Wednesday 17 February 2016

Erros papais

Randall Smith
Em 1986 o Papa João Paulo II organizou o Dia Mundial da Paz, em Assis, para o qual convidou 160 líderes religiosos, incluindo judeus, budistas, sikhs, hindus, jains, zoroastrianos e membros religiões tradicionais africanas. Alguns católicos ficaram escandalizados. Mais tarde, João Paulo viria a publicar as encíclicas Centesimus Annus (1991), Veritatis Splendor (1993); Evangelium Vitae (1995); e Fides et Ratio (1998). Pergunto: Se um católico tivesse ficado enfurecido pelo encontro de oração de Assis, ele ou ela continua a ser obrigado a oferecer aos ensinamentos destas encíclicas a “submissão religiosa de intelecto e vontade”?

Em 1929 Pio XI assinou o Tratado de Latrão com o Governo fascista de Benito Mussolini, que reconheceu o Vaticano como Estado independente e garantiu à Igreja o apoio financeiro do seu Governo. Muitas pessoas – na altura e desde então – criticaram esta decisão, não só por ter sido um pacto celebrado com fascistas, mas também porque Pio tinha cedido a sua autoridade tradicional sobre os Estados Pontifícios. Esses católicos que acreditam que a decisão de Pio foi um erro são obrigados pelos ensinamentos do Quadragesimo anno, Quas primas, ou Divini Redemptoris?

Em 1633 o Papa Urbano VIII recusou determinantemente a decisão de membros do seu próprio tribunal da inquisição, de que Galileu devia ser perdoado pelo “erro” de publicar o seu “Diálogo sobre os dois principais sistemas do mundo”. Urbano, que tinha sido um patrono e defensor de Galileu, estaria ofendido pelo facto de este ter colocado um dos seus argumentos na boca da sua personagem “Simplício” (o simplório). A decisão do Papa de colocar Galileu em prisão domiciliária teve repercussões negativas para a Igreja até hoje. Esta decisão torna tudo o resto que ele ensinou, sobre fé e moral, inútil?

Há que fazer algumas distinções. A Igreja defende que os papas podem, em determinadas circunstâncias e quando o pretendem explicitamente, pronunciar-se de forma infalível sobre questões de fé e de moral. Em toda a história da Igreja há talvez oito proclamações que encaixam nesses requisitos. A maioria dos ensinamentos dos papas acarretam autoridade, mas não infalíveis, pedindo não o “assentimento da fé”, como fazem os infalíveis, mas “a submissão religiosa de intelecto e de vontade”.

Pode, então, ser lícito a um católico fiel discordar de um ensinamento com autoridade mas não infalível de um Papa? Sim, pode. Se a pessoa tiver investigado diligentemente o ensinamento em questão e se, depois de séria reflexão e oração, sentir que é necessário proceder a uma correcção fraterna, então poderá expressar publicamente o seu desacordo desde que: A) As suas razões forem sérias e bem fundamentadas; B) a discordância não impugnar ou questionar a autoridade da Igreja para ensinar e C) se a natureza da dissensão não for tal que dá origem a escândalo.

Já várias vezes pensei que estas regras servem igualmente para qualquer outra situação em que estamos em desacordo com alguém. Devemos ter boas razões por detrás da nossa posição; devemos fazer todos os esforços para não impugnar a integridade ou as boas intenções do nosso interlocutor; e devemos argumentar de forma a não criar escândalo. Raramente conquistamos os outros (incluindo os meros observadores) adoptando uma atitude agressiva. Normalmente só se consegue dar má imagem do nosso lado.

Estamos conversados, portanto, quanto a ensinamentos do Papa.

João Paulo II no encontro de Assis
E sobre as acções do Papa? Será que em conjunto com o dom da infalibilidade, os Papas têm também o dom da impecabilidade? Um carisma especial que os impede de cometer qualquer erro?

A Igreja nunca defendeu tal coisa. Muito pelo contrário, aqueles que mais acerrimamente defenderam a infalibilidade sempre fizeram questão de a distinguir de impecabilidade precisamente porque A) é claro que vários Papas cometeram pecados graves e, B) é uma questão de fé acreditar que todos os papas são pecadores, tal como qualquer um de nós, necessitados da Graça salvífica de Deus, conquistada através da morte e ressurreição de Cristo. Não adoramos o homem; respeitamos o seu cargo e temos fé nas promessas de Cristo de estar com a Sua Igreja até ao fim dos tempos e de enviar o seu Espírito Santo para a guiar e proteger.

Há anos alguém me disse que o Papa João Paulo II não dava comunhão na mão, o que provava que estava a condenar essa prática. Eu sugeri que se o Papa quisesse comunicar tal mensagem, então tinha diversos canais oficiais pelos quais o podia fazer. Existe uma espécie de idolatria papal que, a longo prazo, não é útil. Que diria hoje esse meu amigo? Se continua a confundir as acções pessoais do Papa com ensinamentos oficiais, então deve estar confuso – e zangado.

Observar cada acto do Papa para discernir o seu significado político é o tipo de tolice que levou certas pessoas a condenar Cristo por comer com prostitutas e cobradores de impostos. Dizia-se que tais actos “causavam escândalo”, “semeavam discórdia” e “revelavam apoio aos inimigos da Igreja”. Talvez, talvez não. “O tempo dirá onde se encontra a sabedoria”.

Alguns papas cometeram grandes erros. Mas todos os papas cometem alguns erros, afinal de contas, são humanos. Se anda à procura de perfeição e impecabilidade, está à procura de uma Igreja que não existe, uma promessa vazia do Pai das Mentiras, e não aquela que foi fundada por Cristo.

Ficar confuso ou desapontado com um papa é coisa que não falta na história da Igreja. Mas os católicos que imaginam que eles é que têm a autoridade para estabelecer a fasquia canónica pela qual o ensinamento deste ou de qualquer outro papado pode ser julgado estão simplesmente a demonstrar que afinal de contas sempre foram protestantes e que a sua visão da autoridade é a mesma que caracteriza em demasia a política americana, a ideia de que a função da autoridade é fazer o que eu mando e esmagar os meus opositores.

A Igreja nem sempre foi bem servida pelos seus papas. Mas por outro lado, sempre esteve bem pior nas alturas em que cedeu às vozes moralistas da multidão – especialmente quando clamam “crucifica-o”.


Randall Smith é professor de teologia na Universidade de St. Thomas, Houston.

(Publicado pela primeira vez na quinta-feira, 12 de Fevereiro de 2016 em The Catholic Thing)

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