Howard Kainz |
No Século XIV Clemente V lamentou que em terras cristãs
ainda se ouça a “invocação pública do nome sacrílego de Maomé”; no Século XV,
Calisto III denunciou o Islão como sendo uma “seita diabólica”. Pio II criticou
Maomé como “falso profeta” e o Papa Eugénio condenou a “seita abominável de
Maomé”; no Século XVI o Papa Leão X disse que os muçulmanos tinham substituído
a luz da salvação por uma “cegueira total e obstinada”; e no Século XVIII o
Papa Bento XIV criticou os cristãos que promovem, indirectamente, “os erros de
Maomé” quando adoptam nomes muçulmanos para evitar impostos ou outras
penalizações por parte das autoridades islâmicas.
Também santos de séculos passados, como Tomás de Aquino
ou João Damasceno, apelidaram o Islão de “diabólico”.
“Diabólico”? “Cruel”? Serão exageros? Muitos de nós
conhecemos um bom número de muçulmanos individuais que são boas pessoas. Mas
poderá ser que a sua religião seja má? Pode-se distinguir entre a bondade dos
membros individuais e a sua religião?
O Papa Bento XVI toucou ao de leve na alegada “maldade”
do Islão no seu famoso discurso de Ratisbona em 2006, sobre a necessidade de se
unir a razão e a religião. Citou o exemplo de um imperador do Século XIV que descrevia
o Islão como inerentemente violento e irracional, logo, mau. Isso provocou uma
revolta mundial e vários episódios de violência, levando o então cardeal
argentino Jorge Mario Bergoglio, futuro Papa, a comentar: “Essas afirmações
servirão para destruir em vinte segundos a relação cuidadosamente construída
com o Islão, ao longo dos últimos vinte anos, pelo Papa João Paulo II”.
Acrescentou que tais declarações “não reflectem as minhas opiniões”.
E o que dizer dos relatos de atrocidades islâmicas, tanto
no passado como no presente? A “World Watch List” de 2015 deu conta de 4.344 cristãos mortos por razões ligadas à
fé e 1.062 igrejas atacadas. A lista de 2016
documenta casos de 7.106 mortes e 2.425 igrejas atacadas. Há literalmente
milhares de casos de violência contra cristãos e destruição de igrejas no
Egipto, Paquistão, Síria, Iraque, Irão, Indonésia, partes de África e noutros
locais do mundo islâmico.
O Papa Francisco deve estar bem informado sobre tais
eventos, mas na sua exortação apostólica “A Alegria do Evangelho”, diz que “frente a episódios de fundamentalismo
violento que nos preocupam, o afecto pelos verdadeiros crentes do Islão deve
levar-nos a evitar odiosas generalizações, porque o verdadeiro Islão e uma interpretação adequada do Alcorão opõem-se a toda a
violência.”
Ao assumir esta posição Francisco, um “filho fiel da
Igreja” está a ecoar o Concílio Vaticano II. No Concílio o Papa João XXIII,
como parte do seu objectivo de “abrir as janelas da Igreja” pediu aos
participantes para reconsiderarem a relação da Igreja com o Judaísmo, evitando
as posições teológicas e litúrgicas que tinham um historial de contribuir para
o anti-semitismo. Inicialmente não havia qualquer ideia de fazer
pronunciamentos sobre o Islão; mas como
já referi noutro artigo, alguns padres conciliares e teólogos no concílio
queriam incluir o Islão em documentos oficiais sobre “religiões não-cristãs”.
Louis Massignon |
Durante o Concílio um dos discípulos de Massignon, o
teólogo dominicano egípcio Georges Anawati (1905-1994) liderou os esforços,
juntamente com outros, para se incluir afirmações positivas sobre o Islão nos
documentos oficiais. O sucesso deste grupo vê-se na Nostra Aetate e na Lumen
Gentium, que contêm comentários laudatórios sobre o Islão: “Mas o desígnio da
salvação estende-se também àqueles que reconhecem o Criador, entre os quais vêm
em primeiro lugar os muçulmanos”, uma religião abraâmica e monoteísta, que se
submetem de todo o coração aos “decretos, mesmo ocultos,” de Deus, partilhando
muito com o Cristianismo no que diz respeito a crenças básicas e ensinamentos
morais.
Mas tendo em conta o ódio para com outras religiões que
se revela nas escrituras islâmicas, bem como o enorme número de assassinatos,
incêndios de igrejas e perseguições que temos visto nas últimas décadas, será
tudo isto apenas uma mão cheia de boas intenções? Na Igreja de hoje as
condenações de aspectos evidentes do Islão são praticamente inexistentes.
O Papa Pio XI publicou o Mit brennender Sorge, uma
crítica aberta ao regime nazi e o Divini redemptoris contra o comunismo. Já Pio
XII optou por trabalhar de forma discreta mas persistente, durante o seu
pontificado, para derrotar o nazismo e salvar judeus. O que teria acontecido se
tivesse publicado uma condenação firme ao nazismo?
Durante o Concílio Vaticano II a União Soviética era um
flagelo global e Nossa Senhora de Fátima, nas aparições extraordinárias que
coincidiram com o início da revolução comunista, avisou a Igreja sobre o perigo
de a Rússia “espalhar os seus erros através do mundo”. Mas, incrivelmente, não
houve um só cheirinho de crítica ao comunismo no Concílio. E se Paulo VI
tivesse condenado a União Soviética, o leninismo e o marxismo? A cautela
diplomática deve influir nos pronunciamentos papais? Ou devíamos seguir o lema
do Imperador do Sacro Império Romano, Fernando I, “Fiat justitia, pereat
mundus”, seja feita a justiça, nem que o mundo pereça?
No que diz respeito ao Islão actualmente, uma condenação
clara da religião, tal como foi feita pelos papas nos séculos passados,
resultaria, podemos estar certos, em graves perturbações por todo o mundo –
talvez uma Terceira Guerra Mundial. E uma condenação dessas poderia ainda
afectar injustamente os muçulmanos moderados a par dos extremistas. Mas mesmo
sem se condenar, os elogios constantes parecem-me descabidos. Quanto ao termo
“religião da paz” é altura de ter em conta a interpretação tradicional de “paz”
no Islão: O mundo encontra-se dividido em duas “casas” – a Casa da Paz (Dar
Al-Salaam) e a Casa da Guerra (Dar Al-Harb). Na primeira, cabem apenas os
muçulmanos.
Howard Kainz é professor emérito de Filosofia na
Universidade de Marquette University. Os seus livros mais recentes incluem Natural Law: an Introduction and Reexamination (2004), The Philosophy
of Human Nature (2008),
e The Existence of God and the Faith-Instinct (2010)
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na Quarta-feira, 3 de Março de 2016)
© 2015
The Catholic Thing. Direitos reservados. Para os direitos de
reprodução contacte:info@frinstitute.org
The Catholic Thing é um fórum de opinião católica
inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus
autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o
consentimento de The Catholic Thing.
No comments:
Post a Comment