Uma das entidades burocráticas mais ineptas e
secularmente militante do mundo – que também se esforça por espalhar os seus
erros pelas nações – está a enfrentar um teste e, possivelmente, uma derrota
esta semana. Na quinta-feira os eleitores do Reino Unido serão chamados a votar
num referendo sobre o “Brexit”, ou a saída do Reino Unido da União Europeia. Se
saírem, toda a UE poderá desmoronar.
Nos principais órgãos de comunicação vemos manchetes
sobre como uma saída britânica enviará ondas de choque pela economia global, ou
que equivale à insanidade económica. É como se agora fossemos todos puramente
“homo economicus” ou que a vontade de abandonar a União Europeia fosse uma
forma de histeria em massa.
A verdade é que a vontade de partir nada tem a ver com
economia e muito com soberania nacional. Pode bem ser verdade que a economia
britânica sofra depois da partida e que isso, por sua vez, tenha consequências
globais. Mas as raízes da União Europeia são muito mais profundas do que a mera
economia.
E católicas. Depois da Segunda Guerra Mundial, os líderes
cristãos-democratas assumiram a responsabilidade de resolver um problema grande
e outros mais pequenos. A revolta contra a União Europeia pode dever-se em
parte à vontade de recuperar um pouco daquilo que entretanto se perdeu.
O problema grande era a tensão entre França e a Alemanha,
que quase tinha destruído a Europa em duas guerras mundiais. Dois estadistas
católicos de renome, Robert Schuman de França (declarado “servo de Deus” por
Bento XVI e que pode estar a caminho dos altares) e Konrad Adenauer da
Alemanha, encontraram-se em segredo na Suíça ao longo de vários anos, uma vez
que ainda era publicamente impossível manter um diálogo com a Alemanha
pós-nazi. Juntos ajudaram a criar as várias instituições internacionais,
incluindo a NATO, que acabaram por levar à criação da União Europeia.
Mantinha-se uma questão ainda mais importante: Quais
seriam as bases para esta nova Europa? A resposta – dada novamente por
cristãos-democratas, entre os quais o grande tomista Jacques Maritain – era uma
visão cristã da pessoa e das sociedades humanas. Os partidos democratas-cristãos
na Alemanha e em Itália eram cruciais para impedir o avanço do comunismo na
Europa ocidental.
Teóricos mais antigos como Chesterton e Belloc sonhavam
com uma cristandade modernizada numa Europa reunificada. Esse ideal, como o
próprio movimento democrático cristão, era realizável apenas em parte para os
europeus, dado o pluralismo religioso, as diferenças políticas e a simples
descrença no continente. O objectivo, contudo, nunca foi a criação de um novo
Sacro-Império Romano, mas sim um continente que voltasse a dar corpo, de forma
geral, aos valores cristãos.
E foi isso que começou por acontecer, até que as forças
secularistas começaram a bloquear sequer as referências à herança cristã em
documentos oficiais. A União Europeia como a conhecemos começou então, lentamente,
a ganhar forma. Ao contrário dos fundadores dos EUA, os fundadores da UE não
pensaram na estrutura continental. É comum hoje em dia ouvir queixas de “défice
democrático” de uma burocracia distante, não responsabilizável, que opera sem
respeito pela subsidiariedade e os interesses nacionais.
Até há pouco tempo, a intromissão burocrática era sentida
em larga escala, mas mais como uma irritação diária do que um apelo à revolta.
Certo dia perguntei a um deputado europeu qual era a natureza do seu trabalho e
ele respondeu, não inteiramente como piada, que se certificava de que as
cenouras da União Europeia eram do tamanho regular. (Também existiu o
preservativo europeu, mas quanto menos falarmos disso, melhor).
Entre as várias histórias que surgem na antecâmara do
Brexit – juntamente com murmurações na Hungria, Grécia e outras nações – a
minha favorita é a decisão da União Europeia de que a Finlândia deve
reintroduzir 9.500 lobos às suas florestas, presumo que por razões ecológicas.
Os finlandeses reclamaram que não tinham sido tidos nem achados sobre o
assunto, e que a directiva infringe outros regulamentos europeus sobre o
direito dos povos nativos a gerir os seus territórios (na Finlândia criam renas
e têm opiniões fortes sobre lobos).
Fora da Europa, a União Europeia, tal como as elites
internacionais nas Nações Unidas e no Departamento de Estado dos EUA
[Ministério dos Negócios Estrangeiros] (pelo menos quando um certo partido
ocupa a Casa Branca), tem achado por bem impingir o aborto, controlo da
população e “direitos” homossexuais a qualquer nação sobre a qual exerce
influência. O Papa Francisco refere-se a isto, e bem, como “colonização
ideológica”. Também podemos falar em suicídio demográfico. Todas as nações da
Europa têm uma população em colapso.
Mas esta interferência burocrática poderia ter continuado
indefinidamente, não fosse a actual crise dos refugiados. Tal como aconteceu na
América, o grande número de refugiados potencialmente perigosos causou reacções
variadas. Até a Áustria, ainda a ressentir-se do passado nazi, esteve muito
próxima de eleger um Presidente de extrema-direita há pouco tempo. A Alemanha –
que o ano passado admitiu um milhão de refugiados, três quartos dos quais
jovens solteiros – está a tentar limitar o fluxo de refugiados. França, Bélgica
e Escandinávia assistiram a ataques terroristas, bem como o Reino Unido.
Um grande contingente de britânicos parece ter dito
finalmente que basta. A cenoura europeia é tolerável; mas o falhanço de lidar
com a crise de refugidos não é. A situação é certamente complexa. Coloca uma
obrigação cristã – o dever de ajudar quem precisa – contra outra: a obrigação
de proteger os inocentes de potenciais ameaças.
Os líderes dos países têm ainda outra obrigação, como
viremos a apreciar cada vez mais: a de não nos dar sermões paternalistas sobre
abertura e multiculturalismo, quando sabemos que nenhuma cultura que pretende
sobreviver pode ser infinitamente aberta e pluralista.
Tivemos, e talvez ainda tenhamos, uma oportunidade para
fazer algo no Médio Oriente e no Norte de África para tornar menos urgentes as
viagens perigosas para a Europa e outros locais. O nosso falhanço no Médio
Oriente tornou-se tão evidente que mais de cinquenta funcionários do
departamento de Estado acabam de enviar uma carta a Obama a pedir-lhe que
bombardeie a Síria. Pare um momento e registe isso. Estamos a falar de
funcionários do departamento de Estado, pessoas que encaram os seus trabalhos
como consistindo na promoção de direitos homossexuais e o aborto, pedir
desculpa pelos Estados Unidos e maçar os estrangeiros com discursos chatos.
Ninguém sabe ao certo o que acontecerá no referendo de
quinta-feira – as sondagens mostram uma ligeira vantagem para o Brexit. Mas
quer o Reino Unido opte por ficar ou partir, uma coisa é certa. Não é só aqui
nos Estados Unidos que as coisas estão a levar com um forte abanão.
Robert
Royal é editor de The Catholic Thing e presidente do Faith and Reason Institute
em Washington D.C. O seu mais recente livro é A Deeper Vision: The Catholic
Intellectual Tradition in the Twentieth Century, da Ignatius Press. The God That Did Not Fail: How
Religion Built and Sustains the West está também disponível pela Encounter
Books.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na segunda-feira, 20 de Junho de
2016)
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