Michael Baruzzini |
Há muito tempo que o astrónomo americano Edwin Hubble,
que mediu os redshifts de galáxias distantes – o que tem a ver com a velocidade
a que se distanciam da Terra – tem o seu nome associado a esta descoberta. Mas na
verdade o primeiro a derivar as leis sobre a expansão do cosmos, propondo que o
universo tenha tido a sua origem num único e antigo ponto, foi o padre belga
Georges Lemaître. Esta sua contribuição para a ciência tem estado a ser mais
reconhecida ao longo dos últimos anos, incluindo através de gestos como esta
mais recente recomendação da União Astronómica.
Diz-se tantas vezes que a fé e a ciência se opõem que é
bom ver um padre, sobretudo um padre moderno, a ser reconhecido por um
contributo importante no domínio científico. Mas mais do que meramente provar
que os católicos também têm o seu lugar no mundo das ciências, esta ligação
entre um clérigo católico e a teoria do Big Bang é significativa de uma
perspetiva especial e irónica.
A teoria do Big Bang é uma cosmologia que fornece um pano
de fundo para toda a nossa compreensão atual do cosmos como uma coisa histórica
e em evolução. Se podemos dizer que a cosmologia clássica, com as suas esferas
ordenadas e arrumação geométrica, ressoava na mente católica pela forma como
sublinhava a ordem hierárquica, então também é verdade que a cosmologia moderna
tem a ver mais com o instinto católico para a narrativa.
Segundo a ciência moderna, tal como na visão católica, o
cosmos não é composto por uma homogeneidade eterna e imutável (tal como
formulado na teoria do “Estado Estacionário”, que rivalizava com a do Big Bang
no início do Século XX); mas também não é um lugar de caos confuso, com seres
complicados a surgir, aparentemente de lado algum, como nas cosmogonias pagãs.
Antes, a ciência moderna apresenta-nos uma imagem na qual a complexidade rica
do universo moderno radica numa singularidade causal, da qual surgem as forças
físicas básicas que, interagindo, florescem no cosmos como o conhecemos
atualmente.
O próprio Lemaître referiu-se a esta singularidade antiga
como um “Ovo cósmico”. Utilizando uma analogia que já serviu propósitos
maiores, podemos também invocar a ideia de uma semente minúscula que depois
cresce e forma grandes ramos, nos quais os passarinhos pousam e fazem os seus
ninhos.
De uma perspectiva material, a ciência atual afirma que
desta semente cósmica surgiu a teia de galáxias, estrelas e planetas. Na
formação e no final explosivo de ciclos de incontáveis estrelas, o universo
enriqueceu-se com os elementos que tornam possível tudo quanto existe à nossa
volta, incluindo a vida. O carismático Carl Sagan, que era céptico quanto à
religião mas ajudou a popularizar a ciência moderna, gostava de dizer que
“somos todos pó de estrela”. Mas o que ele, com todo o seu imaginário poético,
nem imaginou foi que um dia, num pequeno planeta rochoso que gira em torno de
um desses pontos de luz, o Autor de toda a história cósmica se revestiu desse
mesmo pó de estrela e entrou na sua própria criação, em forma humana.
Pe. Georges Lemaître |
As principais críticas ao Big Bang costumam vir do campo
religioso: como é que este relato pode ser compatível com a apresentação
bíblica da Criação? Mas no início a desconfiança vinha precisamente do campo
oposto, por cheirar demais a religião. A Igreja proclamava uma criação
“ex-nihilo” – um momento antes do qual não existiram momentos nem nada de
material – e agora a ciência parecia confirmá-lo.
Em 1978 Arno Penzias e Robert Wilson ganharam o Prémio
Nobel da Física pela sua observação da “radiação cósmica de fundo em
micro-ondas”, que se tornou a primeira grande prova do evento a que chamamos
Big Bang. Penzias viria a escrever sobre o Big Bang e o início do universo que
“os melhores dados a que temos acesso conformam perfeitamente com o que eu
teria previsto, caso não tivesse outro recurso que não o Pentateuco e os
Salmos, ou a Bíblia completa”.
Mas cuidado. O próprio Lemaître avisou o Papa Pio XII
para não tentar identificar o Big Bang com o acto da criação. Descobrir esse
próprio acto é, na verdade, algo que fica para além dos propósitos da ciência.
Até São Tomás de Aquino considerava que a razão pura não seria capaz de
discernir se o Universo teve um começo; apenas a revelação o poderia dizer.
Assim também a ciência, quando investiga as causas materiais, apenas as pode
seguir até certo ponto, não pode ver para além delas.
O Big Bang pode ter sido o começo, ou talvez não. Independentemente
disso, do ponto de vista científico, o Big Bang representa o evento histórico
singular a partir do qual emergiu todo o mundo material, tal como o conhecemos
agora, o único ponto através do qual passam todas as histórias físicas. E é na
descoberta deste facto que encontramos o padre Lemaître, um padre a contribuir
para a ciência, não apenas com uma perspetiva científica entre outras, mas
descrevendo a teoria mais importante da história do cosmos físico.
A religião sempre teve a sua própria cosmologia, a sua
história da Criação. Mas eis que descobrimos que quando a ciência usa os seus
próprios instrumentos – perfeitamente legítimos – para descrever uma história
compreensiva do mundo, que o primeiro a fazê-lo não foi um ateu, livre das
amarras da “superstição”, mas sim um padre que não encontrou qualquer conflito
entre a sua fé antiga e as descobertas revolucionárias da ciência de ponta.
Michael Baruzzini é um freelancer e editor da área
científica que escreve para publicações científicas e católicas, incluindo
a Crisis, First Things, Touchstone, Sky & Telescope, American Spectator e
outras. É também o fundador de CatholicScience.com, que oferece currículos e recursos
científicos online para estudantes católicos.
(Publicado pela primeira vez na quinta-feira, 29 de Novembro
de 2018 em The Catholic Thing)
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