James V. Schall S.J. |
Como é que pessoas aparentemente boas acabam por defender e
fazer coisas terríveis, sobretudo em questões ligadas à defesa da vida? Porque
é que negam com tanto vigor que aquilo que fazem está errado? Porque é que se
esforçam tanto para destruir toda a gente que descreve aquilo que fazem como
sendo mal? Fazem-me muitas vezes estas perguntas. Como responder-lhes?
O Evangelho de terça-feira, segunda semana do tempo comum, é
de Marcos 3. Diz respeito ao homem da “mão mirrada”. Sempre considerei esta
passagem impressionante. Jesus regressa à sinagoga. Tinha estado a passear pelo
campo. Os discípulos comeram grão pelo caminho. São, por isso, acusados de
terem violado o sábado. Mas Cristo responde às autoridades judaicas que até os
homens de David comeram os pães da proposição no Sábado, quando não encontravam
mais nada. “O Sábado é para o homem, e não o homem para o Sábado.” Então Cristo
denomina-se “Senhor do Sábado”. Esta afirmação significa que se está a
identificar com Deus.
O que acontece de seguida? Um homem com a mão mirrada
apresenta-se. Não temos razões para pensar que a mão não estava seriamente
deformada, nem que o incidente tenha acontecido. Cristo sabe que está a ser
observado. Os líderes judaicos estão à procura de algo com que o acusar. Já o
tinham considerado implicitamente culpado por blasfémia, réu de morte. Mas têm
cautela. A sua conduta enfurece Cristo. O que é que Ele faz? Ordena ao homem que
se aproxime.
Cristo faz uma pergunta a quem o observa. “É lícito no
sábado fazer bem, ou fazer mal?” Os líderes sabem que é uma pergunta perigosa.
Não respondem, para não ficar mal diante da sinagoga. Ficam “em silêncio”.
Cristo olha-os com “indignação”. O seu silêncio é malicioso. Se o homem for
curado, mesmo no Sábado, é claramente uma boa obra. O demónio não consegue
fazer tal coisa. Ninguém o pode chamar mal.
Mas os fariseus calculam que tal acção violaria as leis
rígidas sobre o trabalho ao Sábado. Eles pensam que o homem é feito para o
Sábado. A lei governa qualquer contingência. Até uma boa obra é proibida. Mas
claramente reconhecem aqui algo contraditório. É por isso que ficam em
silêncio. Não querem ficar mal. Mas também não mudam de ideias.
Cristo cura o homem da mão mirrada |
Cristo diz ao homem para estender a sua mão. Ele fá-lo.
“Foi-lhe restituída a sua mão, sã como a outra.” Se não tivesse sido
restituída, Cristo teria sido gozado como um impostor. Mas a mão é restituída.
Os fariseus não pedem confirmação da cura. É evidente para todos, incluindo
para o homem em questão e outros espectadores, que a mão foi restituída. Os fariseus
podem não gostar, mas vêem a mão sã.
Como é que se explica a acção dos líderes da Sinagoga? Eles
negam as implicações daquilo que acabaram de ver. Fecham as suas mentes. Não
reconhecem qualquer lógica na Bíblia que os permita aceitar as premissas do
evento que acabaram de testemunhar. Isso obrigá-los-ia a seguir a Jesus, e não
as suas opiniões.
De seguida vemos uma das passagens mais assustadoras de todo
o Evangelho. Os fariseus “saem”. Para quê? “Tomaram logo conselho com os
herodianos contra ele, procurando ver como o matariam”. As provas de autoridade
divina não contam contra a sua própria compreensão da autoridade divina. Eles
negam a autoridade divina em nome da autoridade divina.
Se alguma vez questionar como é que fiéis ou pensadores inteligentes
podem estar diante de verdades evidentes de razão ou revelação e continuar a
negá-los a favor das suas opiniões preferidas, eis a razão. Nunca nos devemos
espantar com aqueles, mesmo “crentes”, que rejeitam os elementos básicos da fé
ou da razão porque não batem certo com a sua visão do que Deus “devia” ser, mas
claramente não é.
Esta reacção é pouco comum? Não me parece. Acontece todos os
dias entre nós. Continua a deixar Cristo “condoído”? Desconfio que sim. Os
principais opositores da fé, tal como nos ensina a história judaica, são
frequentemente aqueles que lhe deviam ser mais próximos. Os seus maiores
inimigos estão dentro de portas. Eles sabem bem o que fazem. Fecham as suas
mentes.
James V. Schall, S.J., é professor na Universidade de
Georgetown e um dos autores católicos mais prolíficos da América. O seu mais
recente livro chama-se The
Mind That Is Catholic.
(Publicado pela primeira vez na Terça-feira, 4 de Fevereiro
de 2014 em The
Catholic Thing)
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