Será assim? |
Há aqui muita coisa que é preciso esclarecer.
Tudo começou numa notícia do vaticanista John Allen Jr. que
numa coluna de opinião indicou que durante uma formação para novos bispos,
estes tinham sido informados pelo formador que “os bispos não têm o dever de
informar a polícia de alegações, esta é uma escolha que cabe às vítimas e às
suas famílias”.
Daqui foi parar ao Guardian e do Guardian apareceu na
imprensa portuguesa, mas já com indicação de que o Vaticano está a dizer que os
bispos “não devem” informar as autoridades destes casos.
O principal ponto do artigo de Allen, que os outros
relegaram para segundo plano, é que a comissão criada pelo Papa para lidar com
o assunto dos abusos não está envolvida nesta formação. Allen critica isto, com
toda a razão.
Quanto ao que foi dito na formação, há vários pontos a
ter em consideração.
Para quem vive num Estado de direito parece evidente que
a Igreja deve informar as autoridades, que agirão em conformidade. Mas as
indicações do Vaticano são universais e nem todos os bispos e católicos vivem
em estados de direito. Há países em que a denúncia oficial às autoridades faria
mais mal que bem.
Por exemplo, um bispo clandestino na China deveria
denunciar um padre suspeito de abusos às autoridades? O que poderia acontecer
tanto ao padre (inocente até prova em contrário) como ao próprio bispo e à vítima?
Em partes de África, onde sabemos bem que a
homossexualidade é duramente reprimida, um bispo deveria colocar tanto vítima
como abusador em perigo de vida, denunciando o caso às autoridades?
As indicações do Vaticano têm sido claras no sentido de
que nos Estados de direito e democracias, como é o caso de Portugal, existe
essa obrigação. Roma exigiu já há vários anos que cada país elabore um guião de
conduta para estes casos. Portugal já o fez e essas indicações são claras.
“Ao serviço da humanidade, sem procurar servir-se a si
mesma, cada pessoa jurídica canónica cooperará com a sociedade e com as
respetivas autoridades civis; tomará em atenção todas as indicações que lhe
cheguem e responderá com transparência e prontidão às autoridades competentes
em qualquer situação relacionada com abuso de menores, na salvaguarda dos
direitos das pessoas, incluindo o seu bom nome e o princípio da presunção de
inocência.”
Em todo o caso, em 2013 passado houve uma situação em que
houve uma suspeita de abusos no norte do país e a PJ só soube através da
imprensa. Na altura falei com um jurista, pensando que ele me diria que a
Igreja tinha errado ao não informar logo as autoridades do caso, mas ele disse
que sendo a Igreja uma instituição jurídica internacional, deveria ter
autonomia para poder, primeiro, averiguar se o caso era credível, antes de
falar com as autoridades.
Fiquei admirado com a resposta, e sublinho que o jurista
em causa, muito respeitado, tanto quanto sei não é católico por isso
dificilmente pode ser acusado de estar a proteger a Igreja.
Concluindo, há ainda muito para fazer neste campo e
certamente os novos bispos beneficiarão de uma formação mais completa que será
possível com a participação da comissão para a protecção dos menores. Contudo,
já muito foi feito e é simplesmente errado fazer manchetes a dizer que a Igreja
está de algum modo a aconselhar os bispos a não colaborar com as autoridades em
casos de abusos sexuais.
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