Mary Poplin |
E a Luz brilha na escuridão, mas a escuridão não a
compreende.
Três anos depois da minha conversão radical de humanista
secular pós-moderna a crente incipiente, fui para Calcutá durante dois meses
como voluntária no lar de crianças de Madre Teresa (Shishu Bavan). Queria
compreender o que ela queria dizer quando afirmava que o trabalho que lá faziam
não era social mas sim religioso. Abraham Heschel disse certa vez que os
verdadeiros profetas de Deus “estilhaçam incessantemente a indiferença”. Eles
são os “mensageiros relutantes” que permitem que Deus nos fale através deles,
implorando-nos que regressemos a Ele num “mundo que mais do que não ter sentido
é incapaz de o escutar”. A Madre Teresa era uma destas profetas. E apesar de
termos sabido esta semana que ela vai ser formalmente canonizada no dia 4 de
Setembro, tal como todos os profetas, a Madre Teresa sofreu.
Durante esses dois meses, em 1996, eu costumava chegar
cedo para a missa e as orações das 5h30; queria ficar perto da Madre. Estudei-a
a partir da minha própria fome espiritual, admiração e curiosidade. A primeira
questão que me surgiu quando me sentei no chão da capela foi da razão de ser de
ela ter escolhido duas das últimas palavras de Jesus para colocar por cima dos
crucifixos de todas as capelas da ordem: “Tenho sede”. Ela dizia que era porque
Jesus estava sedento de almas, mas pela sua expressão todas as manhãs parecia
que ela é que estava sedenta. Como o primeiro livro que eu tinha lido depois da
minha conversão, para além da Bíblia, tinha sido de São João da Cruz, consegui
de alguma maneira fazer as pazes com isso.
João da Cruz ensinava que depois da noite escura da alma,
os mais fiéis acabariam por entrar numa noite escura do espírito, em que as
experiências místicas terminariam e sentiriam a ausência de Deus. Então Ele não
habitaria fora, mas dentro das suas almas: “Albergam no seio da secura e do vazio
das suas faculdades, um cuidado habitual e uma solidão por Deus que se faz
acompanhar de aflição e temor de não o servir. É um sacrifício que agrada muito
a Deus – o de um espírito em aflição e solicitude pelo seu amor… Começa a
despertar no espírito o amor divino.” Em conformidade com este discernimento,
as experiências místicas que marcaram o início do percurso da Madre Teresa
acabaram por desaparecer e ela sofreu por pensar que de alguma forma tinha
desagradado a Deus.
Durante a sua vida a Madre rezou por três coisas:
Partilhar da Paixão de Cristo, ser santa (humilde e mansa), e não recusar nada
a Deus. O Senhor concedeu-lhes todas estas coisas.
Quando era mais nova tinha rezado ardentemente para
“beber UNICAMENTE do seu cálice de dor”. Graças a Deus ela contou com alguns
confessores que compreenderam que durante as suas noites escuras ela estava de
facto a partilhar da Paixão de Cristo e do sofrimento dos pobres.
Este sofrimento já tinha sido descrito por São Paulo:
“Agora regozijo no meio dos meus sofrimentos por vós, e cumpro na minha carne o
que resta das aflições de Cristo, por amor do seu corpo, que é a Igreja”.
Eventualmente a Madre escreveu a um dos seus confessores: “Pela primeira vez
nestes 11 anos comecei a amar a escuridão, pois acredito agora que ela é uma
pequena, pequeníssima parte da escuridão e da dor de Jesus na terra.
Ensinaste-me a aceitá-la como uma ‘face espiritual do meu trabalho’”.
Felizmente para ela esses confessores compreenderam que a
sua condição era espiritual e não psicológica. Se a sua noite escura tivesse
sido uma depressão psicológica, como alguns têm sugerido, ela ter-se-ia
revelado apática, negativa, ressentida, sem esperança, ansiosa e sem energia
nem capacidade de concentração. Mas como referiu o postulador da sua causa de
canonização, o padre Brian Kolodiejchuk, “Em vez de diminuir, a escuridão
parece ter revigorado o seu impulso missionário”. A maioria das pessoas que,
como eu, trabalharam de perto com as missionárias, mesmo durante curtos
períodos de tempo, sabem no seu coração que não teriam conseguido aguentar. O
amor e a energia delas era fruto de uma rendição a Deus, esvaziamento e Graça.
Como disse a própria Madre Teresa, certa vez, “quanto menos temos, mais damos.
Parece um absurdo, mas é a lógica do amor”.
Só há um teste ao verdadeiro discipulado – a sua vida
trouxe glória e honra a Jesus? A sua escuridão produziu luz? Na verdade, a
presença de Cristo nela era por vezes tangível. Havia manhãs em que, sem pensar
nisso, nos juntávamos à sua frente depois da missa e baixávamos as cabeças, na
esperança de que ela nos tocasse. Vinham pessoas de todo o mundo e de todas as
classes sociais só para que ela tocasse nos seus bebés, nascidos ou não
nascidos. Cada grama de Jesus que havia nela, a Madre oferecia àqueles de entre
nós que se tinham apresentado sem outra coisa que não a nossa pobreza.
Mary Poplin é uma nova contribuidora para o The Catholic
Thing. É professora na Claremont Graduate University e autor de Finding Calcutta: What Mother Teresa Taught Me e Is Reality Secular?
(Publicado pela primeira vez na Quinta-feira, 17 de Março
de 2016 em The Catholic Thing)
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