Francis J. Beckwith |
Reza a história que Robert Johnson, o lendário cantor de
blues, vendeu a alma ao diabo a troco de se tornar um dos melhores guitarristas
que alguma vez pisou a terra. Foi à meia-noite, quando se encontrava numa
encruzilhada no Mississippi.
I went to the
crossroad, fell down on my knees
I went to the
crossroad, fell down on my knees
Asked the Lord
above, “Have mercy, now save poor Bob, if you please”
(“Crossroads Blues”)
Pouco tempo depois dessa alegada transacção, quando tinha
apenas 27 anos, Johnson morreu. Talvez venha daí a expressão “chegar à
encruzilhada” em referência ao momento em que se tem de escolher entre o
sucesso mundano e a integridade da alma.
Parece-me que o conservadorismo americano chegou
precisamente a uma dessas encruzilhadas, em que os seus defensores têm de
decidir se o movimento deve ser guiado por um conservadorismo ancorado nas
verdades inalteráveis da natureza humana que nos apontam na direcção do bem, da
verdade e do belo, ou se devem alinhar com o conservadorismo do mero mercado.
Este “conservadorismo de mercado” consiste na ideia de que
como o mercado livre tem sido tão eficiente a produzir riqueza e prosperidade,
permitindo-nos gozar de muitos outros bens, a lógica do mercado deve ser
aplicada a todos os aspectos da vida. Uma vez que o valor dos bens é calculado
com base no preço que as pessoas estão dispostas a pagar por eles, o valor de
todos os bens aparentes – incluindo as supracitadas inclinações da natureza
humana – não acarretam qualquer peso normativo para o conservador de mercado.
Do seu ponto de vista, longe de serem verdades básicas da
natureza humana sobre as quais depende o bem comum, estas são limites à
liberdade de cada indivíduo para poder perseguir a sua própria visão subjectiva
do que constitui uma vida boa. Por esta razão, para o conservador de mercado o
objectivo praticamente único da política é garantir o Governo limitado, isto
significa a economia de mercado livre mas também a eliminação de leis e
costumes que interfiram com a demanda do consumidor. Assim, segundo esta
narrativa, o bem comum (se é que o termo se aplica) é medido de acordo com a
libertação de amarras como a tradição, a natureza, as ligações familiares,
religião, etc. para poder adquirir o que deseja quando o deseja.
Todavia, em termos práticos, os conservadores de mercado e
os defensores da moral tradicional tem usado muitas vezes o mesmo vocabulário e
chegado a conclusões semelhantes em termos de política, embora as razões de
fundo sejam muito diferentes. Tal como o conservador de mercado, o defensor da
moral tradicional costuma defender a ideia do governo limitado. Assim, por
exemplo, ambos apoiam o mercado livre, uma vez que esse sistema económico é o
que tem o melhor registo em termos de melhoria de qualidade de vida.
Mas o que é que interessa melhorar a qualidade de vida? Para
o conservador de mercado, “o grande propósito”, nas palavras de C.S. Lewis em
“A Abolição do Homem” é “alimentar e vestir as pessoas”. (O próprio Lewis não
era um conservador de mercado). A questão de como é que estes cidadãos
conduziam as suas vidas – se seguiam ou não os preceitos da justiça natural –
não compete à jurisdição da lei, desde que a sua conduta não interfira com as
escolhas privadas dos seus concidadãos para perseguirem as suas próprias ideias
de boa vida.
O defensor da moral tradicional concorda com o conservador
de mercado sobre os benefícios de as pessoas estarem bem alimentadas e
vestidas, mas na sua opinião elas são apenas úteis na medida em que o ajudam a
cumprir com as suas obrigações para com esposo, prole, vizinho, nação e Deus.
Para ele, a liberdade é a possibilidade de poder procurar os bens não
escolhidos de justiça natural sem ter de se preocupar com obstáculos exteriores
como criminosos ou governos injustos. Para o conservador de mercado, a
liberdade é a possibilidade de poder satisfazer os seus desejos sem ter de se
preocupar com quaisquer obrigações não escolhidas para com esposo, prole, vizinho,
nação ou Deus. Para o defensor da moral tradicional, é o bem que é desejável
por si, enquanto para o conservador de mercado o desejo é o que confere valor a
algo e o torna bom.
Na medida em que o mercado livre e os seus limites morais
estavam contextualizados numa infra-estrutura moral que não era conscientemente
hostil aos objectivos do defensor da moral tradicional, fazia muito sentido uma
aliança entre estes dois tipos de conservadorismo. O defensor da moral
tradicional tinha boas razões para apoiar o mercado livre, enquanto o
conservador de mercado tinha razões pragmáticas para aceitar os dados
adquiridos da cultura mais alargada, cujos mandarins não tinham como objectivo
principal esmagar as instituições e o modo de vida tradicionais, bem como qualquer
oposição pública que delas pudesse brotar.
Mas esse já não é o mundo em que vivemos. Vivemos num mundo
em que as grandes empresas criaram um cartel cultural – um monopólio moral –
com o qual esperam tornar a resistência tão cara e a anuência tão barata, que
os seus concorrentes ideológicos sejam levados a declarar bancarrota
civilizacional ou sofrer uma OPA hostil.
Alguns consideram que o conservador de mercado nunca foi
verdadeiramente amigo do defensor da moral tradicional, que tudo não passava de
um casamento de conveniência, destinado ao divórcio logo que um dos dois
encontrasse uma alternativa melhor. Talvez, embora eu considere que é uma
teoria algo simplista. O que não podemos fazer é ignorar o lugar e a hora em
que nos encontramos: É meia-noite e chegámos à encruzilhada.
(Publicado pela primeira vez na Quinta-feira, 9 de Junho 2016 em The Catholic Thing)
Francis J. Beckwith é professor de
Filosofia e Estudos Estado-Igreja na Universidade de Baylor. É autor de Politics for Christians: Statecraft as Soulcraft, e (juntamente com Robert P. George e Susan McWilliams), A Second Look at First Things: A Case for Conservative
Politics.
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