David Carlin |
Ao contrário do Catolicismo, o Islão não tem qualquer
autoridade central, nenhum Papa que possa emitir sentenças definitivas sobre o
que é ou não é ortodoxo. Nesse aspecto, o Islão é mais como o Protestantismo,
que tem centenas de denominações concorrentes, cada uma das quais diz ser
detentora da “verdadeira” versão do Cristianismo.
Pelo menos era assim no mundo protestante até há cerca de
100 anos. Com a chegada do protestantismo ecuménico, porém, uma grande parte do
mundo protestante – a parte não-fundamentalista – decidiu que todas as versões
do Cristianismo são basicamente iguais em termos de verdade. O mundo islâmico
ainda não chegou a um ecumenismo tão abrangente. Os muçulmanos ainda insistem
que a verdadeira versão do Islão é a sua.
O Estado Islâmico considera que representa o verdadeiro
Islão. Por outras palavras, o verdadeiro Islão é aquele que estabelece (ou
reestabelece) o Califado; que procura, com recurso à violência militar,
conquistar o mundo; que pressiona os cristãos e outros não-muçulmanos, através
da persuasão, da perseguição e do terror, a aceitar o Islão. Trata-se de uma
versão moderna do Islão que imita o Islão primitivo que, surgindo na Península
Arábica logo a seguir à morte do profeta, conquista rapidamente o Império Persa
e uma grande secção do Império Romano, da Síria no Oriente até Espanha no
Ocidente.
A maioria dos muçulmanos, incluindo uma grande maioria
dos académicos muçulmanos, diria, como é evidente, que o Islão do Estado
Islâmico não é o verdadeiro Islão. Podem não estar de acordo sobre o que
constitui o verdadeiro Islão, mas concordam sobre o que não é, e não é o Estado
Islâmico.
Mas perante isto o Estado Islâmico responde de duas
maneiras. Uma é a resposta retórica: “Os nossos objectivos e práticas
assemelham-se, muito mais do que as vossas, aos objectivos e às práticas dos
primeiros califas, aqueles que sucederam imediatamente o Profeta. Como eles,
somos muçulmanos militantes. Somos guerreiros de Allah. Somos jihadistas.
Vocês, por outro lado, são gatinhos. Não estão dispostos nem a matar nem a
morrer pela nossa santa religião”.
A outra resposta é dada no campo. O Estado Islâmico está
a ter sucesso. Estabeleceu um estado (ou um quase-estado) no Iraque e na Síria.
Estabeleceu alianças com organizações semelhantes desde a Indonésia à Nigéria;
para todos os efeitos está agora à cabeça de uma federação jihadista global.
Atingiu os infiéis em França, na Rússia e noutros locais e tudo indica que o
fará novamente no futuro. Pela primeira vez desde o declínio do Império
Otomano, o Ocidente teme o Islão militante. “Contra factos não há argumentos”,
dirá o Estado Islâmico “e o facto é que nós temos sucesso, vocês não”.
Como já afirmei, não existe um Papa muçulmano que possa
dizer que o Estado Islâmico não representa o verdadeiro Islão. A verdadeira
definição do Islão será decidida numa espécie de referendo informal, levado a
cabo ao longo dos próximos 50 a 100 anos pelos cerca de 1,5 mil milhões de
muçulmanos do mundo. Se o Estado Islâmico continuar a ter sucesso, e se tornar
ainda mais poderoso e bem-sucedido, é muito provável que uma maioria dos
muçulmanos do mundo acabe por decidir que a versão de Islão do Estado Islâmico
é a verdadeira.
Que Islão terá o futuro? |
Ao eliminar o Estado Islâmico estaríamos a fazer um grande
favor a nós mesmos e sobretudo aos nossos netos e bisnetos. Mas estaríamos a
prestar um serviço igualmente importante à maioria dos muçulmanos do mundo.
Claramente, o mundo Islâmico está numa encruzilhada. Sente que deve responder
de forma definitiva à cultura de modernidade que vem dos Estados Unidos em
particular e do Ocidente de forma geral, uma cultura incompatível com o estilo
de vida tradicional do Islão e que está a tomar conta do mundo e a
transformá-lo.
Uma possível resposta é aquela que o Estado Islâmico está
a propor: um regresso ao Islão militante do primeiro século depois de Maomé.
Outra resposta possível é a modernização do Islão para que consiga abraçar os
elementos menos maus da modernidade. Se o Estado Islâmico for eliminado, o
mundo muçulmano não terá outra alternativa que não virar-se para a resposta da
modernização.
Trata-se de um grande “se”. Quando falo do futuro com os
meus alunos alerto-os sempre para o seguinte: “Embora seja possível prever os
movimentos do sol, da lua e dos planetas, é praticamente impossível prever o
futuro da humanidade”.
David
Carlin é professor de sociologia e de filosofia na Community College of Rhode
Island e autor de The Decline and Fall of the Catholic Church in America
(Publicado pela primeira vez no sexta-feira, 20 de
Novembro de 2015 em The
Catholic Thing)
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