Pe. Gerald E. Murray |
Este dom da vida eterna é dada à pessoa como
um todo, corpo e alma. Quem for salvo viverá para sempre com Deus até à
segunda vinda de Cristo para julgar os vivos e os mortos. As almas daqueles que
morreram na graça de Deus aguardam no Céu ou no Purgatório a ressurreição dos seus corpos.
As almas dos condenados também aguardam a ressurreição dos seus corpos, mas no Inferno.
Quando Cristo regressar, os corpos de todos os
homens, mulheres e crianças que alguma vez viveram serão reunidos às suas almas.
Os justos manter-se-ão eternamente unidos a Deus, em corpo e alma, no Céu e os
condenados serão eternamente separados, corpo e alma, de Deus, no Inferno.
A doutrina da ressurreição dos corpos no dia
do Juízo Final raramente é compreendida ou apreciada pelos crentes. Concentramo-nos
sobretudo naquilo que acontece à alma quando morremos. Rezamos pelas almas dos fiéis
defuntos, “que descansem em paz”, mas bem poderíamos acrescentar “e que
ressuscitem em glória dos seus sepulcros”.
Talvez tenham visto as imagens dos restos
mortais das vítimas do coronavírus aqui em Nova Iorque a serem sepultados em
massa em Potters Field, na Ilha de Hart, ao largo do Bronx. As filas de caixões,
enterrados juntos numa longa vala, são uma imagem marcante de morte, mas também
de esperança.
Tratamos dos corpos daqueles que não são
reivindicados por ninguém com dignidade e respeito. Esta é uma manifestação
social da herança judaico-cristã que trata com reverência os restos mortais da
mais alta criação de Deus sobre a terra. O homem, feito do pó da terra, é
devolvido à mesma terra no final da sua peregrinação terrena. O seu corpo tornar-se-á
pó novamente, mas Cristo ensinou-nos que esta não é a palavra final. Esses
corpos são dele, por Ele aguardam, e devem ser sepultados num lugar condigno.
A visão inerente à prática de sepultar os
mortos era, até há poucos anos, universalmente apreciada e aceite pelos
católicos, reforçada pelo requisito eclesial de sepultar os batizados em terra
consagrada, sempre que possível, e pela proibição da cremação, uma prática
estranha à fé cristã.
É providencial,
por isso, que o livro mais recente de Scott Hahn, “Hope to Die: The ChristianMeaning of Death and the Ressurrection of the Body”, escrito em coautoria com
Emily Stimpson Chapman, tenha aparecido durante esta pandemia de coronavírus. Hahn escreve de forma eloquente sobre a realidade da morte e a
natureza da vida celeste, e como teremos a bênção de aprender o sentido de tudo
quando, e se, atingirmos a Visão Beatífica.
Mas não se trata apenas de uma experiência “espiritual”.
“Deus ressuscitará os mortos – não apenas espiritualmente, mas fisicamente. Afinal
de contas, se a ressurreição fosse apenas espiritual, então seria indiferente o
que fazemos aos corpos depois da morte. Mas havendo uma ressurreição física, os
corpos interessam. O que acontece aos corpos interessa. Como sepultamos os
corpos interessa”.
Scott Hahn |
Durante os meus 35 anos de sacerdócio assisti
à rápida disseminação da cremação entre os católicos. Sempre foi uma coisa que
me preocupou, mas aceito que São Paulo VI autorizou a prática, anteriormente
proibida, em 1963. Como escreve Hahn: “Para a maioria dos cristãos, durante quase dois milénios, era impensável que se optasse por destruir
totalmente corpos destinados à glória e já tocados pela graça… Desde os
primeiros tempos, os cristãos sepultavam os seus mortos, como Cristo havia sido
sepultado”.
O Cristianismo desenvolveu uma cultura em que se
visitam as campas dos mortos e os ossos dos santos são venerados como
relíquias. Deus, que fez os nossos corpos, nunca nos mandou queimar os restos
mortais dos falecidos. Ao enterrar os mortos na terra estamos a confiar o seu
corpo a Deus, tal como confiamos a sua alma, que temporariamente o abandonou.
Hahn recorda-nos de uma coisa que muitos
tendem a esquecer, ou nunca souberam. “A Igreja não aprova a cremação;
permite-a. Não permite que se espalhem as cinzas ou que sejam guardadas em
casa; proíbe-o. Considera que a sepultura é a forma mais digna de cuidar dos
corpos dos mortos até que regressam no dia do Juízo Final e encoraja-nos a
seguir essa recomendação.”
Porquê esta renitência em relação à cremação?
Hahn analisa o significado da cremação, por oposição ao enterro, independentemente
das intenções subjetivas de quem a pede: “A cremação diz coisas sobre o corpo
que são diretamente contrárias ao que a Igreja professa. Ensina que o corpo é
descartável. Ensina que o corpo não é uma parte integral da pessoa e ensina que
o corpo não tem valor depois de a alma partir, que já deu tudo o que tinha a
dar e que mais nada lhe espera. Nem ressurreição, nem transformação nem
glorificação”.
Claro que a maioria dos católicos que manda
cremar os seus familiares não o faz por negar a ressurreição do corpo no Juízo
Final. Mas a forma como tratamos os nossos mortos devia refletir a nossa
esperança na ressurreição da carne. É evidente que Deus também ressuscitará as
cinzas daqueles que foram cremados, unindo-as às suas almas. Não podemos mudar
ou frustrar os planos de Deus para a humanidade. Mas temos de perguntar porque haveríamos
de obliterar pelo fogo os corpos de mortos que foram santificados no baptismo?
A cremação é, na sua essência, um costume
pagão. Os cristãos devem evitá-la e honrar a Deus, honrando, através de um
enterro reverente, os restos mortais dos filhos de Deus que partiram antes de
nós, na expectativa daquele grande reencontro da humanidade, corpos e almas
unidos de novo, no Juízo Final.
O padre Gerald E. Murray, J.C.D. é pastor da Holy Family
Church, em Nova Iorque, e especializado em direito canónico.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing no Domingo, 19 de Abril de 2020)
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