Randall Smith |
as na fila”.
Será que ele me negaria a absolvição? Provavelmente não.
Mas não tenho grandes dúvidas que a minha penitência seria voltar para o fim da
fila e rezar Avé Marias até toda a gente acabar de se confessar.
A confissão é uma coisa bizarra. Não só entramos numa
pequena divisão onde dizemos, em voz alta, todos os nossos pecados mais
sórdidos e secretos, mas ouvimos uma pequena voz que nos diz as palavras do
perdão, ainda antes de termos cumprido a penitência. Não devia ser ao
contrário? Primeiro a penitência e depois a absolvição?
Claro que não. A penitência não é uma forma de ganhar o
perdão de Deus. Aliás, ir-se confessar também não é. Cristo já nos conquistou
esse perdão, através do seu sacrifício na Cruz. E esse perdão torna-se presente
para nós através do seu Espírito Santo.
Mas se Deus já nos perdoou, e se a confissão torna esse
perdão presente para nós de uma forma concreta, visível e audível, então para
que serve a penitência?
Mesmo que alguém nos perdoe, isso não quer dizer que nós
mudámos de alguma maneira. “Perdoar” é algo que a outra pessoa faz. E eu, que
faço? Será que interiorizámos esse perdão? Mudou-nos? Dissemos verdadeiramente
que “sim” ao amor transformador de Deus?
Digamos que eu roubo alguma coisa a alguém. Ao roubar,
transformei-me num ladrão. Agora, digamos que essa pessoa, porque me ama, e
porque não quer mais do que reconciliar-se comigo e fazer de mim seu amigo,
ver-me andar para a frente e florescer, perdoa-me. A questão agora é: Será que
vou continuar a ser ladrão?
O perdão abre a porta para uma relação modificada e uma
vida nova. Mas seria um erro pensar que o perdão é o fim de um processo, quando
na verdade é apenas o primeiro passo. O próximo passo é deixar que esse amor
mude o meu coração e me coloque num novo rumo para a minha vida. Ninguém que
nos ama verdadeiramente e nos perdoa quer que permaneçamos no nosso pecado, da
mesma maneira que quem ama e perdoa a um alcoólico não o quer continuar a ver
escravo do vinho.
A penitência depois da confissão é precisamente o primeiro
desses passos numa nova direcção. Trata-se de compreender que o perdão de
Cristo não é apenas algo que existe por aí, num vazio incorpóreo – uma nota de
crédito que posso apresentar algum dia quando estiver a enfrentar o Céu ou o
Inferno. O amor transformador de Deus não me deixa no meu pecado; o seu
objectivo é transformar-me imediatamente. A graça do sacramento funciona
mudando o meu coração. E se o meu coração for verdadeiramente mudado, então
preciso de começar a viver de forma diferente.
Por isso, depois da confissão, tomo esses pequenos passos
num novo rumo, cumprindo por inteiro, e fielmente, a minha penitência. Não
porque imagino que ao fazer estas coisas estou a fazer por merecer o perdão e o
amor de Deus. Não, nós amamos “porque Deus nos amou primeiro” (1 Jo, 4). Só se
eu aceitar o amor e o perdão de Deus é que posso mudar. Basta-me olhar para o
crucifixo antes de entrar no confessionário para compreender que Ele me ama e
que já me perdoou. Vou-me confessar, não para mudar Deus, mas para deixar que
Deus me mude.
É normal que essa mudança não aconteça instantaneamente,
nem de forma simples. A graça de Deus trabalha ao longo do tempo, e Deus tem o
seu próprio ritmo. Deus não exige que nos tornemos perfeitos num instante. O
que Deus pede, e o que o padre nos diz em seu nome, é: “Dá uns pequenos passos.
Depois tem fé que eu estarei activo na tua vida, frequentemente de formas que
não serás capaz de ver”.
Pode ser difícil confessar-se. Por vezes parece uma
espécie de morte. E até é, pois morremos para nós mesmos. Mas esse “morrer para
nós mesmos” é necessário se quisermos “viver em Cristo”.
As pessoas estão sempre a perguntar-me porque é que Deus
precisa de um padre e da confissão para nos perdoar os pecados. Claro que Deus
não precisa nem de uma coisa nem de outra, Ele já nos perdoou os pecados. Nós é
que precisamos do padre e da confissão. Somos nós que precisamos de reflectir a
fundo sobre as nossas vidas e ganharmos consciência das formas como nos
afastámos de Deus. Somos nós que precisamos de coragem para pronunciar, em voz
alta, por palavras e a uma pessoa de verdade, os nossos pecados, para que o som
ressoe bem alto nos nossos ouvidos e nos nossos corações. E somos nós que
precisamos de ouvir as palavras da absolvição, para que saibamos, naquele
momento de vergonha e humildade, que Deus nos perdoa.
Os sacramentos tornam presente para nós o amor de Deus de
uma forma física. Perguntar para que é que “precisamos” da presença física de
um sacramento é como perguntar se na verdade “precisamos” de beijar a pessoa
que amamos. Poderíamos amá-la à distância, de uma forma “espiritual”, mas assim
a coisa tem muito menos piada. Enquanto seres humanos físicos, a maior parte
das pessoas parece achar que a cena dos beijos até é uma coisa boa.
Antes de me converter ao Catolicismo, já adulto, achava
que a confissão era uma das coisas mais absurdas que se podia fazer. Mas
entretanto compreendi que o acto físico da confissão é um dos melhores aspectos
do Catolicismo. É como ser beijado por Deus.
Randall Smith é professor de teologia na Universidade de
St. Thomas, Houston.
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