David Carlin |
Newman
escreveu e proferiu um enorme número de homilias tanto na metade protestante da
sua vida, como na metade católica. Há dias calhou ler uma das homilias
católicas sob o título: “A Fé e o Juízo Privado”. Aí ele argumenta que os
protestantes não têm fé, no mesmo sentido em que os católicos.
Os
católicos, escreve, são dóceis. Aceitam como verdadeiras as doutrinas da
Igreja, sem se reservarem ao direito de as julgar; sem se reservarem o direito
de decidir por si se são, ou não, verdadeiras.
Isso
não significa que os católicos não exerçam a capacidade de julgar. Pelo
contrário, têm de decidir por si se a Igreja Católica é a verdadeira Igreja,
criada originalmente por Cristo, há dois mil anos. Mas depois de decidir, como
Newman fez quando tinha quarenta e tal anos, renunciam o direito de julgar as
doutrinas da Igreja. A partir desse ponto escutam e aceitam.
Já
os protestantes, por outro lado, acreditam possuir o direito de julgar as
doutrinas do Cristianismo; o direito a decidir se são falsas ou verdadeiras.
Trata-se do importante princípio protestante do juízo privado, que surgiu no
Cristianismo no tempo da Reforma.
O
protestantismo tinha rejeitado a autoridade do Papa e dos bispos para ensinar, substituindo-o
pela autoridade da Bíblia – “A Bíblia, toda a Bíblia e nada para além da
Bíblia”, como alguém viria a dizer mais tarde. Mas isso deu aso a uma nova
dificuldade. A Bíblia como infalível, certo, mas quem pode decidir com
autoridade o que é que a Bíblia diz verdadeiramente?
Não
podem ser o Papa e os bispos, como acreditam os católicos, porque os
protestantes já os tinham rejeitado.
Teoricamente,
poderia ser um future concílio, mas na prática nunca mais haveria um concílio
aceitável para os protestantes. Houve um católico, sem a presença de qualquer protestante,
mas nunca houve um concílio protestante, nem poderia haver, dada a fragmentação
do protestantismo.
Talvez
os reis, ou outros governantes? Mas isso era obviamente absurdo e por isso
ninguém poderia acreditar. Como é que um Rei haveria de conhecer melhor o
sentido da Bíblia do que um ministro sincero ou um leigo?
No
final de contas o protestantismo não teve outra escolha que não permitir às
pessoas que decidem por si o que a Bíblia quer dizer. Os críticos católicos
apontam para um problema óbvio neste princípio de juízo privado: se vinte
pessoas lerem a Bíblia, podem bem retirar dela vinte interpretações diferentes.
O princípio de Juízo Privado levaria à fragmentação do Cristianismo, e foi isso
mesmo que aconteceu.
Ao longo dos séculos
os protestantes utilizaram três estratégias para tentar impedir, mitigar ou
corrigir esta fragmentação.
Miguel Servet |
Perseguição: Calvino
mandou queimar Miguel Servet em Genebra. Em Inglaterra a rainha Isabel I
perseguiu os católicos e os puritanos. Na Nova Inglaterra, nos Estados Unidos,
os puritanos de Massachusetts Bay perseguiram Roger Williams, Ann Hutchinson e
os Quakers.
Ecumenismo: As
denominações moderaram a sua hostilidade umas para com as outras ou colaboraram
de diversas formas, ou então fundiram-se mesmo.
Moralidade cristã: A
doutrina foi minimizada para enfatizar tudo aquilo sobre o qual os protestantes
concordam moralmente. Depois defendeu-se que a moralidade constituía o
essencial do Cristianismo, e que a doutrina era apenas de importância
secundária, ou meramente ornamental.
Nenhuma destas
estratégias resultou, incuindo a última, a cujo colapso temos assistido no
nosso tempo. No mundo protestante dos Estados Unidos, hoje, existe algum
consenso universal sobre moralidade, mas não muito.
Por exemplo, todos os
protestantes concordam que é errado assaltar bancos, ou bater na avó com um
taco de baseball. Mas no que diz respeito à moralidade sexual e ao aborto, os
protestantes liberais e conservadores estão em desacordo total. Não podiam
estar mais distantes.
Os conservadores ainda
aderem ao ensinamento antigo do Crisianismo de que a fornicação, coabitação
antes do casamento, actos homossexuais e aborto são pecados graves. Mas os
liberais, pelo contrário, argumentam que (pelo menos em muitas circunstâncias)
nenhuma destas coisas é pecado.
E quando os
conservadores acusam os liberais de ignorar a Bíblia, os liberais respondem: “De
todo. Como bons protestantes que somos, temos direito ao juízo privado, tanto
quanto Lutero, Calvino, João Knox e Cotton Mather tinham. E, segundo a nossa
interpretação da Bíblia, os mandamentos do Novo Testamento para “amar o próximo”
e “não julgar” anulam todos os antigos tabús. Jesus está-nos a dizer que os
cristãos de hoje devem aceitar o aborto e o casamento homossexual. Jesus está
em sintonia com os tempos modernos, e nós também. Vocês, pobres conservadores,
é que não.”
Se o juízo privado é a
característica marcante do protestante, então a maioria dos católicos americanos,
hoje, são de facto protestantes. É cada vez mais raro encontrar católicos que
acolham os ensinamentos da Igreja como Newman dizia ser correcto, de acordo com
a fé, de forma dócil.
Tal como os americanos
não-católicos, os católicos arrogam-se o direito de pensar por eles sobre todas
as coisas – incluindo as verdades religiosas. Logo, dezenas de milhares de
católicos americanos utilizam aquele antigo recurso protestante, o juízo privado,
para discordarem da Igreja no que diz respeito à contracepção, o sexo antes do
casamento, aborto e casamento homossexual – e (calculo, embora não saiba ao
certo) a divindade de cristo, a presença real na Eucaristia, o nascimento
virginal e a Ressurreição.
Em grande medida o catolicismo americano tornou-se uma
forma de protestantismo. E, pior, uma forma de protestantismo liberal.
David Carlin é professor de
sociologia e de filosofia na Community College of Rhode Island e autor de The Decline and Fall of
the Catholic Church in America
(Publicado pela primeira vez na sexta-feira, 14 de Dezembro de 2018
em The Catholic Thing)
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