua aceitação decorre logicamente do princípio fundador da revolução sexual, nomeadamente a rejeição da ideia de sexualidade cristã. Tal como a aceitação da homossexualidade não surgiu imediatamente nos anos 60 e 70 e a de adultério também não, mas não se preocupem, está por pouco.

Mas o factor mais importante para a destruição total da noção cristã de sexualidade não são as muitas práticas sexuais anticristãs que existem no mundo de hoje. Também não é a aceitação alargada destas práticas entre pessoas que, por uma razão ou por outra, preferem não participar delas.

Não, é a proibição – uma proibição social cada vez mais eficiente que está cada vez mais perto de se tornar uma proibição legal – da própria expressão de opiniões cristãs sobre sexualidade. Se for um cristão antiquado que não se encontra do “lado certo da história” (para citar uma das frases preferidas de Obama), que diz que a fornicação é um pecado, que o aborto é homicídio, que a homossexualidade não é natural ou que a ideia de ser transgénero é uma loucura – então será denunciado como um intolerante, um misógino, um homófobo, um transófobo ou um mero idiota. Os seus juízos negativos tornam-se “ódio” e estes ataques aos seus crimes de pensamento aumentam de tom dia após dia.

O objectivo é que a moral sexual cristã, tal como Cartago, se torne nada mais que uma memória.


David Carlin é professor de sociologia e de filosofia na Community College of Rhode Island e autor de The Decline and Fall of the Catholic Church in America

(Publicado pela primeira vez na Sexta-feira, 22 de Abril de 2016 em The Catholic Thing)

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