Randall Smith |
O teólogo Eusébio escreveu, no quarto Século, que “a raça
humana, nos tempos antigos, não estava ainda capaz de receber os ensinamentos
de Cristo, a perfeição do conhecimento e da virtude”. Era necessário primeiro
que as “sementes da religião” fossem semeadas pelo mundo até que “todas as
nações da terra estivessem prontas a conceber a ideia do Pai que lhes ia ser
revelada”. Só então é que o Verbo apareceu em pessoa.
Mas outra tradição sugere que o Antigo Testamento não
passou de uma série de falhanços. Santo Agostinho pergunta: “Há dúvidas de que
é por isto que a lei foi dada, para que o homem se encontrasse? E por isso ele
se encontrou; encontrou-se imerso no mal”. Entregue a si próprio, o homem “teve
de se submeter a uma longa e variada experiência da sua própria malvadez, e
descer às profundezas para reconhecer melhor que precisava de um salvador”. De
igual modo o autor da Carta a Diogneto confessa que “Ele antes nos convenceu da
impotência da nossa natureza para ter a vida; agora mostra-nos o Salvador capaz
de salvar até mesmo o impossível”.
Na obra de São Tomás Aquino encontram-se ambas as tradições,
tal como ambas se encontram nas Epístolas de São Paulo. Por um lado, diz São
Tomás, a lei era uma pedagogia, um mestre ou tutor, que nos ensinava, protegia
e preparava para a vinda de Cristo (ver Gal. 3,24). Por outro lado, a lei
também revelou a nossa impotência porque mesmo quando, orientados pela lei,
sabemos o que devemos fazer, não somos capazes de o fazer. A lei era incapaz de
nos tornar bons e revelou a nossa impotência, aumentando assim em nós o desejo
por um Salvador e o dom da graça de Deus (ver Rom. 7, 8)
Então como é que ficamos? O Antigo Testamento é uma
história de progresso, ou de repetidos falhanços?
As duas coisas. O Antigo Testamento é a história da
aliança de Deus com o seu povo. O povo, pela sua parte, falhou repetidamente no
cumprimento da aliança e afastou-se. E, porém, apesar das infidelidades, Deus
permaneceu sempre fiel. Os castigos existiram apenas para exaltar o povo.
Depois de 40 anos no deserto, que foi quer um castigo
quer uma preparação, Ele introduz o povo na Terra Prometida. Subsequentemente,
por causa das suas repetidas infidelidades, envia-o para o exílio na Babilónia,
outro castigo e outra preparação. Então trouxe-o de volta da Terra Prometida
para construir o Templo e preparar a vinda do Messias.
Por entre os triunfos e as derrotas, as quedas e as
elevações, Deus, na sua providência de amor, está sempre a conduzir o seu povo
rumo a uma união mais completa e uma comunhão mais profunda com Ele. A história
judaico-cristã não é o antigo “mito do eterno retorno”. Não estamos condenados
a repetir o mesmo ciclo sem sentido para toda a eternidade. Somos um povo
peregrino e, embora possamos cometer os mesmos erros vezes e vezes sem conta,
Deus está a dirigir-nos de volta para si.
Eusébio de Cesareia |
Confessamos repetidamente muitos dos mesmos pecados, na
esperança de conseguir fazer melhor, apenas para voltar a confessá-los mais
tarde. Estaremos a conseguir algum progresso?
Orgulhámo-nos tanto do Papa São João Paulo, o Grande e de
Bento XVI. Parecia uma “nova primavera” para a Igreja. Contudo, a isso
seguiu-se uma “longa Quaresma” de McCarricks e companhia, levando as pessoas a
perguntar se as coisas alguma vez estiveram tão más (resposta: Sim, mas não é
um concurso) e será que a Igreja está acabada? (resposta: não, mas só por causa
do Espírito Santo).
A verdade é que progredimos. Podemos esperar que o
Espírito Santo nos mude verdadeiramente. Mas devemos contar com regressões.
Precisaremos de nos levantar e começar de novo, uma e outra vez.
Durante o Século XX foi feito um trabalho teológico
fantástico, e tivemos alguns dos melhores Papas da história. A nossa
compreensão de quem Deus é e da missão a que nos chama avançou de forma
maravilhosa desde os tempos do Concílio de Niceia, em 325 até ao Concílio
Vaticano II. Isto sim é progresso. E, porém, continuamos a cometer erros, por
vezes piores que os do passado.
Se tem havido progresso, e tem, então é de Deus e não
nosso. Nós, juntamente com São Paulo, devemos admitir a nossa impotência e
voltar-nos para Ele para obter a salvação que sabemos que não podemos alcançar para
nós mesmos. Estamos aqui, nas palavras de T.S. Eliot, para “ajoelhar onde a
oração já teve valor”.
E o que há para conquistar,
Por força e obediência, já antes foi descoberto
Uma vez ou duas, ou várias vezes, por homens que não
podemos ter esperança
De emular — mas não se trata de competição —
Trata-se apenas da luta para recuperar o que se perdeu
E achou e perdeu outra e outra vez: e agora, sob
condições
Que parecem desfavoráveis. Mas talvez nem ganho nem
perda.
Para nós, há apenas a tentativa. O resto não é connosco.
(Tradução de Gualter Cunha – Relógio d’Água)
Randall Smith é professor de teologia na Universidade de St. Thomas,
Houston.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing no domingo, 25 de Novembro de 2018)
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