Wednesday, 18 January 2023

A Compostagem Humana Mete Nojo

David G. Bonagura

Sem grandes alaridos, no final de 2022 a governadora de Nova Iorque, Kathy Hochul, promulgou uma lei autorizando a “redução orgânica natural”, conhecida popularmente como “compostagem humana”. Nova Iorque junta-se assim a outros cinco dos estados mais progressistas do país que já legalizaram a prática. A compostagem humana consiste em aquecer e rodar regularmente um cadáver humano dentro de um contentor cheio de material orgânico. Depois de seis a oito semanas todo o corpo se transforma em solo. Os ossos são depois colocados num incinerador (o eufemismo usado é “cremulador”), e queimado para formar mais solo, que é acrescentado àquilo que era o resto do corpo e lançado a um jardim, floresta, ou outro paraíso hortícola.

É uma nova versão da profecia bíblica: “Lembra-te que és pó, e ao pó tornarás. E tornarás”.

Os argumentos a favor da compostagem humana, recentemente articulados no New York Times, são utilitários, emocionais e filosóficos. Custa menos do que um enterro tradicional e, embora seja mais cara do que a cremação, a incineração de ossos resultantes da compostagem é menos prejudicial para o ambiente. Satisfaz a ligação emocional à terra, que inclui tanto o desejo de regressar a ela como de entrar em comunhão com os outros mortos que ela agora contém. Por fim, representa um novo ritual de morte que tem significado para alguns pelo que, no espírito de relativismo moral, devemos respeitar as escolhas de cada um.

Esta lógica radica num dualismo filosófico que defende a separação radical entre a alma e o corpo. Segundo este princípio, o corpo é acidental, e não essencial, à existência humana. Logo, o corpo pode ser tratado como um mero instrumento: os seus processos naturais podem ser interrompidos, os seus membros saudáveis mutilados para ir ao encontro de uma ideia distorcida, ou pode ser descartado depois da morte, uma vez que a sua ligação à pessoa nunca teve real valor.

A compostagem humana corrói a dignidade da pessoa. Tenho uma compostagem no meu jardim, é para lá que mandamos o nosso lixo orgânico: cascas de banana, sacos de chá, borras de café, cascas de ovo, fruta incomestível e restos de legumes, abóboras podres, depois do Halloween.

O corpo humano não é um pedaço de lixo, é o modo essencial da nossa existência – somos almas incorporadas. A alma não tem qualquer vida, auto-compreensão ou experiências fora do corpo. A pessoa é mais do que o seu corpo, mas não pode viver nem ser conhecido sem ser no seu corpo.

Mesmo fora dos círculos cristãos as pessoas civilizadas acreditam que cada pessoa possui uma dignidade inerente que ninguém pode violar. Por causa da união essencial entre alma e corpo, respeitar essa dignidade implica respeitar também o corpo humano. Não podemos, por exemplo, causar danos físicos a alguém e dizer que estamos a respeitar a sua alma ao mesmo tempo. Por isso condenamos, e bem, o racismo e o sexismo, pois estes atacam a pessoa, devido a aparência do seu corpo. Ao menorizar o corpo, estes preconceitos desumanizam.

Ao reduzir o corpo humano a uma matéria informe, a compostagem humana também é uma forma de desumanização. Se os corpos são dignos de respeito em vida, também o são na morte. É por isso que ao longo de milénios tantas culturas, de tantas religiões diferentes, desenvolveram a prática de sepultar os seus mortos: faze-lo é um acto de homenagem a uma pessoa que em tempos foi filho, filha, irmão, irmã, esposo, pai, amigo ou vizinho de alguém – e deve ser homenageado como tal até na morte.

Contrariamente às aparências, a compostagem humana não acelera um processo natural. Sim, os corpos decompõem-se com o tempo, mas como se a própria natureza nos tivesse a dar uma lição de dignidade humana, aos ossos isso não acontece. Eles permanecem juntos, fixos na terra, como marcadores de um ser intacto, único, a recordação de uma pessoa que outrora viveu. Consideramos os cemitérios terra sagrada porque eles contêm algo especial. Permitimos aos mortos descansar em paz como testemunho ao facto de que eram pessoas que mereciam respeito em vida, e merecem ainda na morte.

Claro que do ponto de vista cristão o argumento para preservar o corpo na morte é ainda mais forte. No Natal celebramos o Deus que se fez homem, um evento que atribuiu à carne humana uma nobreza divina. O corpo humano é de tal forma abençoado por Deus, e de tal forma essencial à existência humana, que a morte traz apenas uma separação temporária da alma e do corpo. No final dos tempos Deus ressuscitará os nossos corpos decaídos da terra e transformá-los-á em corpos espirituais – tal como o de Cristo – com que serão reunidas as nossas almas. Proclamamos essa crença todos os domingos na recitação do Credo: “Espero a ressurreição dos mortos e a vida do mundo que há de vir”.

Quando o Papa Francisco lamenta a nossa “cultura do descarte” contemporânea, que desrespeita os pobres e os marginalizados, implora-nos que recordemos que “Ninguém é descartável!”. A este uso figurativo do termo devemos acrescentar agora, infelizmente, o sentido literal: nenhum ser humano, em vida ou na morte, deve ser descartado como lixo para apodrecer num monte de compostagem.

Não há apelos ao consentimento ou amor pela terra que justifiquem tratar o corpo humano como lixo, transformando-o em terra para embelezar os nossos jardins. A edificação da terra não se pode fazer à custa da dignidade humana, que se decompõe ao mesmo ritmo que o corpo, caso aceitemos tolerar a compostagem como apenas mais uma “escolha de vida”.


David G. Bonagura, Jr. leciona no Seminário de São José, em Nova Iorque. É autor de Steadfast in Faith: Catholicism and the Challenges of Secularism, que será lançado no próximo inverno pela Cluny Media.

(Publicado pela primeira vez na quarta-feira, 11 de Janeiro de 2023 no The Catholic Thing)

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1 comment:

  1. Uma sugestão: Precisamos de parar de chamar "progressista" à esquerda woke. Isso é como eles se auto-intitulam, não podemos utilizar o vocabulário deles. O que eles querem de progresso não tem nada.

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