David Warren |
Não é preciso ser católico para manter a sanidade mental,
mas ajuda. Tenho pensado muito nisso desde que soube da morte de Antonin
Scalia.
Muito antes de me converter ao catolicismo já o admirava,
e muito daquilo que eu admirava tinha a ver com a sua formação religiosa. Era
uma pessoa segura de si mesma, ancorada de uma forma que excluía a arrogância.
Sabia o que estava correcto e o que estava errado. Não podia ser intimidado.
Claro que tudo isto é possível sem ser católico. Já
conheci protestantes que possuíam estas qualidades e achei-os geralmente
generosos – livres de intolerâncias sectárias ou, de outra perspectiva, abertos
à verdade e ao conhecimento da herança cristã. Modestos, justos, santos,
queridos, boa gente.
Nos meus tempos de jornalista tive a honra de entrevistar
líderes religiosos desde o Grão-sheikh do Al-Azhar, no Cairo, ao Supremo Patriarca
dos Sangha, na Tailândia e também eles me pareceram sólidos, seguros, ancorados
numa ordem moral que procede de um Amor que é tudo menos fofinho.
Também já conheci católicos severos e de mente fechada,
sem amor e cruéis. A Palavra torna-se meras palavras quando se lhe retira o
espírito; e palavras podem ser usadas para o mal quando a fé que as sustenta é
trocada por outra coisa.
Sei que corro o risco de parecer um liberal. Deus bem
sabe que não o sou. Nem estou a propor uma “folga ecuménica” do chamamento
divino para o campo de batalha na luta contra Satanás. Estou simplesmente a
afirmar que os homens são formados ou deformados em tradições que podem ser
boas ou más e que abordar um homem bom implica respeitar as suas boas
tradições.
Scalia entendia isto. Ele tinha noção que a América tinha
sido fundada sobre valores protestantes e que a Constituição americana que ele
defendia era, na sua natureza, uma coisa bela mas finita, que o tribunal em que
se encontrava não era a Rota Romana.
Muitos dos seus amigos católicos mais eruditos discutiam
com ele – sempre da forma mais agradável, tanto quanto sei – sobre a questão do
“direito natural” no qual essa constituição “positiva” assenta. Em público,
contudo, Scalia não tocava esse assunto. Na sua mente americana havia uma
separação muito clara entre Igreja e Estado e ele não era nem político nem
filósofo.
O melhor que ele podia fazer era servir o tribunal,
aplicando a lei da forma como estava escrita. Ele nem o entendia como sendo um
Tribunal Constitucional (tal como existem em muitos países na Europa), era
simplesmente o mais alto tribunal de recurso nos Estados Unidos, uma última
defesa contra os erros judiciais dos tribunais menores. Esta defesa não podia
ser dominada por uma agenda.
Por exemplo, enquanto católico ele opunha-se
profundamente ao aborto. A sua mulher Maureen, mãe de nove filhos, desempenhou
um papel activo e incansável na luta contra este horror monstruoso, que clama
aos Céus por justiça. Scalia foi criticado mais do que uma vez pelas
actividades privadas da sua mulher, com a sugestão de que se devia recusar – talvez
juntamente com todos os outros católicos do tribunal – de qualquer caso com
implicações morais.
Tratava-se de uma injustiça ridícula. A posição de Scalia
era a de um advogado. Não existe qualquer “direito da mulher ao aborto” na
Constituição americana. O caso Roe v. Wade inseriu-a lá, de forma fantasiosa, e
ao fazê-lo arrogou à judiciária um poder inconfundivelmente legislativo.
Enquanto advogado e mais tarde juiz, Scalia nunca se opôs a algo por razões
puramente morais, nunca invocava qualquer argumento que não fosse a lei, tal como
aparece escrita.
O padre Paul Scalia faz a homilia na missa fúnebre do seu pai Antonin.
Ver sobretudo a partir de 2'30"
Se a América quisesse ter aborto, que tivesse; se
quisesse ter casamento homossexual e “eutanásia” ou qualquer outro mal, que
tivesse, desde que por actos legais produzidos aos níveis estatais ou federal.
Estas coisas podiam até ser incluídas na Constituição através da passagem
formal de uma emenda. Mas enquanto não fossem, não podiam ser impostas por
advogados. Os direitos eram-no na lei e não através de apelos a abstracções, e
isso valia para todos os tribunais.
Eis, por isso, o paradoxo: Scalia, enquanto advogado,
evitava cuidadosamente qualquer referência a códigos religiosos, qualquer
interpretação de um anterior “direito natural” – apesar de ser um católico
praticante. Os seus adversários “liberais”, porém, faziam-no de forma
negligente, lendo na Constituição “direitos” que nunca lá tinham sido escritos.
São eles, e não Scalia, que podem ser vistos como
defensores de um qualquer “direito natural” – embora estejamos a falar de um
conceito inerentemente fátuo e que muda ao sabor dos tempos.
Tal como Scalia avisou, quando se envereda por esse
caminho passa a valer tudo. Uma vez que ficou estabelecido que advogados em
altos cargos podiam reescrever leis consoante os seus caprichos – tal como
aconteceu em Roe v. Wade – deixou de haver quaisquer limites. Tinha-se feito à
lei americana algo comparável com o que seria feito aos bebés americanos.
Antonin Scalia |
“Ai sim? E quando a última lei fosse abrogada e o Demónio
se virasse contra ti – onde te esconderias, Roper, estando todas as leis
espezinhadas? Se este país está semeado grossamente com leis de costa a costa –
leis dos homens e não de Deus – e se tu as cortas – e quem mais senão tu? –
pensas mesmo que te aguentarias de pé diante dos ventos que então soprariam?
Sim, eu daria o benefício da lei ao Diabo, para minha própria protecção”.
Descansa em Paz, Nino Scalia. Ele não tinha de ser
católico para defender tão nobremente a sua posição. Mas ajudou.
David Warren é o ex-director da revista Idler e é cronista no Ottowa Citizen. Tem uma larga experiência no próximo e extreme oriente. O seu blog pessoal chama-se Essays in Idelness.
(Publicado pela primeira vez na Sexta-feira, 19 de
Fevereiro de 2016 em The Catholic Thing)
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