David G. Bonagura |
É uma nova versão da profecia
bíblica: “Lembra-te que és pó, e ao pó tornarás. E tornarás”.
Os argumentos a favor da
compostagem humana, recentemente articulados
no New York Times, são utilitários, emocionais e filosóficos. Custa menos
do que um enterro tradicional e, embora seja mais cara do que a cremação, a
incineração de ossos resultantes da compostagem é menos prejudicial para o
ambiente. Satisfaz a ligação emocional à terra, que inclui tanto o desejo de
regressar a ela como de entrar em comunhão com os outros mortos que ela agora
contém. Por fim, representa um novo ritual de morte que tem significado para
alguns pelo que, no espírito de relativismo moral, devemos respeitar as
escolhas de cada um.
Esta lógica radica num
dualismo filosófico que defende a separação radical entre a alma e o corpo.
Segundo este princípio, o corpo é acidental, e não essencial, à existência
humana. Logo, o corpo pode ser tratado como um mero instrumento: os seus
processos naturais podem ser interrompidos, os seus membros saudáveis mutilados
para ir ao encontro de uma ideia distorcida, ou pode ser descartado depois da
morte, uma vez que a sua ligação à pessoa nunca teve real valor.
A compostagem humana corrói a
dignidade da pessoa. Tenho uma compostagem no meu jardim, é para lá que
mandamos o nosso lixo orgânico: cascas de banana, sacos de chá, borras de café,
cascas de ovo, fruta incomestível e restos de legumes, abóboras podres, depois
do Halloween.
O corpo humano não é um pedaço
de lixo, é o modo essencial da nossa existência – somos almas incorporadas. A
alma não tem qualquer vida, auto-compreensão ou experiências fora do corpo. A
pessoa é mais do que o seu corpo, mas não pode viver nem ser conhecido sem ser
no seu corpo.
Mesmo fora dos círculos
cristãos as pessoas civilizadas acreditam que cada pessoa possui uma dignidade
inerente que ninguém pode violar. Por causa da união essencial entre alma e
corpo, respeitar essa dignidade implica respeitar também o corpo humano. Não
podemos, por exemplo, causar danos físicos a alguém e dizer que estamos a
respeitar a sua alma ao mesmo tempo. Por isso condenamos, e bem, o racismo e o
sexismo, pois estes atacam a pessoa, devido a aparência do seu corpo. Ao
menorizar o corpo, estes preconceitos desumanizam.
Contrariamente às aparências,
a compostagem humana não acelera um processo natural. Sim, os corpos
decompõem-se com o tempo, mas como se a própria natureza nos tivesse a dar uma
lição de dignidade humana, aos ossos isso não acontece. Eles permanecem juntos,
fixos na terra, como marcadores de um ser intacto, único, a recordação de uma
pessoa que outrora viveu. Consideramos os cemitérios terra sagrada porque eles
contêm algo especial. Permitimos aos mortos descansar em paz como testemunho ao
facto de que eram pessoas que mereciam respeito em vida, e merecem ainda na
morte.
Claro que do ponto de vista
cristão o argumento para preservar o corpo na morte é ainda mais forte. No
Natal celebramos o Deus que se fez homem, um evento que atribuiu à carne humana
uma nobreza divina. O corpo humano é de tal forma abençoado por Deus, e de tal
forma essencial à existência humana, que a morte traz apenas uma separação
temporária da alma e do corpo. No final dos tempos Deus ressuscitará os nossos
corpos decaídos da terra e transformá-los-á em corpos espirituais – tal como o
de Cristo – com que serão reunidas as nossas almas. Proclamamos essa crença
todos os domingos na recitação do Credo: “Espero a ressurreição dos mortos e a
vida do mundo que há de vir”.
Quando o Papa Francisco
lamenta a nossa “cultura do descarte” contemporânea, que desrespeita os pobres
e os marginalizados, implora-nos que recordemos que “Ninguém é descartável!”. A
este uso figurativo do termo devemos acrescentar agora, infelizmente, o sentido
literal: nenhum ser humano, em vida ou na morte, deve ser descartado como lixo
para apodrecer num monte de compostagem.
Não há apelos ao consentimento
ou amor pela terra que justifiquem tratar o corpo humano como lixo,
transformando-o em terra para embelezar os nossos jardins. A edificação da
terra não se pode fazer à custa da dignidade humana, que se decompõe ao mesmo
ritmo que o corpo, caso aceitemos tolerar a compostagem como apenas mais uma
“escolha de vida”.
David G. Bonagura, Jr. leciona no Seminário de São José,
em Nova Iorque. É autor de Steadfast in Faith: Catholicism and the Challenges of
Secularism, que será lançado no próximo inverno pela Cluny Media.
(Publicado pela primeira vez na quarta-feira, 11 de Janeiro
de 2023 no The Catholic Thing)
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Uma sugestão: Precisamos de parar de chamar "progressista" à esquerda woke. Isso é como eles se auto-intitulam, não podemos utilizar o vocabulário deles. O que eles querem de progresso não tem nada.
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