Nancy Verhelst recorreu aos seus próprios "critérios de dignidade" |
Recentemente, num post no Facebook, José Manuel Pureza
falou do acesso à eutanásia como um “direito fundamental”. Também no manifesto
em que se pede a legalização da eutanásia diz-se que a sua criminalização “fere
os direitos fundamentais relativos às liberdades”.
Não parece haver dúvida, portanto, que os seus defensores
consideram mesmo que a eutanásia é um direito fundamental.
Em Portugal os direitos fundamentais estão enumerados na
Constituição. Naturalmente, o direito à eutanásia ou mesmo o direito a pôr fim
à própria vida não constam. Ao nível do direito internacional o Tribunal
Europeu dos Direitos do Homem tem sido claro ao dizer que não existe qualquer
direito à eutanásia nas convenções que regem estes assuntos.
Isto é só para clarificar. O que os subscritores deste
manifesto querem certamente dizer é que querem que este direito seja
reconhecido. Mas o termo não deixa de ser curioso. É que não pedem apenas o
direito à eutanásia, falam mesmo de um direito fundamental. Não fica claro se
pensam que deve existir um direito fundamental à eutanásia em si, ou se esta
deve ser incluída de forma mais geral no direito fundamental à liberdade.
Mas o problema com esta argumentação é que os direitos
fundamentais não são apenas para alguns. Não há direitos fundamentais para
homens ricos que não se aplicam a pobres; não há direitos fundamentais para
jogadores de futebol que não se aplicam a coleccionadores de selos; certamente
não existem direitos fundamentais dos quais estão excluídos os doentes e de
igual forma não pode haver direitos fundamentais que são só para doentes.
Mas essa é precisamente a proposta dos defensores da
eutanásia. Legislar um “direito fundamental” que apenas se aplica aos doentes,
uma vez que o manifesto é claro ao dizer que a eutanásia só se aplicaria a “doentes
em grande sofrimento e sem esperança de cura”.
Sejamos claros, se existe um direito fundamental a pôr
fim à própria vida, ou se a eutanásia deve estar incluída no mais geral direito
à liberdade, então tem de ser para todos. Não faz sentido ser só para alguns.
À luz do manifesto, a questão torna-se ainda mais grave,
pois fala do: “Direito a morrer em paz e de acordo com os critérios de
dignidade que cada um construiu ao longo da sua vida”.
Se a bitola são os “critérios de dignidade que cada um
construiu ao longo da sua vida”, então porque é que querem limitar a eutanásia
aos moribundos em sofrimento? E se segundo o meu critério a minha dignidade
está irremediavelmente posto em causa pelo facto de eu estar a ficar cego? E se
eu tiver sido sujeito a uma operação que correu mal e que me deixou desfigurado,
porque não hei-de poder pôr fim à minha vida? E se simplesmente estiver farto de estar vivo? Podem parecer casos parvos, e talvez fossem, não fosse o detalhe
de serem reais.
Claro que os defensores da eutanásia não querem que nós
pensemos que isto seja possível algum dia em Portugal. Mas se a eutanásia vier
a ser aprovada então é precisamente isso que vai acontecer, porque é o único
caminho que respeita a lógica da própria argumentação. É o problema de abrir a
caixa de pandora de “direitos” que não têm qualquer base na realidade.
Tudo isto parece-me uma coisa bastante evidente, e eu não
sou de Direito. Mas então porque é que os promotores deste manifesto, que são
pessoas inteligentes, não o percebem? Imagino que seja uma questão de
estratégia. Eles sabem que se definirem a eutanásia como aquilo que é, a morte
de um ser humano provocada por outro ser humano, as pessoas perceberiam
rapidamente precisamente aquilo de que estamos a falar: Homicídio.
Não, a eutanásia não é um direito fundamental, não é
sequer um direito. Pelo contrário, é um crime intolerável que leva
inevitavelmente a abusos e a situações vergonhosas, e que fere a dignidade não
só do doente como de todos os que vivem nos países em que esta monstruosidade é
tolerada.
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Muito bom!
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