Joseph R. Wood |
O Professor Joseph H. H. Weiler, da New York University Law School é um homem pouco comum. Nascido na África do Sul, serviu nas forças armadas de Israel e foi educado na Europa antes de rumar para os Estados Unidos. É especialista tanto em comércio como em direito constitucional e defendeu, com sucesso, o direito do Estado italiano de exibir o Crucifixo nas salas de aula diante do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
Quando visitei o seu gabinete, há uns anos, os meus olhos
foram atraídos imediatamente por uma fotografia da sua família a ser recebida
pelo Papa (agora Santo) João Paulo II. Não era propriamente típico para um
judeu devoto. Mas não é preciso mais do que dois dedos de conversa com ele para
ver o espírito generoso e o grande coração que João Paulo II teria admirado. A
palavra que melhor o descreve é o iídiche mensch.
Weiler estudou com atenção o Novo Testamento e, em
particular, o julgamento de Jesus. Durante vários anos leccionou um curso sobre
essa matéria na NYU Law School que atraía alunos judeus, católicos e
protestantes.
Em 2010 proferiu o prestigiada Conferência Erasmus sobre
o julgamento e resumiu o seu argumento num
ensaio publicado na First Things. O ensaio conclui com esta questão séria:
“Não será então possível que, neste julgamento duplo, de Jesus e dos Judeus,
todos estavam a seguir o caminho de Deus?”
Como é que isso é possível? Será que ao condenar Jesus e
ao pedir aos seus governantes romanos para o crucificar, as autoridades
judaicas estavam a fazer a vontade do Deus de Abraão, Isaac e Jacob, e no
entendimento da fé cristã, do Deus-homem que morreria e ressuscitaria?
Há aspetos estranhos deste julgamento, na forma como é
representado nos Evangelhos. O facto de os líderes judeus terem decidido sequer
ter um julgamento é estranho. Sem a comunicação social a melgar, porque é que
não teriam escolhido a opção mais simples de fazer Jesus “desaparecer”? Cristo
poderia ter escapado à tentativa de assassinato quando passou por entre a
multidão enfurecida, mas o concelho judaico poderia não saber isso.
No julgamento chamaram testemunhas, mas elas
contradisseram-se. Não conseguiriam ter arranjado um par de testemunhas que,
com um pouco de “encorajamento”, concordassem numa acusação? Aparentemente os
responsáveis judeus acreditavam que precisavam de ter pelo menos a aparência de
um julgamento justo.
E acabou por não ser um testemunho verdadeiro ou falso,
mas sim as próprias palavras de Jesus que levaram à sua condenação.
Weiler nota que existe uma “dualidade” nas palavras de
Jesus através dos Evangelhos. Ele diz que não veio mudar uma única vírgula na
lei, mas para a cumprir. Ao ouvir estas palavras, os chefes dos judeus
certamente pensaram no que seria esse “cumprimento”. Seria o próprio Jesus o cumprimento
da lei, como chegou a dizer uma vez quando ensinava na sinagoga?
Segundo Weiler, a maioria das afirmações controversas de
Jesus estavam dentro dos limites do debate aceitável. Discutir a
permissibilidade de colher espigas no Sábado não era uma ofensa capital. Mas
afirmar ser o Senhor do Sábado poderá ter ultrapassado esse limite. Os escribas
e os doutores da lei teriam ouvido essas palavras e compreendido que Jesus
estava a reivindicar para si uma divindade blasfema para qualquer mortal, mas
de forma ambígua.
O julgamento tinha por objetivo clarificar essa
ambiguidade. Mas Jesus diz pouco no julgamento, não nega nada e deixa o tribunal
ainda incerto sobre o seu “estatuto”. As suas palavras são tomadas como uma
confirmação da sua apresentação blasfema de si mesmo enquanto Deus.
Weiler encontra em Deuteronómio 13, 1-5 uma explicação
possível para o comportamento do tribunal.
H. H. Weiler |
As autoridades judaicas eram responsáveis por tomar
decisões que sustentariam, ou deixariam de sustentar, o dever sagrar dos judeus
na aliança com Deus. Entenderam que Jesus os estava a colocar em posição de
serem eles julgados à luz do mandamento de Deus em Deuteronómio.
Seria Cristo o profeta referido em Deuteronómio 13,
pensaram. Os seus milagres eram verdadeiros, tal como previsto naquela
passagem, não se tratava de ilusionismo. Sem qualquer conhecimento da Trindade,
as suas palavras poderiam ser entendidas como um incitamento aos Judeus para seguirem
outro Deus: ele mesmo, que se afirmava como sendo a verdade e a vida e o filho
do Homem.
Parece inegável que Cristo disse aos seus discípulos que
teria de morrer para cumprir a sua missão salvífica. Os esforços de Pedro para evitar
essa morte provocaram uma das mais severas reprimendas de Cristo: “Vá de retro,
Satanás”. Cristo também lhes disse que era melhor que ele partisse, para que o Advogado
lhes fosse enviado no Pentecostes.
Por isso, ao condenar Jesus e pedir a sua execução,
estariam os líderes dos judeus, sem o saber, a ser agentes da vontade de Deus
de que Cristo fosse morto, abrindo assim caminho para a Ressurreição e a vinda
do Espírito Santo para todos os povos?
E estariam simultaneamente a cumprir o mandamento imposto
por Deuteronómio, na qualidade de povo escolhido na aliança com Deus?
Weiler não afirma que a sua leitura seja uma solução
livre de problemas, que resolve todas as questões. Mas é, pelo menos, uma questão
passível de debate teológico.
E parece-me ainda que a tese de Weiler, com o seu
conhecimento profundo das escrituras, não deve ser mais difícil de aceitar do
que a ideia de que com Cristo a morte é vida, ou que uma Virgem pode dar à luz
um homem que é Deus. O Deus omnipotente não se contradiz, mas as suas obras são
insondáveis.
Joseph Wood é professor no Instiute of World Politics em Washington D.C. e colaborador na Cana Academy.
(Publicado pela primeira vez na sexta-feira, 7 de maio de
2021 em The
Catholic Thing)
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