Pe. Paul D. Scalia |
A distinção encontra-se no seguinte. O hipócrita fez as
pazes com a divisão que existe dentro dele; o pecador luta contra ela. É
verdade que pode lutar mal, e perder mais vezes do que ganha, mas
independentemente disso, continua a resistir a esta desintegração interior. O
pecador arrepende-se e tenta conformar a sua vida à verdade. O hipócrita
recusa-se a arrepender-se e, em vez disso, procura deturpar a realidade para se
encaixar na sua forma de viver. Tornou-se, talvez sem o perceber, confortável
com a sua divisão interior.
A diferença entre o hipócrita e o pecador explica porque
é que reagimos de forma tão diferente quando confrontados por eles. Podemos
ficar zangados ou frustrados com o estado pecaminoso de um homem, ou então
podemos ter pena da sua fraqueza. Mas o hipócrita é diferente. Sentimos que ele
sofre de uma fundamental desonestidade mais profunda. É perigoso de uma forma
que o pecador não é. Enquanto que o pecador se desvia ocasionalmente do seu
caminho (talvez até frequentemente), o hipócrita perdeu a bússola.
Esta é a diferença entre os dois filhos na parábola do
Senhor do passado domingo (Mt. 21, 28-32). Enquanto que ambos falham, o
primeiro é capaz de se arrepender e o segundo não. O pecado do primeiro é a sua
rebeldia, o segundo já se tornou confortável na sua duplicidade. O primeiro é
simplesmente um pecador, o segundo é um hipócrita.
Tal como em muitas outras parábolas, o Senhor dirige esta
“aos chefes dos sacerdotes e do povo”. O ponto não é simplesmente que estes
homens pecaram. Nosso Senhor faz questão de os distinguir dos pecadores, dos
cobradores de impostos e das prostitutas, que entrarão antes deles no Reino dos
Céus. Não, neles existe uma falha mais profunda do que o pecado, pior do que
qualquer pecado em particular. São homens que se tornaram confortáveis com a
divisão no seu seio, que trocaram a integridade pelo poder. São, como Jesus diz
noutras partes dos Evangelhos, hipócritas.
Reagimos de forma visceral contra a hipocrisia precisamente
porque sentimos o seu poder desintegrador da pessoa. A hipocrisia implícita nos
escândalos eclesiais enfurece-nos mais do que os pecados propriamente ditos.
Igualmente, a hipocrisia dos nossos famosos políticos pró-aborto é, de certa
forma, pior do que qualquer pecado particular ou falha moral habitual. Tornaram-se
tão confortáveis com esta sua desintegração interna que conseguem afirmar-se católicos
ao mesmo tempo que defendem a causa do aborto.
O oposto da hipocrisia é a integridade – aquela qualidade
que salvaguarda a unidade da pessoa. A integridade torna a pessoa inteira, em
vez de uma fracção; garante que é completa e não dividida. O homem de
integridade combinou e uniu – integrou – os vários aspectos da sua vida. O que
ele crê, pensa, diz e faz está em sintonia. E embora a integridade não seja
tecnicamente uma virtude é – ou pelo menos o desejo e o esforço de a alcançar –
o que torna a virtude possível. E a virtude, por sua vez, ajuda a aprofundar
essa integração.
Graças ao pecado original, todos experimentamos essa divisão
e conflito entre o que sabemos ser bom e verdadeiro, por um lado, e o que
desejamos e escolhemos por outro. “Não entendo o que faço. Pois não faço o que
desejo, mas o que odeio (Rom. 7,15). Quando pecamos, exacerbamos essa divisão e
arriscamo-nos a ceder à hipocrisia. Quando nos arrependemos encontramos a cura
para essa divisão. “Simplex fac cor meum”, reza o salmista, (Ps. 86,12): torna
o meu coração simples, completo e inteiro.
O mundo espera que os cristãos sejam, acima de tudo,
homens e mulheres de integridade. Na verdade, quanto dano não foi causado à
evangelização pela hipocrisia dos cristãos? Então como crescemos na integridade
do coração?
Beato Fulton Sheen |
Primeiro, pela devoção à verdade. Note bem: não apenas um interesse pela verdade, mas o desejo de nos conformarmos a ela; não apenas para conhecer, mas para responder à verdade. Afinal de contas, o hipócrita também sabe recitar verdades profundas, mas ele não se conforma a elas. São Tiago avisa-nos para não sermos o tipo de pessoa que considera a verdade interessante, mas não determinativa:
Sejam praticantes da palavra, e não apenas ouvintes,
enganando-se a si mesmos.
Aquele que ouve a palavra, mas não a põe em prática, é
semelhante a um homem que olha a sua face num espelho e, depois de olhar para
si mesmo, sai e logo esquece a sua aparência. Mas o homem que observa
atentamente a lei perfeita que traz a liberdade, e persevera na prática dessa
lei, não esquecendo o que ouviu mas praticando-o, será feliz naquilo que fizer.
(Tiago 1:22-25)
Ou, como diria o beato Fulton Sheen, “Se não conformares
o teu comportamento às tuas crenças, acabarás por conformar as tuas crenças ao
teu comportamento”.
Em segundo lugar está a devoção ao Sacramento da
Reconciliação. A diferença entre o pecador e o hipócrita é que o pecador se
arrepende. O nosso crescimento na integridade do coração requer não apenas uma
visita ocasional ao confessionário, mas o alinhar da nossa vontade com a de
Deus através da frequência desse sacramento. Na confissão não tentamos refazer
a nossa realidade à nossa medida, mas tentamos conformar as nossas vidas à
vontade de Deus.
Talvez a acusação mais comum que se faça contra os católicos
(e contra os cristãos em geral) é de que somos hipócritas. É verdade que muitas
vezes é uma acusação infundada. Todavia, vamos fazer todos os esforços para
que, por mais que sejamos pecadores, não sejamos hipócritas.
O Pe. Paul Scalia (filho do falecido juiz Antonin Scalia,
do Supremo Tribunal americano) é sacerdote na diocese de Arlington e é o
delegado do bispo para o clero.
(Publicado pela primeira vez no domingo, 27 de setembro de
2020 em The Catholic Thing)
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