Stephen P. White |
Mas não é só à conta da pandemia que esperamos nestes
dias. O lançamento do prometido relatório sobre o ex-cardeal McCarrick está “iminente”
– nos vários sentidos da palavra – há pelo menos cinco semanas. Havia boatos de
que estava prestes a ser lançado o mês passado, mas a pandemia parece ter posto
fim a isso.
Alguns interpretaram o adiamento de forma cínica, Roma
a usar a pandemia como desculpa para empatar um relatório que preferia não ter
de publicar. Pelo menos é esse o argumento. Por outro lado, publicar o
relatório numa altura em que todo o mundo está a entrar em estagnação social e
económica, com as atenções da imprensa focadas noutro lado, poderia ser interpretado
como sendo tão cínico como empatar. Seja qual for a razão de Roma – cínica, de
boa fé ou outra – esperamos.
A espera paciente (ou impaciente, como parece ser o
caso) tem sido parte desta crise eclesial há décadas. É interessante, como exercício
espiritual, refletir sobre a tensão entre o zelo por reforma genuína, por um
lado, e a paciência para com o ritmo frustrante de renovação, por outro. A
Igreja sofreu danos graves às mãos daqueles que estavam impacientes com a reforma,
mas também veio muito mal por causa dos fiéis que foram demasiado tímidos,
complacentes ou deferenciais.
Tenho pensado muito, recentemente, sobre esta tensão
entre a acção e a paciência – e as bênçãos e os perigos de ambos. Tem vindo à
minha mente três grupos de pessoas e organizações em particular, cujas acções
têm sido muito prejudiciais para a Igreja, quando vistas em isolamento. Mas as
acções desses mesmos grupos têm sido, a longo prazo, uma força importante a
impelir a Igreja na direcção certa. Estou a pensar na imprensa, nos advogados e
nos grupos de defesa de vítimas de abusos.
Quem não se lembra da importância do papel desempenhado
pela imprensa (sobretudo a imprensa escrita) na revelação dos abusos – e do
respectivo encobrimento – nos Estados Unidos, em especial em Boston. O filme “Spotlight”
venceu o Oscar para melhor filme em 2016 e mostra a tenacidade dos repórteres
de investigação do “Boston Globe”, que finalmente deram voz às vítimas de
abusos sexuais praticados por membros do clero.
Mas 30 anos antes, quando Jason Berry estava a escrever artigos a expor os comportamentos predatórios do Pe. Gilbert Gauthe para um
jornal local em Baton Rouge, Louisiana, já não era tão evidente para o público
em geral que era o jornalista que estava a dizer a verdade, quanto mais que era
um herói.
Ex-cardeal McCarrick |
Os media enganam-se em relação a muitas coisas da
Igreja Católica. Alguns jornalistas simplesmente têm preconceitos contra ela.
Alguns são influenciados por uma agenda, ou odeiam a Igreja. Outros odeiam o
conceito do celibato, ou a defesa dos nascituros, ou a sua “homofobia” e “misoginia”.
Todas as desculpas habituais se aplicam. Mas não há como negar que a cobertura
agressiva, tenaz e por vezes (sim) até feroz ajudou a forçar a Igreja a abordar
problemas profundos que frequentemente preferia ignorar ou negar.
Depois temos os advogados. Alguns já ganharam centenas
de milhões de dólares a processar a Igreja Católica. E como Peter Steinfels mostrou
(a meu ver convincentemente) no verão passado na revista “Commonweal”, os
procuradores também estão prontos a usar a crise como uma ferramenta política
ou a espicaçar o ressentimento contra a Igreja Católica. Não é óbvio que seja justo
levar dioceses à bancarrota por crimes cometidos por padres mortos há anos e encobertos
por bispos mortos há anos. Mas haverá dúvidas de que o medo de uma calamidade
financeira ainda maior tem motivado uma geração (ou mais) de bispos que
pareciam preocupar-se mais com o seu legado institucional – o património – do que
sobre a salvação das almas (e dos corpos) dos fiéis?
E depois temos os grupos de defesa das vítimas – Bishop Accountability, Spirit Fire, SNAP – a lista é longa.
Algumas destas pessoas têm sido um espinho no lado dos bispos há décadas e
décadas. Alguns têm sido fonte de graça e de cura. A maioria têm sido ambos.
Também aqui, como no resto da Igreja, encontramos um misto: santos e malucos, activistas
e hereges, sobreviventes e zelotas e pessoas que simplesmente querem ajudar ou
dar a mão. Muitos destes grupos têm sido a única fonte de solidariedade para
pessoas que foram abusadas, dispensadas e descartadas.
Mas o meu ponto não passa simplesmente por mostrar que
todos temos bem e mal dentro de nós. Isso seria banal na melhor das hipóteses,
maniqueísta na pior. Antes, o objectivo é mostrar que se vamos levar a sério a
verdade de que tudo concorre para o bem de quem ama a Deus, então temos duas
coisas por garantido: devemos ser muito, muito gratos… e incrivelmente
humildes.
Mesmo enquanto esperamos.
Stephen P. White é investigador em
Estudos Católicos no Centro de Ética e de Política Pública em Washington.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na Quinta-feira, 30 de
Abril de 2020)
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