Uma das figuras mais exóticas da Marcha pela Vida este
ano em Washington, era um excêntrico entusiasmado – provavelmente pentecostal
ou fundamentalista – que carregava um grande cartaz anticatólico e gritava por
um megafone. Só apanhei um bocado do que ele dizia, mas era o habitual sobre o
facto de o Papa ser o anticristo e os católicos “adorarem Maria como uma
deusa”. Coitado. Mas uma coisa ninguém lhe tira: Debaixo da loucura ele
acredita sinceramente que as formas de liderança e o conteúdo da fé cristã são
realmente importantes. Ouvi-o a dizer a outro participante da marcha que “isto
são coisas sérias, meu!”
De facto.
Sexta-feira o “The Washington Post” brindou-nos com algo muito pouco sério. Uma difamação
ridícula do Cardeal Raymond Burke, debaixo da manchete “Como o Papa Francisco
pode Limpar a Podridão de Extrema-direita da Igreja Católica”. Assinada pela
jornalista Emma-Kate Symons, a peça tinha tanta noção da realidade e do
contexto da Igreja como o tipo do megafone. O texto arrancava assim: “O Papa
Francisco precisa de tomar medidas mais duras contra o católico americano mais
influente em Roma, o Cardeal Raymond ‘Breitbart’ Burke”.
É que a Breitbart entrevistou uma vez Burke – ainda por
cima sobre o Islão – por isso agora, segundo o “Post”, Breitbart passou a ser o
nome do meio, estão a ver?
Há pessoas que não gostam do Catolicismo ortodoxo, sempre
houve e sempre haverá. Mas esta “jornalista” não estava a lamentar-se numa
esquina ou num blogue de extrema-esquerda, mas nas páginas de um jornal que em
tempos foi moderado mas que teve uma forte viragem à esquerda desde que foi
adquirido por Jeff Bezos, da Amazon. Mas qualquer editor, seja qual for a sua
orientação ideológica, deveria ter olhado de relance para este artigo de
opinião e compreendido que não passava de uma parvoíce.
Mas o “Post” não está sozinho nesta coisa de deixar o
profissionalismo pelo caminho por uma questão de paixão política. Ainda esta
semana o “New York Times” publicou uma “notícia” de primeira página – mas que
na verdade era um ataque pessoal mal investigado – assinado por Jason Horowitz,
muito na mesma linha: “Steve Bannon Leva a sua Batalha para Outro Local Influente: O Vaticano”.
Toda a história assenta numa reunião que teve lugar em
2014 entre o Cardeal Burke e Steve Bannon, o arruaceiro da Casa Branca. Na sua
histeria contra o Presidente Trump, os media adoram caracterizar Bannon como
uma espécie de “storm trooper”. Não sou fã de Bannon ou da Breitbart, que ele
geria. (Aliás, uma vez recusei um convite para aparecer na Rádio Breitbart para
conversar com Bannon sobre católicos críticos de Trump porque sabia que ele me
ia atacar. Prometeu que não o faria, mas depois fez exactamente isso à pessoa
que compareceu, o Robert P. George.) Ainda assim, a verdade é a verdade. Do meu
ponto de vista o modus operandi de
Bannon é muitas vezes autodestrutivo, mas os media estão simplesmente a
descredibilizar-se com esta caça às bruxas no gabinete de Trump.
Mas regressemos a Burke. A história do “Post” parte dessa
reunião de 2014 e tece uma narrativa absolutamente delirante: Que Burke faz
parte de um movimento global anti-islâmico, anti-mulher, nacionalista e
pró-tudo-o-que-é-mau, que chegou ao poder com a vitória de Trump e que tem à
cabeça Steve Bannon. Mas como o nosso amigo astuto Phil Lawler fez notar, essa reunião aconteceu em 2014, ou seja quase dois anos antes de
Trump se candidatar sequer à Presidência e muito tempo antes de alguém imaginar
sequer que Bannon viesse a trabalhar para ele. Então como é que essa reunião de
há anos marca Burke de tal forma que obriga o Papa Francisco a “Limpar a
Podridão de Extrema-direita da Igreja Católica”?
Bom, Bannon também falou numa conferência patrocinada
pela Fundação Dignitatis Humanae, em Roma, em 2014. Burke faz parte da direcção
da DH. Logo, o político três vezes divorciado e o defensor incansável da
indissolubilidade matrimonial devem estar completamente alinhados, não?
E a nossa colunista intrépida ainda conseguiu descobrir
que outro cardeal da direcção da DH também assinou a carta com as Dubia sobre o
Amoris laetitia. Com isto está a insinuar, claro, que a oposição à comunhão para
divorciados recasados faz parte do pacote de “podridão de extrema-direita”.
Tal como acontece com grande parte da imprensa, o que se
está a fazer aqui é traçar uma linha imaginária entre as duas realidades que
qualquer pessoa que saiba o mínimo sobre o assunto só pode descartar. O Bannon
é, como já disse, um arruaceiro – às vezes o mundo precisa de certo tipo de arruaceiros.
Burke, por outro lado, é um homem profundamente gentil – e o mundo também precisa
destes. Quem não sabe isto não conhece o Burke. Bannon tem falado da ameaça do
Islão e do Marxismo cultural para o Ocidente e da necessidade de os combater
politicamente. Burke também – como muitos de nós – mas como devem imaginar
fê-lo por razões bastante diferentes e, sobretudo, com uma entoação muito
diferente.
Cardeal Raymond Burke |
Mas liga-se o Bannon ao Burke, sugerindo culpa por
associação, e tem-se uma verdadeira festa para a esquerda. O Cardeal já estava
nas más graças de Francisco por causa da situação da Ordem de Malta – outro assunto
confuso. Mas ainda por cima o Papa acaba de nomear um delegado pessoal para a
Ordem de Malta o que parece deixar o Cardeal Patrono sem portfolio. O artigo do
“Post” não ajuda em nada.
E depois, claro, há a questão de Burke e outros três
cardeais terem publicado as “dúbia” sobre o Amoris laetitia – perguntando não
só se agora, contrariando a história católica, é permitido dar comunhão aos
divorciados recasados, mas também se estamos perante mudanças no campo da
teologia moral em relação à consciência, normas sem excepção, mal intrínseco e
a própria teologia da Santa Eucaristia.
Até se pode acreditar que Burke e companhia erraram ao
publicar as “dubia”, que anteriormente tinham sido apresentadas privadamente ao
Papa. Ou então que Burke tem sido tratado injustamente, como tem acontecido a
outros na Curia, ao ser demitido das suas funções sem explicação. Mas é preciso
ser completamente louco para colocar no mesmo saco este cardeal de brandos
costumes e tudo o que os media acham repugnante – ou pior – na nova
Administração americana.
É mais um sinal da confusão que existe actualmente na
Igreja e no mundo.
Uma das categorias morais que tem desaparecido,
juntamente com muitas outras coisas da cultura ocidental, é a noção de
difamação. É pior do que mentir. É mentir com a intenção de causar dano. Vejam
no dicionário. E por favor, reconheçam-na quando a virem.
Robert
Royal é editor de The Catholic Thing e presidente do Faith and Reason Institute
em Washington D.C. O seu mais recente livro é A Deeper Vision: The Catholic
Intellectual Tradition in the Twentieth Century, da Ignatius Press. The God That Did Not Fail: How
Religion Built and Sustains the West está também disponível pela Encounter
Books.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na Segunda-feira, 13 de Fevereiro
de 2017)
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Depois de tantas injustiças, terá sido agora condenado a uma espécie de exílio em Guam?
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