O primeiro Presidente democraticamente eleito no Egipto não
durou mais que um ano.
Mohamed Morsi foi ontem deposto através de um golpe militar
anunciado. O mais interessante, para mim, é o facto de os militares se terem
reunido previamente com os principais líderes religiosos do país, que
sancionaram a sua actuação.
Do lado cristão, a escolha era óbvia. O carismático e
recém-eleito Papa Tawadros II esteve presente e fez questão de dar a sua
aprovação à acção dos militares e aos manifestantes que se encontravam nas
ruas.
Do lado muçulmano, o escolhido era o líder da Universidade
Al-Azhar, a principal e mais prestigiada instituição de ensino em todo o mundo
islâmico. Mas aqui é que a situação fica mais complexa. Como se sabe, o Islão
não tem uma hierarquia centralizada. Cada sheikh, ou imã, é virtualmente
independente. Em alguns países há cargos oficiais criados pelo Governo, ou
então há cargos como este que carregam inerentemente grande prestígio, mas as
suas bases não são teológicas e, por isso, não é difícil outras correntes apresentarem
objecções ou darem a sua fidelidade a outros líderes.
Por isso, não se pode presumir que, pelo simples facto de o
presidente do Al-Azhar ter “dado a sua bênção”, os militares contem agora com o
apoio dos islamistas. A Irmandade Muçulmana, e todos os seus seguidores, estão
tudo menos contentes com o golpe.
Isto porque, no meu entender, a Irmandade Muçulmana é a
grande derrotada deste golpe militar. Quando caiu o regime de Hosni Mubarak ela
era, de longe, a força social e política mais bem organizada do país. Foi com
naturalidade que chegou ao poder, através do seu Partido da Justiça e da
Liberdade, e fez eleger o seu candidato à presidência. Um ano depois o
Presidente foi deposto, depois de ter sido abandonado por todos os seus
aliados, à excepção da Irmandade, e os líderes do movimento estão detidos.
Tenho sérias dúvidas de que a Irmandade recupere a sua legitimidade
e capacidade de acção. Mesmo que lhe seja permitida concorrer a novas eleições.
Mas o problema é que isso deixa em aberto um espaço vazio que poderá muito bem
ser preenchido por forças bastante mais fundamentalistas. É que em vários
aspectos a Irmandade Muçulmana é bastante moderada.
O futuro do Egipto é, portanto, incerto nesta altura. É
esperar para ver.
E os cristãos? 10% da população, os coptas são a mais
importante comunidade cristã de todo o Médio Oriente. Eles estavam publicamente
desiludidos com o regime de Morsi e as suas políticas islamizantes e recordavam
frequentemente que ao longo dos últimos anos o número de ataques anticristãos
tinha crescido, em relação ao regime de Mubarak.
O apoio dado pelo Papa Tawadros às forças armadas e aos
protestos foi impressionante e muito explícita. A sua “glorificação” dos
militares é curiosa, tendo em conta a forma como os coptas os criticaram quando
há cerca de dois anos mataram uns 25 cristãos desarmados durante uma
manifestação.
A seguir à queda de Mubarak todos os egípcios acabaram por
revelar a sua impaciência com o tempo levado pelos militares a abandonar o poder
aos civis. Agora veremos quando tempo é que as Forças Armadas continuam nas
boas graças dos defensores da democracia.
Em todo o caso, o que parece evidente é que os coptas têm em
Tawadros um líder forte, sem medo de se comprometer com as causas e de dizer a
verdade e defender o seu rebanho. Tawadros é carismático e de sorriso fácil e
está a ser levado a sério pelos actores políticos, neste caso pelos militares,
o que é bom augúrio para o estatuto dos cristãos no futuro próximo do Egipto.
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