Nota: Este texto foi escrito e enviado para publicação antes de os EUA, França e Reino Unido terem lançado ataques coordenados à Síria. Contudo, todo o teor do texto mantém-se actual.
Ao longo de séculos a “teoria da Guerra Justa” foi
proposta e desenvolvida por uma série de grandes pensadores – Cícero,
Agostinho, Aquino, Francisco de Vitória, Francisco Suárez, Hugo Grócio e
outros.
No passado o que estes pensadores tinham em comum, para
além da intenção de combater a praga incessante de guerras, era a visão do que
era a guerra. Nomeadamente, alguma nação com uma capacidade militar formidável
ameaçava outra nação, ou nações. Estas teriam então de deliberar se os seus
recursos militares eram adequados, se os meios não-militares poderiam ainda
anular a ameaça, ou se, como último recurso, a acção militar os poderia
proteger ou se tornaria a situação pior.
Os princípios sublinhados pelos teóricos da Guerra Justa
incluem: a urgência da ameaça, a viabilidade da negociação, identificação da
autoridade certa, consoante os diferentes sistemas políticos, para declarar ou
iniciar guerra, discernir se as consequências da guerra poderiam ser piores que
a rendição e ainda as considerações éticas sobre armas letais, tratamento de
prisioneiros de guerra e o sofrimento de não-combatentes, etc.
Uma imagem de exércitos perfilados, por vezes com aliados,
a enfrentar e a conquistar outros exércitos no campo de batalha, era partilhada
por todos estes teóricos, até durante a Primeira e Segunda Guerra Mundial, a
que se juntavam infantarias poderosas, explosivos, poder aéreo, submarinos e
outros produtos da engenharia moderna.
Mas o cenário começou a alterar-se seriamente durante e
depois da Segunda Guerra Mundial – arsenais nucleares, guerra de guerrilha, agentes
químicos ou biológicos tremendamente letais – em suma, a possibilidade de
mortandade em quantidades e intensidades jamais concebíveis. Se Júlio César ou
Genghis Khan tivessem uma bomba atómica provavelmente hesitariam em usá-la para
conquistar os territórios que planeavam ocupar.
Ainda a semana passada, depois de ter dito que estava
“prestes” a abandonar a Síria, o Presidente Trump ameaçou lançar mísseis contra
a Síria, por causa do ataque mortífero com armas químicas contra civis em
Douma, ocupada por rebeldes. O ministro dos Negócios Estrangeiros diz que “uma
agência de informação estrangeira” levou a cabo este ataque e um membro da
Comissão de Inquérito da ONU aponta para indícios de que os rebeldes anti-Assad
possam ser responsáveis.
De facto é estranho que Assad, que tem estado a ganhar a
guerra contra os rebeldes, tivesse provocado esta retaliação internacional
nesta altura. Mas os Estados Unidos e os seus aliados russos e britânicos estão
perfeitamente convencidos de que ele ordenou o ataque e que tem de haver uma
resposta tanto para punir a Síria e dissuadir novos ataques da mesma natureza.
É precisamente neste campo que se tornaram bastante
complicados os “juízos prudenciais” que, outrora, eram bastante simples. Uma
primeira pergunta a colocar por um teorista da Guerra Justa seria: Existe
alguma ameaça clara ao nosso país? Obviamente, a Síria não ameaça directamente,
de forma alguma, os Estados Unidos. Mas de facto, um ataque à Síria, que tem a
Rússia como aliada, poderia levar a uma nova Guerra Fria, ou pior.
O Presidente Trump lançou um ataque com mísseis à Síria
em Abril de 2017 e parece confiante que seria possível repetir a façanha sem
enfurecer o urso russo. Mas este tipo de diplomacia arriscada não se limita a
desafiar os poderes constitucionais para fazer guerra que o Presidente detém,
resultam num improviso no que toca a justificar as guerras. Para além disso, a
deposição de Assad, em vez de melhorar a situação, poderia levar os extremistas
islâmicos ao poder, o que não é melhoria alguma.
E estas complexidades não se limitam ao Médio Oriente. A
Teoria da Guerra Justa tradicional não parece capaz de lidar com muitas outras
realidades contemporâneas e precisa desesperadamente de se ser aprofundada e
desenvolvida se queremos continuar a contar com a sua orientação para as nossas
nações e os nossos líderes. Eis alguns exemplos de assuntos que precisam de ser
analisados cuidadosamente:
·
A doutrina da Destruição Mútua Assegurada (DMA),
em que duas potências nucleares em guerra poderiam facilmente aniquilar-se uma
à outra – ou até conduzir a um estado de apocalipse caso outras potências
nucleares entrassem no combate – prevalece ainda. Haverá alguma crise
contemporânea tão grave que justificaria o recurso a armas nucleares para
atacar de forma preventiva um rival? Milhares de “células” terroristas surgem à
volta do mundo. Algum exército, marinha ou força aérea pode ser usada
efectivamente contra elas?
·
O uso alargado de “escudos humanos” –
lança-mísseis em hospitais, explosivos armazenados em escolas, terroristas a
estabelecer-se em cidades, rodeados de não-combatentes inocentes e impedindo os
civis de sair da cidade. Haverá justificação para destruir um hospital ocupado
por terroristas a operar artilharia?
·
A possibilidade de acidentes devido a erros,
levando a guerras por nada. O recente incidente no Havai recorda-nos que já
houve incidentes parecidos, que poderiam mesmo ter selado o destino do mundo,
no passado.
·
Líderes de potências nucleares loucos e/ou
suicidas que se estão nas tintas para a aniquilação mútua. O DMA baseia-se no
pressuposto de que os líderes mundiais são agentes racionais e não misantropos
com tendências suicidas.
·
Jihadistas sob influência de crenças religiosas,
apostados em converter o mundo, se necessário pela força.
|
Apocalipse, quando? |
Num mundo ideal, talvez procurássemos:
·
O desarmamento nuclear e a proibição absoluta da
proliferação – embora seja difícil imaginar isto a acontecer depois de que se
passou com Khadaffi, que desarmou em 2003.
·
Sistemas de inteligência à prova de erro,
capazes de impedir planos de ataque transmitidos eletronicamente.
·
A rejeição da construção de mais mesquitas sem
garantia de reciprocidade e construção de igrejas no Médio Oriente. A falta de
reciprocidade tem facilitado a importação de agentes religiosos violentos,
operando sob o disfarce unidirecional de “liberdade religiosa”.
Mas há outras sugestões mais práticas e menos idealistas,
como:
·
Bombardeamentos “cirúrgicos” de reactores
nucleares em “estados pária”, como Israel fez no Iraque em 1981 e na Síria em
2007, o que requer recursos de informação muito detalhados.
·
Identificação e destruição de todos os arsenais
químicos e biológicos, bem como o desmantelamento de arsenais capazes de
produzir explosões nucleares a alta atitude, causando uma “pulsão
electro-magnética” capaz de incapacitar os recursos electrónicos em várias
nações.
·
Um “Plano Marshall” nuclear, oferecendo auxílio
em troca da transformação de instalações nucleares perigosas em centrais
nucleares pacíficas – avançando assim a profecia bíblica que prevê a
transformação de espadas em arados (Isaías 2, 4).
·
Pegando no exemplo do assassinato de Osama bin
Laden e outros terroristas, o assassinato dos líderes mais demoníacos, que
escravizam as suas populações e ameaçam destruir os Estados Unidos.
Segundo o famoso “relógio do juízo final”, mantido pelos
Cientistas Atómicos, a humanidade está actualmente a “dois minutos da
meia-noite”. Por isso aqueles de entre nós que sonhamos com a paz mundial
sentem uma certa urgência. Não se trata de uma urgência exagerada, talvez tenha
chegado o momento de “pensar fora da caixa”.
Os desenvolvimentos diplomáticos recentes indicam que
possa estar prestes a realizar-se um encontro inédito entre o Presidente Trump
e Kim Jong-un, da Coreia do Norte em Maio. O Presidente insiste na
desnuclearização como pré-condição para um encontro e Kim parece pronto a
aceitar isso, dizendo que “o assunto da desnuclearização da Península Coreana
pode ser resolvido” se os EUA e a Coreia do Sul responderem “com boa vontade”.
Depois de fracassados tantos esforços diplomáticos para
remover uma das maiores ameaças à paz mundial, podemos de facto depositar
alguma esperança neste tipo de encontro?
Kim não se encontra na posição vulnerável de Khadaffi no
que diz respeito ao desarmamento. Ele continua a ter a China a apoiá-lo, e tem
a Coreia do Sul pronta para a reunificação. Transformar “espadas em arados”
naquela região não é totalmente inimaginável – embora seja certamente “fora da
caixa”.
Mas para dizer a verdade a estratégia menos prática para
a paz mundial seria provavelmente a mais eficaz. Estou a pensar na batalha de
Lepanto, em 1571, em que uma pequena frota cristã derrotou uma armada turca,
bem como na cruzada do Rosário na Áustria, em 1955, que conduziu à retirada dos
exércitos soviéticos. Por outras palavras, estou a falar numa cruzada do
Rosário mundial. Mas sim, eu sei, isto é demasiado “fora da caixa”.
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