Brad Miner |
Quando o escriba informou Pôncio Pilatos de que Tito
queria falar com ele, percebeu que algo estava mal. O prefeito da Judeia tinha enviado
Tito, o seu melhor oficial, fazer o que seria sem dúvida a tarefa mais simples
de toda a carreira de um dos melhores soldados de Roma. Porque é que tinha voltado
cedo?
Tito era um homem velho – pelos padrões da Legião – mas ainda
assim era duas vezes melhor guerreiro do que homens com metade da sua idade, e
o mais fiável de todos.
Mas aqui estava ele, depois de ter abandonado o seu
posto. Porquê?
Tito entrou na sala, batendo com o punho direito contra o
peito: “Prefeito!”
Pilatos olhou de trás de uma secretária cheia de despachos.
Fixou os olhos do militar e franziu. Depois olhou de volta para os seus papeis
e perguntou:
“Porque é que está aqui, sargento?”
Tito sabia que o prefeito estava mais irritado do que
zangado. Por enquanto.
“Prefeito, o sepulcro abriu-se e o homem, Jesus,
desapareceu.”
O escriba estava à direita de Pilatos. Tinha estado a escrevinhar
as mensagens que o prefeito ditava. À entrada do quarto – por onde Tito acabara
de entrar – estavam dois guardas em sentido.
Empurrou a cadeira para trás e levantou-se. Os seus olhos
cruzaram-se com os do escriba.
“Saia”, disse Pilatos, acenando também aos guardas para o
seguir. Fecharam a porta atrás deles.
De repente Pilatos sentiu-se muito cansado. Levantou-se e
deu a volta à secretária, encostando-se a ela, e cruzou os braços.
“Explica-te”
Tito olhou em frente e, como sempre, contou a verdade.
“Prefeito, deu-se uma explosão silenciosa. Só consigo
descrever como se fosse uma rajada a abrir uma porta. Não ouvimos nada, mas
sentimos o ar projectado, que nos lançou por terra. Tapei os olhos com as mãos
mas… Havia uma luz brilhante toda a volta. Cerrei os olhos e obriguei-me a
olhar para cima, no meio da luz estava a figura de um homem. A luz vinha dele.
Depois houve outra rajada, ou explosão, e a luz desapareceu. Só se via a luz da
aurora, como antes. E silêncio prefeito: nem passarinhos, nem grilos, mas ouvia
a minha própria respiração e a dos meus homens. O homem tinha desaparecido.
Levantei-me e vi que a pedra já não cobria a entrada do sepulcro. Então entrei
e vi a coisa mais estranha –”
Pilatos quase que se riu. O que é que poderia ser mais
estranho do que Tito já tinha dito?
“ – lá dentro”, disse Tito, “onde o corpo tinha repousado,
vi a mortalha cuidadosamente dobrada e colocada de lado”.
Pilatos reparou que enquanto falava, a voz de Tito não
tinha aquela calma clínica que costumava ter quando fazia os seus relatórios em
Cesareia ou em Jerusalém. Era porque o velho – já tinha cinquenta anos – já
tinha estado em todo o lado e lutado contra todos e visto tudo que Pilatos o
tinha trazido com ele para a Judeia. Se alguém podia ajudar a lidar com os
israelitas, raciocinou Pilatos, era Tito.
“E quem é que dirias que era o homem na luz?”
“Jesús de
Nazaré.”
Pôncio Pilates |
Pilatos sabia que o Galileu tinha dito que isto iria
acontecer. Era por isso que os sacerdotes do Templo tinham pedinchado um destacamento
de soldados romanos para guardar o sepulcro. Na altura tinha estado demasiado
cansado para insistir, como deveria ter feito, que esse era um assunto deles e
não do Pretório. Gostaria de ter dito: Eu matei um inocente por vocês; tratem
vocês de guardar o seu sepulcro. Mas tinha parecido mais fácil aceder. E então
enviou o seu melhor homem para supervisionar os turnos durante os três dias.
Partiu do princípio que isso seria o fim da história,
porque homens crucificados não se levantam e põem-se a andar.
Por isso é que era tão perturbador ouvir uma testemunha
de confiança dizer que Jesus – um homem como qualquer outro, que tinha, na verdade,
sangrado e sofrido e morrido como qualquer outro – estava de novo vivo.
“Então a crucifixão falhou.”
“Não, Prefeito.”
“Então tu e os teus homens embebedaram-se e adormeceram
em serviço –”
“– Prefeito,
não! Eu tinha acabado de regressar com o turno da manhã. Estávamos todos acordadíssimos!”
Se fosse qualquer outro a dizê-lo, que não Tito, Pilatos
tê-lo-ia mandado prender imediatamente. Olharam um para o outro.
“Os teus homens estão por perto?
“Lá fora.”
Pilatos olhou-o diretamente nos olhos. É tudo verdade,
pensou. Agora o que é que dizemos aos anciãos do Templo?
Para a surpresa de Tito, o prefeito ordenou-o a ir
imediatamente ao Templo para dar conta da situação aos sacerdotes: “Exatamente
como me contaste a mim, mas sem dizer que estiveste aqui primeiro”, disse.
Então Tito saiu e levou os seus homens. Ficou admirado
quando eles lhes deram dinheiro para se manterem calados sobre o que tinham
visto. Muito dinheiro, prata suficiente para comprar o silêncio de uma dúzia de
homens.
“Digam”, disse o Sumo Sacerdote, “que os seus discípulos
vieram durante a noite e roubaram o seu corpo enquanto vocês dormiam”.
Perante o olhar zangado dos soldados romanos (que sabiam
bem o castigo que enfrentariam por tamanha negligência), os sacerdotes
acrescentaram logo:
“Se isto chegar ao governador nós damos-lhe uma
explicação que vos livre de problemas.”
Tito queria rir-se na cara dele, mas pegou nas moedas e
dividiu-as igualmente entre os soldados satisfeitos. Não ficou com nada para
ele.
O Prefeito da Judeia sorriu quando ouviu as novidades.
“Então
eles também acreditam?”
Tito respondeu: “Talvez partam do princípio que nós retirámos
o corpo… ou simplesmente queiram acabar com um boato.”
“Era escusado. Em breve tudo isto será esquecido”, disse Pilatos.
Tito saiu pelas portas altas. Não sabia em que é que o
Prefeito acreditava verdadeiramente, mas sabia que ele, certamente, nunca se
iria esquecer.
(Publicado pela primeira vez na segunda-feira, 15 de Abril
de 2020 em The Catholic Thing)
Brad Miner é editor chefe de The
Catholic Thing, investigador sénior da Faith & Reason Institute e faz
parte da administração da Ajuda à Igreja que Sofre, nos Estados Unidos. É autor
de seis livros e antigo editor literário do National Review.
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