Michael Pakaluk |
É costume, hoje, (ainda que em tempos tenha sido mais), ouvir
os não-cristãos a admitir pelo menos que Jesus foi “um grande mestre moral”.
Este ponto de vista já foi bastante bem demolido por C.S. Lewis e por Peter
Kreeft: Jesus ensinou que era o Filho de Deus, que podia perdoar os pecados, e
que a nossa salvação dependia dele. Mas se não forem verdade, então estas
afirmações apontam mais no sentido da demência. Logo, Jesus ou era Deus ou era
um homem mau. Não há alternativa. E em nenhum dos casos ele pode ser descrito
simplesmente como “um grande mestre moral”. Os Padres da Igreja já tinham
argumentado no mesmo sentido: aut Deus
aut homo malus.
Daí que a ideia de que Jesus é um “grande mestre moral”
não tenha fundamento. Se é grande, devemos acreditar nos seus ensinamentos,
incluindo a de que é Deus; se, todavia, os seus ensinamentos são falsos, então
não pode ser grande. Infelizmente, contudo, este tipo de argumentação não
aponta para a verdade. Só por si é tão provável que leve alguém a rejeitar
Jesus como aceitá-lo.
Mas aquilo que transparece do Evangelho de Marcos é um
“argumento” mais forte e convincente, talvez aquele que mais falta faz nos
nossos dias. Não é que Jesus não seja simplesmente um mestre moral – é antes
que o Jesus que lá nos é apresentado nem sequer é um “mestre moral”! Mais
simplesmente, mais do que ensinar alguma coisa, ele proclama, e o que ele
proclama é a incursão do “Reino de Deus” nas possessões do demónio.
Aquilo que está em causa no Evangelho de Marcos não é
tanto o género de conselhos sobre como conduzir a vida, mas o facto de estarmos
perante a chegada de uma autoridade espiritual capaz de banir e subjugar o
demónio.
Dito isto, sim, é verdade que alguns especialistas
tendenciosos têm disputado estas conclusões: também é verdade que os ensinamentos
da Igreja ao longo dos séculos continuam a ser a única forma sã de interpretar
as escrituras. Mas continua a ser verdade que Marcos oferece uma correção
impressionante de alguns dos nossos preconceitos, como por exemplo o à vontade
com que lidamos com o pecado e os actos pecaminosos.
O primeiro milagre de Jesus em Marcos (capítulo 1) é um
exorcismo: “Que tens tu a ver connosco, Jesus de Nazaré”, grita o demónio,
“vistes destruir-nos? Eu sei quem és, o Santo de Deus”. Logo desde o inicio
aquilo a que as pessoas se referem quando falam no “seu ensinamento” é o seu poder
sobre o demónio. “Que é isto?”, perguntam, “um novo ensinamento! Com autoridade
ele comanda até os espíritos impuros, e estes obedecem-lhe” (1,27).
Quando Jesus nomeia os doze como seus apóstolos, envia-os
para ensinar, dando-lhes “autoridade para expulsar demónios” (3,15). O facto de
Jesus possuir este poder é, aos olhos dos seus inimigos, a sua principal
característica: “é pelo príncipe dos demónios que ele expulsa os demónios”, dizem,
reconhecendo o facto.
Quando ele começa a ensinar (capítulo 4), fala apenas em
parábolas sobre a incursão do Reino. Logo na primeira parábola refere-se a
Satanás e aos seus esforços de resistência, roubando a palavra que é semeada
(4,15). Quando começa a fazer actos de misericórdia é a cura do “endemoniado
gadareno” que recebe mais atenção, num capítulo que também inclui a cura da
hemorroísa e a ressurreição da filha de Jairo (capítulo 5). Quando envia os
doze para pregar, a sua mensagem é a do arrependimento dos homens, associado ao
facto de terem “expulso muitos demónios” (capítulo 6).
A primeira vez que lida com os pagãos, sinal de que o
Evangelho está a ser pregado às nações, é quando exorciza a filha da mulher
sirofenícia (capítulo 7). A sua famosa repreensão a Pedro mostra o que achava
da oposição ao Reino: “Vá de retro, Satanás!” (capítulo 8). Quando se procura
saber se certa pessoa está com ele ou contra ele, a prova dos nove é saber se
expulsa demónios em nome de Jesus (11, 38-41).
Só no décimo capítulo é que encontramos algum traço do
“ensinamento moral”. Nem de propósito, tendo em conta os nossos tempos, diz
respeito à indissolubilidade do casamento e o acolhimento das crianças. Depois
disso, o Evangelho de Marcos dedica-se aos eventos da Semana Santa.
Mas devemos enfrentar este contraste. Muitos de nós
rezamos a oração de São Miguel depois da missa. O Santo Padre refere-se várias
vezes ao demónio, que claramente trata como uma realidade.
Contudo, em geral a “cultura” da fé em que estamos imersos
é muito diferente da de Marcos. Perdemos o sentido de luta contra o demónio
como sendo parte do discipulado cristão, e que é precisamente daí que a Igreja
retira o seu poder.
Mas com a nossa atitude complacente estamos a colocar-nos
em campos opostos, não apenas a Marcos mas a todo o Cristianismo histórico.
“Pelo pecado dos primeiros pais, o Diabo adquiriu certa dominação sobre o
homem, embora este último permaneça livre (CCC 407); “E porque o Baptismo
significa a libertação do pecado e do diabo, seu instigador, pronuncia-se sobre
o candidato um ou vários exorcismos” (CCC 1237).
Então e hoje? Onde é que se meteram os demónios? Espero
que possam ser banidos da “Cristandade”. Mas as muralhas dessa civilização já
foram comprometidas – não obstante o facto de uma vida sacramental continuar a
ser a melhor maneira de se proteger. Os demónios são seres imateriais, que não
podem, por isso, ser destruídos. Diz-se que andam pelo mundo, até ao fim desta
geração. Se admitirmos que sempre existiram, então faríamos bem em partir do
princípio de que actualmente estão bem mais próximos.
Michael Pakaluk, é um académico associado a Academia
Pontifícia de São Tomás Aquino e professor da Busch School of Business and
Economics, da Catholic University of America. Vive em Hyattsville, com a sua
mulher Catherine e os seus oito filhos.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na terça-feira, 13 de Novembro de
2018)
© 2018
The Catholic Thing. Direitos reservados. Para os direitos de
reprodução contacte: info@frinstitute.org
The Catholic Thing é um fórum de opinião católica
inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus
autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o
consentimento de The Catholic Thing.
No comments:
Post a Comment