David G. Bonagura |
Algumas semanas mais tarde estava a ajudar a orientar as
pessoas na missa de Domingo (com a Igreja a 25% de capacidade) quando entraram
o Joe Junior e a sua mãe. Fixei os meus olhos nos dela e senti a minha face a
manifestar simpatia. Mas a minha expressão não obteve resposta, ou pelo menos
assim pareceu. As nossas caras estavam escondidas atrás de máscaras. Não nos
podíamos abraçar. Tentei expressar o meu pesar e saber o que tinha acontecido,
mas não foi possível com as nossas vozes abafadas atrás da máscara. O pedaço de
tecido que estava a proteger a nossa saúde estava, ao mesmo tempo, a afligir as
nossas almas. As máscaras criaram um momento doloroso e desconfortável.
Não estou a argumentar contra o uso de máscaras para
evitar a propagação do vírus. Temos de fazer o que temos de fazer. É, antes,
uma recordação (e temos tido tantas nesta pandemia) de algo preciso e que damos
por adquirido: expressões faciais, que são o mais genuíno dos gestos humanos.
Como os sacramentos, tornam visíveis os anseios invisíveis do coração, muitas
vezes antes sequer de as palavras terem chegado às nossas bocas. Seja em
momentos de dor, triunfo ou alegria, a face abre uma janela para a alma.
Esperamos que as máscaras se venham a tornar relíquias de
um ano inesquecível quando finalmente vencermos a Covid-19. Por enquanto,
porém, elas provocam alienação entre nós, no sentido mais verdadeiro da
palavra: tornam-nos estranhos, estrangeiros, até dos nossos amigos próximos. As
máscaras até já transformam o sorriso casual a um desconhecido, esse gesto tão simples,
benévolo e quase automático, num olhar estranho. As caras tapadas escondem os
nossos verdadeiros seres e formam uma barreira ao cumprimento da nossa vocação
enquanto homens e mulheres chamados à comunhão uns com os outros e com Jesus
Cristo.
Mas este meu encontro também me levou a pensar noutra
face que nunca se cobriu, apesar dos perigos e ameaças. A sagrada face de Nosso
Senhor, desprotegida do cuspo e das chapadas dos seus captores. Existe uma
devoção piedosa à sagrada face de Jesus, menos conhecida do que deveria ser e
de que eu me tinha esquecido. Compreendi logo que a pandemia e a crise
civilizacional actuais são o ambiente perfeito para a retomar.
Há uma imagem da sagrada face de Jesus preservada de
forma miraculosa no Véu de Verónica, que agora está guardado na Basílica de São
Pedro. Na década de 40 do Século XIX, quando as revoluções políticas varriam a
Europa, Nosso Senhor revelou à Irmã Marie de Saint-Pierre, uma carmelita
francesa, que a blasfémia e a profanação dos domingos feria a sua sagrada face
como “flechas envenenadas”. A blasfémia, em particular, comparou a ser
insultado na face.
Ele pediu que oferecêssemos a sua sagrada face em oração
a Deus Pai, em reparação e pela conversão dos pecadores. Como antídoto,
apresentou a oração da “Flecha de Ouro”, a recitar diariamente e, juntamente
com ela, esta oração simples: “Pai Eterno, eu Vos ofereço a adorável Face do
Vosso Filho muito amado pela honra e glória do Vosso Nome, pela conversão dos
pecadores e pela salvação dos moribundos”.
O venerável Leo Dupont, amigo da Irmã Marie, espalhou a
devoção à sagrada face de Jesus em França, onde começaram a ocorrer curas
milagrosas, atribuídas à sagrada face. O Papa Leão XIII aprovou a devoção, estabelecendo
a Arquiconfraria da Reparação à Sagrada Face de Jesus, para que católicos em todo
o mundo pudessem participar. Entre os mais entusiastas em França encontrava-se
a família Martin, cuja filha, quando entrou para o Carmelo, adotou o nome Thérèse
do Menino Jesus e da Sagrada Face.
A jovem santa compôs a sua própria belíssima oração à
sagrada face de Jesus, cujo início se aplica muito bem aos nossos tempos. “Ó Jesus
… eu adoro a Vossa Divina Face sobre a qual resplandecem a beleza e ternura da
Divindade e que agora se tornou para mim como a face de um ‘leproso’. Mas sob
estes traços desfigurados reconheço o Vosso infinito amor.”
A sagrada face de Jesus é o ponto perfeito de meditação
para uma nação cuja realidade sanitária e civil está numa encruzilhada. A nossa
oração universal agora, contudo, vinda da profundeza da nossa alma, é simples:
Livrai-nos do mal. O único que o pode fazer passa irreconhecível, mascarado
pelos crescentes pecados de todo o género. Só se escutarmos o seu pedido de fazermos
reparação pelos nossos pecados e pelos que o desonram é que Ele nos reparará. E
só quando nós formos reparados é que a vida social e civil terá qualquer
possibilidade de ser reparada.
A Verónica não tinha qualquer cargo ou poder. Mas o seu
gesto de compaixão aparentemente ínfimo para com a sagrada face do Senhor
continua a ter impacto nos nossos dias, ao contrário das decisões políticas do
seu tempo. Enquanto contemplamos a sagrada face, recordemo-nos de que a única
forma de ultrapassar a alienação actual é através de um maior amor a Deus.
David G. Bonagura, Jr. leciona no Seminário de São José,
em Nova Iorque. É autor de Steadfast in Faith: Catholicism and the Challengesof Secularism,
que será lançado no próximo inverno pela Cluny Media.
(Publicado pela primeira vez na quarta-feira, 8 de julho
de 2020 no The Catholic Thing)
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