James V. Schall S.J. |
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Há uma quadra de um hino do breviário inglês (Sexta-feira, 8ª Semana), que diz o seguinte: “Pronunciado pela Palavra incarnada / Deus de Deus, desde os primórdios, / Luz da Luz, descendo à Terra, / Homem, revelando Deus à humanidade”. Os itálicos da última linha são meus. Parece um paradoxo tão verdadeiro. Recorda a ideia de São João Paulo II no Redemptoris Hominis de que aprendemos o que é o homem através da revelação por parte de Cristo daquilo que nós somos verdadeiramente.
Certamente podemos pensar: “Quem é que Deus pensa que é,
revelando à humanidade o que significa ser homem?” Não será um insulto à
dignidade humana insinuar que o homem não consegue alcançar por si o sentido da
sua vida? A resposta, suponho, é que, tal como indica a Incarnação, Deus torna-se,
Ele próprio, homem e revela à humanidade o que é o homem. Esta não chegou lá
sozinha, como explica São Tomás de Aquino. A verdade do homem é que foi criado
para algo que não é apenas humano. Homo proprie non humanus sed superhumanus
est, diz São Tomás de Aquino em De Caritate.
Mas se este “Ele” é Deus, então não pode ser homem,
correcto? À primeira vista, parece logicamente correcto, mesmo que não
acreditássemos em Deus. Ainda assim, será que Deus poderia ser homem sem deixar
de ser Deus ao mesmo tempo? As conclusões a que chegaram os primeiros Concílios
são que sim. Mais do que pensamos, por vezes, a Civilização depende da
compreensão e defesa de distinções subtis.
Quem é que diz que este “Ele” é homem? Evidentemente, é
“o Verbo incarnado”. O Verbo, o Filho, é “gerado” não “criado”. O Verbo é Luz
“descendo à Terra”. O Logos, o Verbo, deve ser inteligível. Mas não está tudo
de pernas para o ar? Este homem a revelar Deus aos homens? Talvez tenha sido a
única forma de eles prestarem atenção.
Claramente, a dada altura Deus cansou-se de explicar-se
aos homens através da natureza e das suas causas, através dos profetas
hebraicos ou através do Espírito Santo, pairando sobre o vasto mundo. Uma
abordagem diferente serviu para focar a atenção da raça humana naquilo que cada
membro precisa de saber se vai escolher tornar-se o que Deus o criou para ser.
No final de contas, o homem tem de desejar e escolher ser
aquilo para o qual foi verdadeiramente criado. Se Deus o “obrigasse” a aceitar
o que lhe é oferecido, não seria livre. Não seria homem. Neste sentido, o
próprio Deus encontra-se num impasse. Não pode contrariar a dignidade das suas
próprias criaturas, que fez “pouco menores que os anjos”, como se lê no Salmo
8.
A julgar pelos resultados, passados alguns dois mil anos,
esta intervenção divina não parece ter dado grande resultado. Grande parte da
humanidade não ouviu falar, quanto mais aceitou, a Incarnação do Verbo como a
explicação para a realidade e para a vida humana. Essa não audição ou não conhecimento
pode dever-se ao facto de subestimarmos as forças que não querem que seja
conhecido.
O David Warren disse, nalgum lado, que se Deus quisesse
que todos os homens acreditassem, isso já teria acontecido. O facto de não ter
acontecido não significa necessariamente que Deus não deseja que cada pessoa
seja salva. A possibilidade de rejeitar Deus é está presente em cada vida
humana.
Deus feito homem |
Neste ponto torna-se bastante evidente que se queremos
adoptar uma visão puramente “humana” do que é o homem essa será, bem vistas as
coisas, uma negação sistemática e gradual de cada uma das coisas que constituem
a natureza humana. O cumprimento dessa negação dependerá dos costumes e do
poder público; será propagada pelos intelectuais e pelos media.
O processo de reprodução será negado. A divisão dos sexos
será negada A liberdade de expressão será negada. Tudo o que não seja o
controlo absoluto por parte do Estado será negado. Serão negadas as nossas
relações normais uns com os outros. Todas estas negações serão chamadas “boas”.
Serão o que nós “queremos”. A culpa das terríveis consequências sociais de tais
escolhas sobre a nossa natureza, e são muitas, será colocada sob os ombros
daquilo que o Verbo Incarnado revelou sobre Si, sobre o homem. Inácio de
Antioquia escreveu aos romanos: “O Cristianismo revela a sua grandeza quando é
odiada pelo mundo”. O Verbo, verdadeiro homem, revela Deus à humanidade.
James V. Schall, S.J., foi professor na Universidade de
Georgetown durante mais de 35 anos e é um dos autores católicos mais prolíficos
da América. O seus mais recentes
livros são The Mind That
Is Catholic, The Modern Age, Political
Philosophy and Revelation: A Catholic Reading, e Reasonable
Pleasures
(Publicado pela primeira vez na Terça-feira, 7 de Junho
de 2016 em The Catholic Thing)
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