James V. Schall S.J. |
Numa questão dirigida a Talássio (um ermita sírio),
Máximo o Confessor (morto no ano 662) afirma: “Ele (Cristo) designou a Santa
Igreja como candelabro, através do qual a palavra de Deus deita luz pela
pregação e ilumina com os raios da verdade quem estiver na casa que é o mundo,
e enche as mentes de todos os homens com conhecimento divino.” Lendo estas
antigas palavras, perguntamos: Que é este “divino conhecimento” de que Máximo
fala?
A lógica indica que o conhecimento “divino” não é o mesmo
que o conhecimento “humano”, caso contrário não poderíamos compreender a
diferença. O “conhecimento divino” diz respeito unicamente a Deus. Se alguém
diz que o possui está a dizer que é Deus, algo que não é inédito entre a nossa
espécie. Não segue, porém, que os seres humanos não tenham qualquer
conhecimento. Claramente temos. O nosso desafio intelectual é relacionar o
conhecimento “humano” ao “conhecimento divino”.
Tudo bem, mas como é que sabemos o que quer que seja
sobre “conhecimento divino”? O facto é que não sabemos, a não ser que Deus nos
informe sobre ele. Será que o fez? A Revelação não é mais que isso mesmo.
Onde é que isso nos deixa? Como é que sabemos que coisas
nos são reveladas? Não podemos responder a essa questão enquanto não
percebermos o que podemos conhecer por nós. Por outras palavras, a nossa
atenção ao “conhecimento divino” depende do nosso conhecimento “humano”.
O que é que estou a dizer com tudo isto? Não conseguimos
já compreender através da razão algumas coisas que em tempos eram considerados
mistérios inefáveis? Sim. Contudo, muitos assuntos fundamentais continuam a
confundir-nos. E então, qual é o mal de estar confundido?
A bem dizer, nada, só que não nos contentamos com a nossa
incapacidade de compreender tudo. O nosso mundo está cheio de mitos e teorias
que pretendem explicar tudo o que não conseguimos compreender por nós. À
primeira vista esta incapacidade parece um sinal de caos. À segunda vista,
contudo, significa uma verdadeira inquietação nas nossas almas. Sabemos que é
suposto sabermos as razões últimas das coisas.
O próximo passo é delicado. Haverá alguma coisa que
pretende ser conhecimento “divino” e não apenas “humano”?. Aristóteles disse
que nos devíamos esforçar por saber tudo o que pudermos sobre coisas “divinas”.
A diferença entre os deuses e os homens é que os deuses são sábios, mas os
homens não passam de amantes e buscadores da sabedoria dos deuses. Aristóteles
sugeriu ainda que, se os deuses sabiam o que é a felicidade, essa devia ser a
primeira coisa que nos diriam.
Este tipo de observação deixa-nos a pensar. Será possível
que os deuses tenham feito o que Aristóteles sugeriu? Bom, sim, é bem possível.
Como é que poderíamos saber se o fizeram? Provavelmente, concluímos, porque as
suas respostas ou instruções se dirigiram precisamente à nossa ignorância mais
profunda sobre a nossa razão de ser neste mundo.
São Máximo, o confessor |
O que é que este “bem”, este “ser salvo”, tem a ver com o
“conhecimento divino”? Se não sabemos porque é que existimos, não segue que
mais ninguém o saiba. Pode bem ser que a nossa falta de conhecimento seja
precisamente o que nos abre à aceitação do conhecimento sobre nós mesmos.
Compreendemos que este conhecimento sobre nós é justamente “divino”. É algo que
aceitamos como verdade que vem de fora, não é algo que compreendamos por nós.
Mas não deixa de explicar.
Onde é que isto nos deixa? Máximo prossegue: “Através da
virtude e do conhecimento, Cristo conduz ao Pai todos os que estiverem
resolvidos a caminhar com Ele, que é o caminho da rectidão, em obediência aos
mandamentos divinos”.
Mas isto não implica que aqueles que não são obedientes
aos “mandamentos divinos” e que não são virtuosos, rejeitando o conhecimento,
estão em grandes sarilhos? É isso mesmo que implica.
Se o “divino conhecimento” sobre nós mesmos nos for
oferecido, podemos recusá-lo? Claramente que sim. Então é possível que o mundo
contenha tanto aqueles que ouviram falar sobre o “conhecimento divino” e
aqueles que tendo ouvir falar dele, rejeitaram-no.
Se for este o caso, é provável que estas duas “cidades”,
aqueles que aceitaram e os que rejeitaram, possam viver juntos em paz? Não é
provável. Porquê?
O “conhecimento divino” é um conhecimento sobre aquilo
que somos, e não apenas um sentimento. Máximo fala de “raios de verdade” na
“casa que é o mundo”. Através da “virtude e do conhecimento”, ao caminhar em
“obediência aos mandamentos divinos” – a rejeição dos mesmos deixa-nos em
guerra uns com os outros. Nenhuma reflexão explica melhor o estado do mundo em
que vivemos.
James V. Schall, S.J., foi professor na Universidade de Georgetown durante mais
de 35 anos e é um dos autores católicos mais prolíficos da América. O seus mais recentes livros
são The Mind That Is Catholic, The Modern Age, Political Philosophy and Revelation: A Catholic Reading, e Reasonable Pleasures
(Publicado pela primeira vez na Terça-feira, 21 de Julho
de 2015 em The Catholic Thing)
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