Randall Smith |
Há vários anos houve um
terramoto terrível no Haiti. Todos os dias, quando eu ia à missa, o padre
rezava durante a oração dos fiéis pelas pessoas do Haiti. Várias semanas mais
tarde, porém, quando o Haiti deixou de figurar na primeira página do “New York
Times”, já não estávamos a rezar “pelo povo do Haiti”. Lembro-me de dizer a mim
próprio: “Não me parece que esteja tudo bem agora no Haiti. De facto, acho que
as coisas estão bastante terríveis”. Então porque é que deixámos de falar do
povo do Haiti?
Há muitas razões pelas quais
não é boa ideia basear as orações na missa no que encontramos nas manchetes do
dia, uma das quais é a natureza efémera e transitória do ciclo noticioso
moderno.
Esta é uma razão pela qual eu
prefiro a prática dos ritos orientais de percorrer uma longa lista de orações
intercessórias por uma série de coisas: agricultores, líderes políticos,
operários, famílias, desempregados, prisioneiros, perseguidos, e por aí fora,
em todas as celebrações – orações que não estão dependentes do ciclo noticioso.
Neste momento muitos de nós
estamos a rezar pela Ucrânia e pelo povo ucraniano. E é assim que devia ser.
Mas temo que a situação na Ucrânia não melhore tão depressa. O cenário mais
provável, temo, é que Putin consiga sujeitar a Ucrânia à sua tirania. Se isso
acontecer os jornalistas serão expulsos do país e as imagens grotescas que
agora estamos a ver deixarão de surgir – tal como nunca aparecem da China ou do
Irão. As notícias sobre a Ucrânia desaparecerão das primeiras páginas do “New
York Times” e de outros dos principais jornais. Então ainda veremos alguém a
rezar pela Ucrânia? Ou será que as orações cessam quando a Ucrânia deixar de
ser “notícia”?
Neste momento as nossas
emoções estão ao rubro. Mas este combate não vai acabar tão depressa para o
povo ucraniano. Mesmo que eles saiam desta invasão com a sua soberania intacta,
a reconstrução levará décadas. As pessoas gritam: “Ucrânia, estamos convosco!”.
Ainda bem. Mas por quanto tempo? Duas semanas? Enquanto nos souber bem? A nossa
tendência para a superficialidade deve-nos fazer pensar.
Conheço um professor
universitário que tinha um póster na porta do seu gabinete com a famosa
fotografia do chinês que, durante os protestos de Tiananmen, em 1989, se
posicionou diante de uma coluna de carros de combate – ficou conhecido como o “Tank
Man”. Lembro-me que na altura as pessoas diziam que tudo iria ser diferente,
que o Governo comunista chinês seria obrigado a mudar, que tinha os dias
contados, tal como dizem agora sobre Putin e os russos.
Mas não foi isso que aconteceu
na China. O mais provável é que o “Tank Man” tenha sido executado dias depois
dessa famosa fotografia, e sabemos que milhares de outros alunos foram
massacrados em Tiananmen. E anos mais tarde, quando o tal professor foi
visitado no seu gabinete por um aluno chinês, este perguntou. “Porque é que tem
essa fotografia na porta? Sabe que isso nunca aconteceu, certo? É só uma peça
de propaganda ocidental.”
"Tank men" na Ucrânia. Qual será o seu futuro? |
Devemos, por isso, ser
brutalmente honestos. É possível que Putin conquiste a Ucrânia e a sujeite á
sua tirania; que sobreviva às sanções que o Ocidente impõe ao seu governo; que
tome nota dos russos que se opõem a ele e os destrua agora que se revelaram,
deixando-o numa posição mais forte que nunca. E é perfeitamente possível que
dentro de uma ou duas décadas muito poucas pessoas se recordem das terríveis
atrocidades cometidas pela Rússia na Ucrânia. Quantos jovens hoje sabem que a Rússia
enviou carros blindados para a Checoslováquia em 1968 para esmagar as
manifestações contra o Governo comunista durante a chamada “Primavera de
Praga”?
Então, se a ideia é estarmos
“com a Ucrânia” – e espero que seja – é bom que estejamos prontos a estar “com
a Ucrânia” a longo prazo. Porque por mais que queiramos que este espetáculo de
terror acabe dentro de uma semana, o mais natural é que isso não aconteça. E
nem todas as lutas contra o mal têm o final feliz dos filmes da Marvel. Às
vezes os maus vencem, e não dá para voltar atrás no tempo e tentar outra vez.
Os mortos permanecem mortos, e temos de viver com isso.
Continuaremos a rezar pelos
ucranianos e a fazer sacrifícios para ajudar quando já não estiverem nas
manchetes, quando os media tiverem passado para outro pseudo-evento pensado
para excitar os espetadores e aumentar as audiências? Espero que sim. Caso
contrário, dentro de 10 anos os jovens estarão a perguntar: “Então, está a
dizer que a Rússia invadiu a Ucrânia? Pensei que tinha feito sempre parte da
Rússia”. E os universitários russos dir-lhes-ão: “E fez. O boato de que não fez
é apenas propaganda ocidental”.
A verdade é a primeira baixa
na guerra. E com demasiada frequência essa ferida infecta e espalha-se, em vez
de sarar. O povo heroico da Ucrânia merece mais do que apenas o mais recente
ciclo noticioso. Merece o nosso compromisso a longo prazo, as nossas orações
contínuas e a nossa devoção absoluta a viver na verdade em vez de numa
enganadora teia de mentiras, ou o conforto fácil de um esquecimento
conveniente.
Randall Smith é professor de
teologia na Universidade de St. Thomas, Houston.
(Publicado pela primeira vez
em The
Catholic Thing na terça-feira, 8 de Março de 2022)
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