David Warren |
Não sou perito em relação aos yezidis de (ou
anteriormente de) Mossul e arredores. Também não sou perito em cristãos assírios
que lá vivem; nem, verdade seja dita, em cristãos de parte alguma. Os judeus
também me ultrapassam, não obstante os meus esforços na cadeira de religiões
comparadas. A minha incompreensão estende-se a outras religiões, nacionalidades
e tribos. Todas são uma névoa para mim. E ainda há dias em que não me
compreendo a mim mesmo.
Como por exemplo as minhas sinceras – pelo menos assim o
espero – convicções cristãs. De uma perspectiva de custo benefício, não se saem
nada bem. Do ponto de vista de um economista profissional, que parte do
princípio que o ser humano apenas procura o seu interesse económico, tornar-me
católico foi a coisa mais parva que alguma vez fiz.
Mas olhando para o Iraque, parece-me que os yezidis
poderão ser mais parvos ainda. Ou os cristãos assírios, já agora. Toda a gente
os quer matar. Porque não alinham com quem os persegue?
Falo neles porque eles são, para nós, “estranhos”. Quando
viajei pelo Iraque, há não muito tempo, depois do golpe de Estado do partido
Ba’ath, mas antes de Saddam Hussein, fiquei fascinado com eles. Saddam
ofereceu-lhes um certo grau de protecção, mas apenas porque tinha outras
pessoas que queria massacrar e no que diz respeito aos massacres gostava de ter
o monopólio.
Os yezidis viviam no cume dos montes, nas rochas secas
que se elevam sobre as planícies da Mesopotâmia. Entravam na cidade para
comprar e vender, e geralmente eram tolerados. Isto apesar de todas as outras
seitas no Iraque se referirem a eles como “adoradores do diabo”, como faziam há
séculos.
De resto, eram bastante reservados. Os seus santuários,
tanto quanto conseguia perceber, eram poucochinho do ponto de vista
arqutectónico, embora eu apenas tenha visto fotografias, tiradas às escondidas.
Tal como outros monoteístas, acreditam em algo a que
chamam “Deus”, mas depois a coisa torna-se interessante, bem como confusa, uma
vez que estas pessoas eram analfabetas há gerações e as suas revelações tinham
sido transmitidas oralmente desde… ninguém sabe quando.
Tanto quanto consigo perceber, havia sete anjos sagrados.
Melek Taus, o Anjo Pavão, foi designado por Deus desde o início para
supervisionar a sua Criação. Mas ele não é de confiança, embora a comparação
com Satanás talvez seja exagerada. A ideia de prestar culto a um agente cósmico
conhecido por ser corrupto e imprevisível parece-me bizarra. Às vezes o Anjo
Pavão é verdadeiramente mau, outras vezes, porém, chora e pede perdão a Deus.
Seja como for, detém um assinalável poder no mundo.
Parece-me (e recordo que não sou perito) que a atitude
dos yezidis para com os seres espirituais é “a arte do negócio”. Talvez esta
visão seja partilhada pela maioria das religiões pagãs: “Não tomemos lados
entre o bem e o mal, pode vir a custar-nos”. Em vez disso, deve-se negociar com
quem se chegar à frente.
Os que encontrei (em Mosul) pareceram-me simpáticos e
reservados, bastante atraentes com as suas túnicas brancas. “Vive e deixa
viver” parecia estar a correr bem para eles na altura. Dizia-me que reagiam bem
aos insultos, o que na visão mais agressiva do Islão sunita os tornava pouco
merecedores de serem insultados. (Também os assírios estão habituados a ignorar
os insultos).
Aquilo que mais me intrigava era a possibilidade de esta
atitude dever-se menos às circunstâncias do que às suas crenças religiosas. A
ideia de que o mundo está cheio de demónios e que aquilo que Deus espera é que
se chegue a acordo com eles. Ser neutro. Não se comprometer. Isto, por sua vez,
obriga a uma rigorosa “endogamia” para poder sobreviver – não só casar, mas
viver, exclusivamente, dentro da tribo. Evita-se qualquer mistura
desnecessária.
Fatalmente, para eles, apareceu o Estado Islâmico.
Centenas de milhares foram massacrados ou exilados. Pelos vistos só se pode
chegar a acordos com demónios “moderados”. O verdadeiro, demónio em corpo de
homem, fanático e poderoso, não é daqueles que negoceia.
Melek Taus |
Não sei se mencionei que não sou especialista, mas os
yezidis são para mim tão misteriosos como a maioria dos protestantes e
católicos de classe média e alta, bem como outros que vivem na sociedade da nossa
América do Norte pós-moderna.
Não é que eles não “acreditem” na presença do mal neste
mundo; ou que – cruzes credo – não acreditem em Deus. Muitos vão à igreja, como
a Melania Trump afirma fazer com o seu marido: ao que tudo indica, uma
simpática igreja presbiteriana na qual, como na maioria das igrejas, incluindo
as católicas, os fiéis aprendem a sentir-se bem consigo mesmos. (É o que me chega
através dos boatos.)
Na verdade, disse-me o Charles Murray e outros, na
América é mais fácil ver os ricos do que os pobres, ou membros de outras
“classes inferiores” nas igrejas. São sítios simpáticos e burgueses onde nos é
dado poder socializar com outros membros da nossa tribo.
Não é só para ricos, claro. Há igrejas para brancos,
igrejas para pretos e para todos os tons de castanho. Igrejas para ricos,
pobres e todas as divisões demográficas que se possa imaginar. Depois do
“serviço” serve-se café nos convívios, onde todos são bem-vindos. É tudo muito
lindo.
Tenho tentado compreender as estatísticas – nomeadamente
as sondagens, em particular as sondagens feitas à boca das urnas, segundo
métodos científicos – que analisam os votos das pessoas de acordo com a idade,
“género”, rendimento, “educação”, filiação religiosa, etc. Os políticos
“carismáticos” – penso no Obama e no Trump – atravessam todas estas classes.
Fascina-me de modo particular que esta última classe, a
categoria da “religião”, tenha deixado de ser um indicador útil para o sentido
de voto. Enquanto cristão, mais precisamente um zeloso católico convertido,
acho difícil imaginar como até um “moderado” poderia votar em alguém que seria
anatemizado vinte vezes seguidas se fosse aplicado um critério minimamente
catequético.
Não é que o Cristianismo em si esteja a morrer. Pode
haver uns milhões a menos a frequentar as igrejas aos domingos do que antes,
mas continua a haver milhões. Porque é que é tão difícil, se não impossível,
agrupá-los por tendência de voto nas sondagens?
A minha teoria é de que as suas posições estão a
“evoluir”, tal como a sua estrutura de crenças, no sentido de algo mais em
linha com a teologia dos yezidis. Talvez pensem que se chegarem a um acordo com
o demónio, ele, na sua benevolência, os deixe em paz.
David Warren é o ex-director da revista Idler e é
cronista no Ottowa Citizen. Tem uma larga experiência no próximo e extreme
oriente. O seu blog pessoal chama-se Essays in Idelness.
(Publicado pela primeira vez na Sexta-feira, 4 de Março
de 2016 em The Catholic Thing)
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