Wednesday 28 November 2018

Progresso ou Falhanço Repetido?

Randall Smith
Entre os Padres da Igreja havia duas tradições sobre o Antigo Testamento. Uma via o Antigo Testamento como uma progressiva educação da humanidade por parte de um Deus providente e sábio, com o objectivo de elevá-la, passo-a-passo, e prepará-la para a revelação final de Deus em Cristo. Sob esta perspectiva, “a humanidade não aguenta demasiada realidade”, por isso Deus tinha de preparar os homens pouco a pouco para estarem prontos para a revelação final do Verbo incarnado.

O teólogo Eusébio escreveu, no quarto Século, que “a raça humana, nos tempos antigos, não estava ainda capaz de receber os ensinamentos de Cristo, a perfeição do conhecimento e da virtude”. Era necessário primeiro que as “sementes da religião” fossem semeadas pelo mundo até que “todas as nações da terra estivessem prontas a conceber a ideia do Pai que lhes ia ser revelada”. Só então é que o Verbo apareceu em pessoa.

Mas outra tradição sugere que o Antigo Testamento não passou de uma série de falhanços. Santo Agostinho pergunta: “Há dúvidas de que é por isto que a lei foi dada, para que o homem se encontrasse? E por isso ele se encontrou; encontrou-se imerso no mal”. Entregue a si próprio, o homem “teve de se submeter a uma longa e variada experiência da sua própria malvadez, e descer às profundezas para reconhecer melhor que precisava de um salvador”. De igual modo o autor da Carta a Diogneto confessa que “Ele antes nos convenceu da impotência da nossa natureza para ter a vida; agora mostra-nos o Salvador capaz de salvar até mesmo o impossível”.

Na obra de São Tomás Aquino encontram-se ambas as tradições, tal como ambas se encontram nas Epístolas de São Paulo. Por um lado, diz São Tomás, a lei era uma pedagogia, um mestre ou tutor, que nos ensinava, protegia e preparava para a vinda de Cristo (ver Gal. 3,24). Por outro lado, a lei também revelou a nossa impotência porque mesmo quando, orientados pela lei, sabemos o que devemos fazer, não somos capazes de o fazer. A lei era incapaz de nos tornar bons e revelou a nossa impotência, aumentando assim em nós o desejo por um Salvador e o dom da graça de Deus (ver Rom. 7, 8)

Então como é que ficamos? O Antigo Testamento é uma história de progresso, ou de repetidos falhanços?

As duas coisas. O Antigo Testamento é a história da aliança de Deus com o seu povo. O povo, pela sua parte, falhou repetidamente no cumprimento da aliança e afastou-se. E, porém, apesar das infidelidades, Deus permaneceu sempre fiel. Os castigos existiram apenas para exaltar o povo.

Depois de 40 anos no deserto, que foi quer um castigo quer uma preparação, Ele introduz o povo na Terra Prometida. Subsequentemente, por causa das suas repetidas infidelidades, envia-o para o exílio na Babilónia, outro castigo e outra preparação. Então trouxe-o de volta da Terra Prometida para construir o Templo e preparar a vinda do Messias.

Por entre os triunfos e as derrotas, as quedas e as elevações, Deus, na sua providência de amor, está sempre a conduzir o seu povo rumo a uma união mais completa e uma comunhão mais profunda com Ele. A história judaico-cristã não é o antigo “mito do eterno retorno”. Não estamos condenados a repetir o mesmo ciclo sem sentido para toda a eternidade. Somos um povo peregrino e, embora possamos cometer os mesmos erros vezes e vezes sem conta, Deus está a dirigir-nos de volta para si.

Eusébio de Cesareia
Estas duas abordagens ao Antigo Testamento não têm algo de importante para nos ensinar? Talvez possamos ver a providência de Deus em acção, inspirando os pais e os doutores da Igreja, ensinando-nos a evitar dois erros contrários: imaginar que a história é de contínuo “progresso”, por um lado, ou que é apenas uma série de ciclos sem sentido, e sem rumo, por outro.

Confessamos repetidamente muitos dos mesmos pecados, na esperança de conseguir fazer melhor, apenas para voltar a confessá-los mais tarde. Estaremos a conseguir algum progresso?

Orgulhámo-nos tanto do Papa São João Paulo, o Grande e de Bento XVI. Parecia uma “nova primavera” para a Igreja. Contudo, a isso seguiu-se uma “longa Quaresma” de McCarricks e companhia, levando as pessoas a perguntar se as coisas alguma vez estiveram tão más (resposta: Sim, mas não é um concurso) e será que a Igreja está acabada? (resposta: não, mas só por causa do Espírito Santo).

A verdade é que progredimos. Podemos esperar que o Espírito Santo nos mude verdadeiramente. Mas devemos contar com regressões. Precisaremos de nos levantar e começar de novo, uma e outra vez.

Durante o Século XX foi feito um trabalho teológico fantástico, e tivemos alguns dos melhores Papas da história. A nossa compreensão de quem Deus é e da missão a que nos chama avançou de forma maravilhosa desde os tempos do Concílio de Niceia, em 325 até ao Concílio Vaticano II. Isto sim é progresso. E, porém, continuamos a cometer erros, por vezes piores que os do passado.

Se tem havido progresso, e tem, então é de Deus e não nosso. Nós, juntamente com São Paulo, devemos admitir a nossa impotência e voltar-nos para Ele para obter a salvação que sabemos que não podemos alcançar para nós mesmos. Estamos aqui, nas palavras de T.S. Eliot, para “ajoelhar onde a oração já teve valor”.

E o que há para conquistar,
Por força e obediência, já antes foi descoberto
Uma vez ou duas, ou várias vezes, por homens que não podemos ter esperança
De emular — mas não se trata de competição —
Trata-se apenas da luta para recuperar o que se perdeu
E achou e perdeu outra e outra vez: e agora, sob condições
Que parecem desfavoráveis. Mas talvez nem ganho nem perda.
Para nós, há apenas a tentativa. O resto não é connosco.
(Tradução de Gualter Cunha – Relógio d’Água)


Randall Smith é professor de teologia na Universidade de St. Thomas, Houston.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing no domingo, 25 de Novembro de 2018)

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