Austin Ruse |
Não consigo deixar de chorar sempre que vejo filmes sobre
rapazes perdidos. Não sei se o género literário é antigo ou não. Há a passagem
sobre Jesus no Templo, mas Ele não está verdadeiramente perdido. William Blake
tem um poema belíssimo sobre um rapazinho perdido. E há o Peter Pan, claro.
Mas o cinema moderno dedica-se bastante a este tema. Será
porque o número de rapazes perdidos aumentou exponencialmente desde meados do
século XX?
Em “Inteligência Artificial” Steven Spielberg mostra-nos
um menino robot, David, o primeiro de um novo modelo capaz de mostrar
verdadeiro amor pelos donos. É colocado com uma família cujo filho verdadeiro
está num estado de animação suspensa até que se encontre uma cura para a sua
doença. Encontrada a cura, o rapaz regressa a casa para descobrir que tem um
rival mecânico.
O menino verdadeiro cria incidentes que levam os seus
pais a temer o David e a clínica decide que ele deve ser destruído. Em vez
disso, contudo, a sua mãe deixa-o numa floresta assustadora com um urso de
peluche. David suplica com a mãe para não o abandonar.
David e Teddy aventuram-se numa distopia perigosa onde os
robôs são torturados e mortos. Procuram a Fada Azul, do Pinóquio, que o pode
transformar num verdadeiro rapaz, para que a sua mãe o receba de volta um dia.
Esse é o buraco que os “rapazes perdidos” procuram
preencher. Sem qualquer culpa própria, são atirados para o mundo quando tudo o
que querem é uma casa, uma mãe, mas sobretudo um pai.
Em “Slingblade” vemos a história de um deficiente mental,
Karl, que ainda pequeno foi obrigado a enterrar o seu irmão recém-nascido,
depois de um aborto falhado, metendo-o numa caixa de sapatos e enterrando-o
vivo.
Aos 12 anos mata a sua mãe e o namorado e é
institucionalizado. Libertado, conhece Frank, cujo pai se suicidou e que vive
com a mãe e uma série de namorados abusadores.
Embora Karl seja um rapaz perdido, é o desejo do pequeno
Frank que nos parte o coração. Vimo-lo dizer: “Às vezes só queria que ele ainda
estivesse vivo. A mãe é muito querida, mas gostava de os ter aos dois. Uma vez
fomos a Memphis de carro. Estava a chover tanto que nem dava para ver a
estrada, mas não tive medo, porque desde que o pai estivesse a guiar, nada nos
podia acontecer”.
Mas o filme de rapaz perdido por excelência é outro do Spielberg,
o “Império do Sol”, que o próprio considerou o seu trabalho mais profundo sobre
a “perda de inociência”. Jamie, filho de britânicos ricos, perde-se da sua mãe
numa multidão quando os japoneses invadem Shangai em 1937. Passa os próximos
oito anos num campo de internamento localizado perto de uma pista de aterragem
japonesa.
Perto do fim da guerra Jamie observa uma cerimónia
Kamikaze: três jovens pilotos preparam-se para partir rumo a uma morte certa.
Jamie saúda-os e canta o Suo Gân, uma música de embalar galesa. (Ouça, que não
se vai arrepender).
Dorme meu bebé, no meu peito,
Tens à volta os braços de uma mãe.
Faz um ninho cómodo e quente.
Sente o meu amor para sempre novo.
Nada de mal te irá acontecer,
A dor sempre passará longe de ti.
Amada criança, perto irás ter sempre,
Em suave dormir, o peito da mãe.
Chega o fim da guerra e Jamie deambula, esfomeado, mas é
finalmente socorrido e colocado num orfanato. Certo dia ouve alguém chamar o
seu nome. Os seus olhos cansados repousam sobre a sua mãe, que o agarra junto
ao peito. Pela primeira vez vemos Jamie a fechar os olhos.
Tenho uma razão pessoal para ficar choroso com estas
cenas, é que estes rapazes perdidos são sempre o meu irmão mais novo. O nosso
pai morreu quando ele tinha só oito anos, menos dez que eu.
Um irmão mais velho como deve ser teria feito tudo o que
fosse possível para ajudar o seu irmão mais novo. Mas não eu. Ao fundo da rua,
na escola, mais valia estar a um milhão de quilómetros, no meu pequeno mundo
egoísta, longe de toda a dor do meu maninho.
Mas ele foi espectacular. O Doug lutou pelos pais dos
seus amigos. E conseguiu. Ensinaram-no a caçar, a pescar e a acampar. Vejo
fotografias dele, corajoso, sozinho mas rodeado de rapazes e, sobretudo, dos
seus pais. Continua a ter uma relação próxima com muitos deles, mais do que tem
comigo.
E por isso, quando vejo esses filmes, penso no Doug. Penso
em como o abandonei quando precisava de mim e como nunca mais voltei. Penso em
como ele teve de ir em busca de outros homens para substituir não só um pai mas
um irmão mais velho. Coro de vergonha.
Um dia a minha mulher perguntou: “Já pensaste que se
calhar tu é que és o rapaz perdido?”. Fiquei de rastos.
Tinha só 18 anos quando o meu pai morreu. A sua morte
deixou-me à deriva no mundo, e o mundo era-me estranho. O único tutor que tive
foi o Zeitgeist, que naqueles dias era particularmente hostil. Só aos 36 anos é
que tomei a decisão de amadurecer. Vivi uma vida impressionantemente pouco
séria, com educação, empregos e relações encharcadas em longas noites de borga
com amigos, convencidos de que eramos os maiores.
Pela Graça de Deus consegui sair desta trajectória
ridícula, que me deixou com uma consciência cheia de arrependimento e uma mão
cheia de histórias engraçadas. Mas tive sorte.
A nossa nação está repleta de rapazes que poderão não ter
essa sorte. Actualmente 27% das crianças americanas vivem longe do seu pai; são
10 milhões de rapazes perdidos. Quem é que os protege?
Da próxima vez que vir um rapaz perdido num filme
chorarei pelo meu irmão, e por mim. Mas devemos todos chorar pelos rapazes que,
neste momento, estão perdidos e à procura de um lar.
Austin Ruse é presidente do Catholic Family & Human
Rights Institute (C-FAM), sedeado em Nova Iorque e em Washington D.C., uma
instituição de pesquisa que se concentra unicamente nas políticas sociais
internacionais. As opiniões aqui expressas são apenas as dele e não reflectem
necessariamente as políticas ou as posições da C-FAM.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na Sexta-feira, 07 de Fevereiro de 2014)
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na Sexta-feira, 07 de Fevereiro de 2014)
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The Catholic Thing é um fórum de opinião católica inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o consentimento de The Catholic Thing.
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