Filip Mazurczak |
Embora o
Cristianismo tenha surgido do seio do Judaísmo, as relações entre judeus e
cristãos foram muitas vezes dolorosas. Em 1215, o Quarto Concílio de Latrão
decretou que os judeus deviam usar roupas que os distinguissem dos cristãos. Em
1555 o Papa Paulo IV criou o gueto judeu de Roma, que foi o último gueto
europeu até ser abolido em 1888. Muitos cristãos acusaram os judeus de terem
morto Cristo e as encenações de Sexta-feira Santa serviram frequentemente de
inspiração para fomentar violência anti-judaica pela Europa fora.
Mas as relações
entre cristãos e judeus nem sempre foram marcadas pela hostilidade. Na Idade
Média os judeus foram muitas vezes defendidos, sobretudo por figuras como São
Bernardo de Clairvaux (a razão pela qual muitos judeus ainda se chamam
Bernardo) e o Papa Inocêncio IV. A corte pontifícia empregava médicos judeus e
o Papa Gregório I promovia a tolerância para com os judeus já no século VII. Em
todo o caso, a desconfiança continuou a separar cristãos e judeus durante
vários séculos.
No século XX isto
mudou radicalmente, para melhor. Hoje, as orações ecuménicas entre judeus e
cristãos são um aspecto comum da vida religiosa em todo o mundo. Os líderes
cristãos condenam frequentemente o anti-semitismo. Actualmente, o principal
bastião de anti-semitismo católico é a Sociedade de São Pio X, um grupo
cismático. Entretanto, afirmações escandalosas como as do Cardeal Oscar
Rodrigues Maradiaga, que afirmou que os meios de comunicação social controlados
por judeus usam as histórias de abusos sexuais de padres católicos para desviar
as atenções do conflito israelo-árabe, são a excepção e não a norma.
Esta
transformação foi possível graças á boa-vontade de pessoas como Elio Toaff.
Nascido na
Toscânia em 1915, filho de um rabino, Toaff passou a II Guerra Mundial a
combater na resistência anti-fascista italiana. Testemunhou o massacre de mais
de 500 civis em Sant’Anna di Stazzema, na Toscânia e na última entrevista
publicada antes da sua morte, disse ao site italiano judeu Moked que tinha experienciado hostilidade enquanto
judeu na Itália de Mussolini, o maior aliado do Terceiro Reich. A única razão
pela qual não saiu da Europa foi porque se recusou a abandonar a sua comunidade
em tempo de perigo.
Mas Toaff
testemunhou também a significativa ajuda que um grande número de católicos deu
a judeus, apesar dos preconceitos da altura. Embora se tenha tornado moda falar
do Papa Pio XII como o “Papa silencioso”, ele condenou regularmente o nazismo
na Rádio Vaticano e apelou aos conventos italianos para darem refúgio a
crianças judias, tendo ele mesmo escondido várias em Castel Gandolfo e no
Vaticano.
Tendo visto a
ajuda que os católicos deram aos judeus, Toaff – que se veio a tornar
rabino-mor de Roma em 1951 – comentou, após a morte de Pio XII: “Os judeus
recordar-se-ão sempre do que a Igreja Católica fez por eles, por ordem do Papa,
durante a Segunda Guerra Mundial. Quando a guerra estava no auge, Pio XII
levantou a voz várias vezes para condenar a falsa teoria das raças”.
Pouco tempo
depois viriam mudanças significativas. São João XXIII removeu a oração “pela
conversão dos pérfidos judeus”da liturgia da Sexta-feira Santa e, em 1965, a
Igreja promulgou o Nostra Aetate, que declarou que os judeus, enquanto povo,
não são responsáveis pela morte de Cristo.
A reconciliação
entre judeus e católicos acelerou depois da eleição de João Paulo II em 1978.
Ele já tinha muitos amigos judeus na sua Polónia natal; o mais próximo dos
quais, Jerzy Kluger, tinha combatido no exército polaco que libertou a Itália
dos Nazis. Kluger permaneceu em Roma até à sua morte, acabando por se tornar um
elo importante entre o Papa e o mundo judeu.
Entretanto,
quando o Governo comunista da Polónia iniciou uma campanha anti-semita em 1968,
forçando muitos judeus a emigrar, o cardeal Karol Wojtyla visitou a sinagoga de
Cracóvia e expressou a sua solidariedade para com os judeus polacos.
Providencialmente,
o rabino Toaff liderava nessa altura a comunidade judaica de Roma. Em 1986,
João Paulo II fez uma visita oficial à Grande Sinagoga de Roma, tornando-se o
primeiro Papa desde São Pedro a visitar um local de culto judeu. Os dois homens
cumprimentaram-se e rezaram. A imagem do Papa polaco e do rabino italiano a
abraçarem-se e a sorrir tornou-se uma das mais icónicas do pontificado de João
Paulo II. Foi Toaff quem iniciou este evento histórico, tendo tomado a
iniciativa de convidar o Papa a visitar a sinagoga. Essa foi a primeira ocasião
em que o Papa disse que os judeus são os “irmãos mais velhos na fé”, uma frase
original de Adam Mickiewicz, o poeta nacional filo-semítico da Polónia.
A amizade entre
os dois foi imediata. Mais tarde, no mesmo ano, João Paulo II convidou Toaff
para participar com ele e com os líderes de muitas das outras religiões
mundiais no Dia Mundial da Oração pela Paz, em Assis. Em 1994 Toaff e João
Paulo II presidiram a um concerto no Vaticano para comemorar as vítimas da
Shoah. Entretanto, Toaff ajudou a coordenar a visita de João Paulo II à Terra
Santa, no ano 2000. Toaff foi uma de apenas duas pessoas referidas no
testamento do Papa, a outra sendo o seu secretário, o arcebispo (agora cardeal)
Stanislaw Dziwisz.
Tendo visto em
primeira mão o fascismo, a ocupação de Itália pelos nazis, o anti-semitismo e o
renascimento da comunidade judaica de Roma, o rabino Elio Toaff foi testemunha
da história do Judaísmo no seu país. Mas acima de tudo ele possuía um coração
aberto ao diálogo e à reconciliação. Os seus gestos para com os católicos e a sua
amizade com São João Paulo II desempenharam um papel crucial no verdadeiro
milagre que foi a mudança radical da era de desconfiança mútua para uma era em que
os judeus são novamente os nossos “irmãos mais velhos”.
Alav Ha-sholom.
Filip Mazurczak
contribui regularmente para o Katolicki Miesięcznik “LIST”. Os seus textos já apareceram também
no First Things, The European Conservative e Tygodnik Powszechny.
© 2015 The
Catholic Thing. Direitos reservados. Para os direitos de reprodução contacte: info@frinstitute.org
No comments:
Post a Comment