Hadley Arkes |
Assinala-se por esta altura o 50º aniversário da
Dignitatis Humanae, ou “Sobre a Dignidade da Pessoa Humana”. Trata-se de um
daqueles documentos que é relativamente curto, mas de enorme impacto, pois
representa o verdadeiro alcance da Igreja na afirmação do sentido de “pessoa
humana” enquanto portadora de direitos humanos inalienáveis, incluindo um
direito à liberdade religiosa, mesmo quando essa religião não radica nas
verdades professadas pela Igreja.
O ano de 1965 foi um ponto de viragem em muitos sentidos,
com a chegada da pílula e uma injecção de energia na revolução sexual. Com cada
vitória desse movimento, tornou-se mais claro que ele é alimentado pela paixão
de recusar cada vestígio de ensinamento moral que levanta barreiras à
libertação sexual. O mundo tem sido tão virado de pernas para o ar desde a
publicação do Dignitatis Humanae que actualmente contesta-se o próprio significado de “dignidade” de
“pessoa” e de “religião”.
Um amigo de longa data tentou, a dada altura, escrever um
livro sobre a Dignidade Humana. Insistia que “os seres humanos têm uma
dignidade incomparavelmente maior [do que os membros de outras espécies]. São
mais importantes por causa daquilo que são: membros da espécie humana, com
traços e atributos únicos e incomparáveis”. Mas o que é, exactamente, que torna
os seres humanos superiores, que lhes permite reclamar essa “dignidade”?
O Dignitatis Humanae foi claro sobre isso desde o
primeiro momento: A Dignidade assiste a “pessoas dotadas de razão e de vontade
livre e por isso mesmo com responsabilidade pessoal.” A dignidade começa com a
capacidade para fazer juízos sobre questões de bem e de mal e com a capacidade
de assumir responsabilidades. Só um tipo de criatura compreende o que significa
respeitar uma promessa, ou um “compromisso” mesmo quando isso deixa de
coincidir com os seus interesses.
O meu amigo, escrevendo do ponto de vista de académico,
porém, recusou colocar essa capacidade de juízo “moral” como sendo central para
o assunto. Para ele, aquilo que distinguia os seres humanos era a liberdade de
“se tornarem diferentes através de um rasgo de criatividade livre”. Mas então a
questão, certamente, torna-se o saber se podemos olhar para as coisas que
criamos e classifica-las como boas ou más. Podíamos ter a criatividade
estonteante de um Bernie Madoff para a fraude, algo que revela grande génio Não
era essa a criatividade que o meu amigo tinha em mente, embora apenas esteja ao
alcance de humanos.
E quando nos encontramos cercados por pessoas que
claramente não beneficiam de grande criatividade – pessoas perpetuamente
maçadoras – concluímos que elas têm menos dignidade? Serão elas menos humanas,
com menos direito ao nosso respeito?
Levanto a questão porque o meu amigo diz que “uma vida é
uma vida… Se alguma coisa é sagrada, então a vida é sagrada”. E não obstante,
se todos os seres humanos possuem dignidade, e se a vida é sagrada, o que dizer
do ser humano no útero? Mas o meu amigo leva a cabo a manobra familiar,
insistindo que o “feto” claramente não é uma “pessoa”, é uma “vida em
potência”. Ele reconhece então que se trata de contrastar a vida inocente de
uma “pessoa em potência” contra a recusa da “dignidade” de uma mulher grávida,
pois se lhe for recusado um aborto ela “tornar-se-ia um mero instrumento de um
propósito que não é o seu”. Claro que, quando se vê a questão pela perspectiva
da moral, a pergunta normal é saber como é que uma pessoa pode encontrar a sua “dignidade”
no acto de matar um ser absolutamente inocente.
Para os escritores académicos, o aborto continua a ser um
osso duro de roer. Se querem reclamar a dignidade para todos os seres humanos,
têm de explicar porque é que omitem desta protecção este grupo de pequenos
humanos. Se a personalidade depende da capacidade para criatividade já
manifestada em obras, então o mantra liberal de “igualdade” foi posto
decididamente de lado.
O Dignitatis Humanae foi generoso na sua abertura mesmo a
formas exóticas de experiência religiosa e na disponibilidade para respeitar a
busca sincera pelo divino. Mas nos nossos dias encontramos advogados a defender
a “liberdade religiosa” e a recusar rejeitar qualquer reivindicação de
religiosidade como ilegítima. A Igreja do Monstro do Esparguete Voador tem
procurado reconhecimento oficial ao abrigo de leis locais e há dois anos uma
das suas exposições foi colocada junto a um presépio, no Tallahassee.
Argumenta-se que é possível detectar grupos religiosos
insinceros ou que são meros pretextos. Mas estas pessoas levam muito a sério a
ideia de que o seu gozo com o Cristianismo é a sua religião antirreligiosa. E
na ausência de qualquer teste substantivo, porque não haver uma Igreja da
Insinceridade?
Na Dignitatis Humanae lida-se com a questão assim: “A
sociedade civil tem o direito de se proteger contra os abusos que, sob pretexto
de liberdade religiosa, se poderiam verificar, é sobretudo ao poder civil que
pertence assegurar esta protecção. Isto, porém, não se deve fazer de modo
arbitrário, ou favorecendo injustamente uma parte; mas segundo as normas
jurídicas, conformes à ordem objectiva.”
Por outras palavras, assume-se que as leis que barram o
homicídio e outros males evidentes servirão também para limitar a existência de
movimentos fraudulentos que se tentam apresentar como “religiões”. O problema
agora, claro, é que as leis deixaram de radicar na “ordem objectiva”. O que
temos agora é um direito positivista que obriga as organizações católicas a
fechar portas se recusarem colocar crianças com casais homossexuais para
adopção. O mesmo direito que pune pasteleiros e floristas se estes se recusarem
a participar na celebração de um casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Daí que a Dignitatis Humanae seja, sim, um ensinamento
duradouro para um mundo que vai desaparecendo mas que cabe a nós restaurar.
Hadley
Arkes é Professor de Jurisprudência em Amherst College e director do Claremont
Center for the Jurisprudence of Natural Law, em Washington D.C. O seu mais
recente livro é Constitutional Illusions & Anchoring Truths: The Touchstone
of the Natural Law.
(Publicado pela primeira vez na Terça-feira, 15 de
Dezembro de 2015 em The Catholic Thing)
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