Pelo meio temos padres a anunciar missas em drive-in, outros
a lamentar as decisões em homilias gravadas, fiéis a lançar e a assinar
petições. Há muita revolta no ar, mas parece-me haver, acima de tudo, falta de
certezas.
A decisão de só abrir as missas aos fiéis no final do mês
pode ser inteiramente defensável. No máximo, será discutível. Não é isso que
está em causa. O que interessa é saber se a decisão foi tomada em diálogo com as confissões religiosas ou é uma imposição.
É o Governo que está, fora de um estado de emergência, a
proibir as missas com fiéis? Pelo que percebo de Direito (pouco, mas tento ler
de quem percebe), não o pode fazer.
Mas o facto de ter sido o Governo a anunciar a decisão
não significa que ela tenha sido tomada unilateralmente pelo Governo. Sabemos
que António Costa tem estado em contacto com os bispos e por isso esta pode
perfeitamente ter sido uma decisão alcançada em conjunto, ou sugerida pelo
Governo e aceite pelos bispos, ou mesmo tomada unilateralmente pelos bispos e
aceite e anunciada pelo Governo.
As afirmações do Bispo do Porto à Renascença permitem concluir que pelo menos
não parece haver qualquer discordância por parte dos bispos em relação a esta
decisão. Mas não nos diz mais do que isso.
Hoje a CEP emitiu um comunicado em que a questão poderia ter
ficado esclarecida, mas não ficou. Lê-se: “Através da Resolução do Conselho de
Ministros n.º 33-C/2020, que estabelece uma estratégia de levantamento de
medidas de confinamento no âmbito do combate à pandemia da doença COVID-19, o
Governo decidiu para 30-31 de maio, no que diz respeito a ‘cerimónias
religiosas’, o reinício das ‘celebrações comunitárias de acordo com regras a
estabelecer entre DGS e confissões religiosas’.”
“Tendo em conta somente estes elementos, a retomada
gradual das celebrações comunitárias da Eucaristia, já anunciada pelo Governo,
deverá iniciar-se, em princípio, a 30 maio, véspera da Solenidade do
Pentecostes. A data depende ainda da avaliação que o Governo se propõe fazer da
situação, nesta primeira etapa do desconfinamento. As Dioceses insulares terão
em conta as indicações das respetivas autoridades regionais.”
O sublinhado é meu e serve para mostrar a frase chave. Afinal,
ao que parece, foi o Governo que decidiu. Mas mesmo isto é vago. O Governo decidiu
depois de escutados os bispos? Decidiu com base na recomendação dos bispos?
Tudo isto continua a ser possível. Alguém há de saber, mas nós não.
Temos então dois cenários.
Se estamos perante uma imposição do Governo, tout
court, independentemente de os bispos acharem boa ideia, é uma coisa grave.
O Governo não tem de decidir estas coisas, quem tem de decidir são os bispos.
Há processos que é preciso respeitar precisamente para garantir a independência
da Igreja e a liberdade religiosa. Julgo que a maioria das reações de revolta
que tenho visto existem porque as pessoas estão a partir do princípio que foi
isso que aconteceu. Contudo, pode não ser!
Se tudo foi feito nos conformes, então as petições, as
missas drive-in e as homilias reivindicativas já não são dirigidas contra o
Governo, mas sim contra os próprios bispos. E esse é um caminho insensato e
perigoso para os católicos trilharem. Infelizmente, contudo, tem-se tornado
cada vez mais comum e, infelizmente, em muitos casos por parte de católicos que
deveriam ser os primeiros a defender a autoridade dos bispos.
Todos queremos o regresso das missas, e todos queremos contribuir
da melhor maneira para que esta pandemia passe. O que parecia que ia ser um tempo
de privação espiritual tornou-se, ao longo destes dois meses, uma fonte de
grande riqueza, com as famílias a descobrirem novas formas de viver a sua fé e
de a partilharem. Pelo menos tem sido assim com a minha, e com muitas que
conheço. Temos podido compartilhar um pouco o sofrimento de tantas comunidades
cristãs no mundo que estão privados dos sacramentos, por razões de segurança,
de distância ou de escassez de vocações.
Há de passar, mais cedo ou mais tarde. Se for no dia 30
de maio, que seja. Se for mais cedo, glória a Deus!
Mas seria uma tragédia se agora caíssemos na tentação – e
é uma tentação – de transformar esta recta final numa desculpa para nos dividirmos
e nos colocarmos uns contra os outros e contra os nossos bispos.
Dito tudo isto, queria terminar dizendo apenas que tudo
isto seria bastante fácil de evitar. É uma questão de comunicação. Os bispos
podem – e devem, a meu ver – falar abertamente e pessoalmente – não apenas
através de comunicados – com o seu rebanho para explicar quem tomou esta
decisão e porquê.
E a nós, suas ovelhas, cabe apenas aceitar e dar graças a
Deus.
Afino perfeitamente por estas deduções sobre a situação e a minha oração hoje antes de assistir à missa passou exactamente por me sentir interpelada à obediência à santa Mãe Igreja. Curiosamente, D. Manuel Clemente na sua homilia expôs e explicou os critérios que pautam as escolhas de desconfinamento. Podem ouvir na TVI entre as 11:10 e as 12:00.
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