Wednesday 5 December 2018

Apresentando a Lei de Hubble-Lemaître

Michael Baruzzini
No passado dia 29 de Outubro a União Astronómica Internacional anunciou a sua recomendação de que se passasse a referir à “Lei Hubble” como a “Lei Hubble-Lemaître”. Esta lei relaciona a distância das galáxias com o seu afastamento da Terra. Entre outras provas, as suas extrapolações sugerem que todo o cosmos teve origem num único ponto que, no passado mais remoto, se expandiu até ao que temos agora. Atualmente conhecemos essa teoria como o “Big Bang”.

Há muito tempo que o astrónomo americano Edwin Hubble, que mediu os redshifts de galáxias distantes – o que tem a ver com a velocidade a que se distanciam da Terra – tem o seu nome associado a esta descoberta. Mas na verdade o primeiro a derivar as leis sobre a expansão do cosmos, propondo que o universo tenha tido a sua origem num único e antigo ponto, foi o padre belga Georges Lemaître. Esta sua contribuição para a ciência tem estado a ser mais reconhecida ao longo dos últimos anos, incluindo através de gestos como esta mais recente recomendação da União Astronómica.

Diz-se tantas vezes que a fé e a ciência se opõem que é bom ver um padre, sobretudo um padre moderno, a ser reconhecido por um contributo importante no domínio científico. Mas mais do que meramente provar que os católicos também têm o seu lugar no mundo das ciências, esta ligação entre um clérigo católico e a teoria do Big Bang é significativa de uma perspetiva especial e irónica.

A teoria do Big Bang é uma cosmologia que fornece um pano de fundo para toda a nossa compreensão atual do cosmos como uma coisa histórica e em evolução. Se podemos dizer que a cosmologia clássica, com as suas esferas ordenadas e arrumação geométrica, ressoava na mente católica pela forma como sublinhava a ordem hierárquica, então também é verdade que a cosmologia moderna tem a ver mais com o instinto católico para a narrativa.

Segundo a ciência moderna, tal como na visão católica, o cosmos não é composto por uma homogeneidade eterna e imutável (tal como formulado na teoria do “Estado Estacionário”, que rivalizava com a do Big Bang no início do Século XX); mas também não é um lugar de caos confuso, com seres complicados a surgir, aparentemente de lado algum, como nas cosmogonias pagãs. Antes, a ciência moderna apresenta-nos uma imagem na qual a complexidade rica do universo moderno radica numa singularidade causal, da qual surgem as forças físicas básicas que, interagindo, florescem no cosmos como o conhecemos atualmente.

O próprio Lemaître referiu-se a esta singularidade antiga como um “Ovo cósmico”. Utilizando uma analogia que já serviu propósitos maiores, podemos também invocar a ideia de uma semente minúscula que depois cresce e forma grandes ramos, nos quais os passarinhos pousam e fazem os seus ninhos.

De uma perspectiva material, a ciência atual afirma que desta semente cósmica surgiu a teia de galáxias, estrelas e planetas. Na formação e no final explosivo de ciclos de incontáveis estrelas, o universo enriqueceu-se com os elementos que tornam possível tudo quanto existe à nossa volta, incluindo a vida. O carismático Carl Sagan, que era céptico quanto à religião mas ajudou a popularizar a ciência moderna, gostava de dizer que “somos todos pó de estrela”. Mas o que ele, com todo o seu imaginário poético, nem imaginou foi que um dia, num pequeno planeta rochoso que gira em torno de um desses pontos de luz, o Autor de toda a história cósmica se revestiu desse mesmo pó de estrela e entrou na sua própria criação, em forma humana.

Pe. Georges Lemaître
As principais críticas ao Big Bang costumam vir do campo religioso: como é que este relato pode ser compatível com a apresentação bíblica da Criação? Mas no início a desconfiança vinha precisamente do campo oposto, por cheirar demais a religião. A Igreja proclamava uma criação “ex-nihilo” – um momento antes do qual não existiram momentos nem nada de material – e agora a ciência parecia confirmá-lo.

Em 1978 Arno Penzias e Robert Wilson ganharam o Prémio Nobel da Física pela sua observação da “radiação cósmica de fundo em micro-ondas”, que se tornou a primeira grande prova do evento a que chamamos Big Bang. Penzias viria a escrever sobre o Big Bang e o início do universo que “os melhores dados a que temos acesso conformam perfeitamente com o que eu teria previsto, caso não tivesse outro recurso que não o Pentateuco e os Salmos, ou a Bíblia completa”.

Mas cuidado. O próprio Lemaître avisou o Papa Pio XII para não tentar identificar o Big Bang com o acto da criação. Descobrir esse próprio acto é, na verdade, algo que fica para além dos propósitos da ciência. Até São Tomás de Aquino considerava que a razão pura não seria capaz de discernir se o Universo teve um começo; apenas a revelação o poderia dizer. Assim também a ciência, quando investiga as causas materiais, apenas as pode seguir até certo ponto, não pode ver para além delas.

O Big Bang pode ter sido o começo, ou talvez não. Independentemente disso, do ponto de vista científico, o Big Bang representa o evento histórico singular a partir do qual emergiu todo o mundo material, tal como o conhecemos agora, o único ponto através do qual passam todas as histórias físicas. E é na descoberta deste facto que encontramos o padre Lemaître, um padre a contribuir para a ciência, não apenas com uma perspetiva científica entre outras, mas descrevendo a teoria mais importante da história do cosmos físico.

A religião sempre teve a sua própria cosmologia, a sua história da Criação. Mas eis que descobrimos que quando a ciência usa os seus próprios instrumentos – perfeitamente legítimos – para descrever uma história compreensiva do mundo, que o primeiro a fazê-lo não foi um ateu, livre das amarras da “superstição”, mas sim um padre que não encontrou qualquer conflito entre a sua fé antiga e as descobertas revolucionárias da ciência de ponta.


Michael Baruzzini é um freelancer e editor da área científica que escreve para publicações científicas e católicas, incluindo a CrisisFirst ThingsTouchstoneSky & TelescopeAmerican Spectator e outras. É também o fundador de CatholicScience.com, que oferece currículos e recursos científicos online para estudantes católicos.

(Publicado pela primeira vez na quinta-feira, 29 de Novembro de 2018 em The Catholic Thing)

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