Wednesday 17 July 2013

O Princípio de “Qual é o Mal?”

Randall Smith
“Imaginemos duas mulheres”, diz o meu amigo; “elas amam-se e estão comprometidas uma com a outra da mesma maneira que tu e a tua esposa. E digamos que elas estão envolvidas num acto que, se a sua biologia fosse diferente, poderia conduzir à procriação, mas neste caso não pode. Porque é que a ausência desta única dimensão do acto o torna moralmente errado?”

Noutros artigos, recentemente, sugeri que um dos problemas com esta questão é que ela envolve uma subtil equivocação de termos. Falar em “sexo” ao qual “falta apenas uma das dimensões do acto” – nomeadamente o acto de abertura à geração de vida – é como falar em “martelar” sem abertura à utilização de pregos ou a pretensão de construir algo. Será mesmo martelar? Fazer um certo movimento no ar, com um martelo na mão, não é a única coisa que determina o acto de “martelar”, da mesma maneira que fazer certos movimentos com as minhas ancas não determina o que constitui “sexo”.

Por isso a primeira coisa a clarificar é que um homem e uma mulher (ou uma mulher e uma mulher), que estão envolvidos em certos actos físicos não estão verdadeiramente envolvidos no mesmo acto que dois esposos que estão a praticar um acto fundamentalmente procriativo, tanto quanto um cirurgião que abre um doente para operar no seu fígado não está a fazer a mesma coisa que o Hannibal Lecter quando este abre uma vítima para lhe comer o fígado.

Um “acto” tem mais que se lhe diga do que a mera moção física. Igualmente, há muito mais que define um “acto” do que a intenção com a qual é cometido. De acordo com a Igreja devemos considerar tanto o “objecto” do acto como a intenção com que é praticado, bem como quaisquer circunstâncias relevantes.

Mas digamos que a pergunta é feita de forma diferente. A forma como a maioria dos meus alunos me interroga sobre os ensinamentos morais da Igreja é a seguinte: “Porque é que não posso fazer o que me apetece, desde que não prejudique ninguém?”

A primeira coisa a dizer sobre esta pergunta é que trai um utilitarismo bastante simplista, de que o questionador normalmente não se apercebe. Os meus alunos não estudaram as obras de Bentham e Mill para decidir se estavam certos, não, este tipo de utilitarismo está simplesmente no ar que respiram. Por isso a minha primeira tarefa é sugerir-lhes que o princípio de “qual é o mal” não é uma forma particularmente boa de pensar sobre questões morais.

Porquê? Bom, porque normalmente é difícil definir o “mal” de forma a justificar que se impeça alguém de fazer aquilo que lhe apetece. Os reitores das nossas residências universitárias enfrentam estes problemas constantemente. “Só quero ouvir a minha música à noite, enquanto trabalho. Qual é o mal? Não prejudica ninguém!”, insistirá um aluno. Bom, quando se ouve a música tão alto que os outros não conseguem dormir ou estudar, isso “prejudica-os”. Mas será? Se definirmos “prejudicar” como dar um murro em alguém, então não. Então qual o grau de prejuízo que o outro tem de suportar para que você pare de fazer o que quer?

Qual é o mal?
A prevalência do princípio de “qual é o mal” é uma das razões pelas quais estamos obcecados em tentar mostrar que algo esteticamente desagradável, como fumar, vai acabar por matar terceiros que acabam por inalar nem que seja um bafo do fumo. O facto de estar a fumar não só me repugna, como me está a prejudicar, por isso tem de parar. Escusado será dizer que os fumadores tendem a não achar esta argumentação muito convincente. Os alunos que gostam de ouvir música aos berros também não.

O que tende a passar despercebido no meio disto é que este princípio pressupõe uma visão muito problemática da pessoa humana. Os estudantes que compreendem que não se deve beber e conduzir (alguém pode ficar ferido) perguntam-me: “Se eu me embebedar sozinho no meu quarto e mais ninguém se magoar, porque é que isso é errado?” Ao que eu respondo: “Mas alguém está a ser prejudicado: tu! Porque é que eu apenas me hei-de importar se outra pessoa se magoar?”

A forma como se coloca a questão do princípio de “qual é o mal?” pressupõe, a maior parte das vezes, um individualismo redutor, segundo o qual uma pessoa não se encontra intrínsicamente ligada aos outros. Será verdade que o que eu faço, mesmo a mim próprio, não afecta mais ninguém? Ou será que o que fazemos tem de facto um profundo impacto nos nossos amigos, família e sociedade? Não teremos quaisquer obrigações para com os outros, para amar e cuidar deles? Quando nos prejudicamos a nós mesmos não estamos a roubar aos outros algo que lhes é devido?

Na verdade, não será o suicídio, que muitos consideram um assunto privado, de facto um acto egoísta através do qual cortamos com todas as obrigações para com a família, a sociedade e Deus? O maior pacto anti-suicída é a realização de que eu não dei a vida a mim mesmo – foi-me dada tanto como um dom e como uma responsabilidade – e por isso não tenho o direito a tirá-la.

O outro problema é que este princípio deixa muitas perguntas por responder. Será que só conta o mal físico? E os danos morais? Quando cometo certos actos estou a ferir-me física mas também psíquica e espiritualmente? Quem já esteve viciado em álcool ou drogas poderá dizer-lhe que os danos físicos são os menos graves. O maior dano é à nossa autonomia. E claro que o pior mesmo é o mal feito à relação com os nossos entes queridos, mesmo que não tenham sido prejudicados de forma física. O pior mal pode ser moral.

Não, o princípio de “qual é o mal” simplesmente não serve. Mas acabamos por ver os católicos a embrulharem-se todos a tentar responder a uma pergunta que não tem resposta da forma como está formulada. O ensinamento moral não se limita a repetir o que diz a Igreja, mas também a mostrar porque é que a Igreja propõe uma forma melhor de pensar na vida e nas suas questões mais fundamentais.


Randall Smith é professor de teologia na Universidade de St. Thomas, Houston.

(Publicado pela primeira vez na quinta-feira, 11 de Julho 2013 em The Catholic Thing)

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2 comments:

  1. Inês Magriço18 July 2013 at 10:16

    Muito bom, Filipe! Parabéns pela escolha do artigo!

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  2. Que grande baralhada. Faltam organização e solidez lógica à argumentação.

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