Wednesday 15 April 2020

Ao Terceiro Dia: uma Fantasia

Brad Miner
Quando o escriba informou Pôncio Pilatos de que Tito queria falar com ele, percebeu que algo estava mal. O prefeito da Judeia tinha enviado Tito, o seu melhor oficial, fazer o que seria sem dúvida a tarefa mais simples de toda a carreira de um dos melhores soldados de Roma. Porque é que tinha voltado cedo?

Tito era um homem velho – pelos padrões da Legião – mas ainda assim era duas vezes melhor guerreiro do que homens com metade da sua idade, e o mais fiável de todos.

Mas aqui estava ele, depois de ter abandonado o seu posto. Porquê?

Tito entrou na sala, batendo com o punho direito contra o peito: “Prefeito!”

Pilatos olhou de trás de uma secretária cheia de despachos. Fixou os olhos do militar e franziu. Depois olhou de volta para os seus papeis e perguntou:

“Porque é que está aqui, sargento?”

Tito sabia que o prefeito estava mais irritado do que zangado. Por enquanto.

“Prefeito, o sepulcro abriu-se e o homem, Jesus, desapareceu.”

O escriba estava à direita de Pilatos. Tinha estado a escrevinhar as mensagens que o prefeito ditava. À entrada do quarto – por onde Tito acabara de entrar – estavam dois guardas em sentido.

Empurrou a cadeira para trás e levantou-se. Os seus olhos cruzaram-se com os do escriba.

“Saia”, disse Pilatos, acenando também aos guardas para o seguir. Fecharam a porta atrás deles.

De repente Pilatos sentiu-se muito cansado. Levantou-se e deu a volta à secretária, encostando-se a ela, e cruzou os braços.

 “Explica-te”

Tito olhou em frente e, como sempre, contou a verdade.

“Prefeito, deu-se uma explosão silenciosa. Só consigo descrever como se fosse uma rajada a abrir uma porta. Não ouvimos nada, mas sentimos o ar projectado, que nos lançou por terra. Tapei os olhos com as mãos mas… Havia uma luz brilhante toda a volta. Cerrei os olhos e obriguei-me a olhar para cima, no meio da luz estava a figura de um homem. A luz vinha dele. Depois houve outra rajada, ou explosão, e a luz desapareceu. Só se via a luz da aurora, como antes. E silêncio prefeito: nem passarinhos, nem grilos, mas ouvia a minha própria respiração e a dos meus homens. O homem tinha desaparecido. Levantei-me e vi que a pedra já não cobria a entrada do sepulcro. Então entrei e vi a coisa mais estranha –”

Pilatos quase que se riu. O que é que poderia ser mais estranho do que Tito já tinha dito?

“ – lá dentro”, disse Tito, “onde o corpo tinha repousado, vi a mortalha cuidadosamente dobrada e colocada de lado”.

Pilatos reparou que enquanto falava, a voz de Tito não tinha aquela calma clínica que costumava ter quando fazia os seus relatórios em Cesareia ou em Jerusalém. Era porque o velho – já tinha cinquenta anos – já tinha estado em todo o lado e lutado contra todos e visto tudo que Pilatos o tinha trazido com ele para a Judeia. Se alguém podia ajudar a lidar com os israelitas, raciocinou Pilatos, era Tito.

“E quem é que dirias que era o homem na luz?”

“Jesús de Nazaré.”

Pôncio Pilates
Pilatos sabia que o Galileu tinha dito que isto iria acontecer. Era por isso que os sacerdotes do Templo tinham pedinchado um destacamento de soldados romanos para guardar o sepulcro. Na altura tinha estado demasiado cansado para insistir, como deveria ter feito, que esse era um assunto deles e não do Pretório. Gostaria de ter dito: Eu matei um inocente por vocês; tratem vocês de guardar o seu sepulcro. Mas tinha parecido mais fácil aceder. E então enviou o seu melhor homem para supervisionar os turnos durante os três dias.

Partiu do princípio que isso seria o fim da história, porque homens crucificados não se levantam e põem-se a andar.

Por isso é que era tão perturbador ouvir uma testemunha de confiança dizer que Jesus – um homem como qualquer outro, que tinha, na verdade, sangrado e sofrido e morrido como qualquer outro – estava de novo vivo.

“Então a crucifixão falhou.”

“Não, Prefeito.”

“Então tu e os teus homens embebedaram-se e adormeceram em serviço –”

“– Prefeito, não! Eu tinha acabado de regressar com o turno da manhã. Estávamos todos acordadíssimos!”

Se fosse qualquer outro a dizê-lo, que não Tito, Pilatos tê-lo-ia mandado prender imediatamente. Olharam um para o outro.

“Os teus homens estão por perto?

“Lá fora.”

Pilatos olhou-o diretamente nos olhos. É tudo verdade, pensou. Agora o que é que dizemos aos anciãos do Templo?

Para a surpresa de Tito, o prefeito ordenou-o a ir imediatamente ao Templo para dar conta da situação aos sacerdotes: “Exatamente como me contaste a mim, mas sem dizer que estiveste aqui primeiro”, disse.

Então Tito saiu e levou os seus homens. Ficou admirado quando eles lhes deram dinheiro para se manterem calados sobre o que tinham visto. Muito dinheiro, prata suficiente para comprar o silêncio de uma dúzia de homens.

“Digam”, disse o Sumo Sacerdote, “que os seus discípulos vieram durante a noite e roubaram o seu corpo enquanto vocês dormiam”.

Perante o olhar zangado dos soldados romanos (que sabiam bem o castigo que enfrentariam por tamanha negligência), os sacerdotes acrescentaram logo:

“Se isto chegar ao governador nós damos-lhe uma explicação que vos livre de problemas.”

Tito queria rir-se na cara dele, mas pegou nas moedas e dividiu-as igualmente entre os soldados satisfeitos. Não ficou com nada para ele.

O Prefeito da Judeia sorriu quando ouviu as novidades.

“Então eles também acreditam?”

Tito respondeu: “Talvez partam do princípio que nós retirámos o corpo… ou simplesmente queiram acabar com um boato.”

“Era escusado. Em breve tudo isto será esquecido”, disse Pilatos.

Tito saiu pelas portas altas. Não sabia em que é que o Prefeito acreditava verdadeiramente, mas sabia que ele, certamente, nunca se iria esquecer.


(Publicado pela primeira vez na segunda-feira, 15 de Abril de 2020 em The Catholic Thing)

Brad Miner é editor chefe de The Catholic Thing, investigador sénior da Faith & Reason Institute e faz parte da administração da Ajuda à Igreja que Sofre, nos Estados Unidos. É autor de seis livros e antigo editor literário do National Review.

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