Pe. Paul Scalia |
Em certo sentido a frase muitas vezes repetida “um dos 12”
relata um simples facto histórico. Jesus não foi apenas entregue por um dos
seus inimigos, mas traído por um dos seus eleitos. Mas num sentido mais
profundo serve também de aviso para todos os que seguem Cristo – mais até para
os que lhe são mais próximos. Judas esteve com Jesus durante os mesmos três
anos que os outros. Tal como eles ouviu os sermões, testemunhou os milagres e
foi enviado por Cristo. Porém, traiu Nosso Senhor. Nunca devemos achar que
estamos aquém da maldade de Judas. A proximidade a Jesus nem sempre significa
intimidade com Ele.
Faz-nos bem, por isso, reflectir sobre o exemplo negativo
de Judas. Não com o objectivo de o condenar novamente nem para nos sentirmos
superiores. Pelo contrário, fazemo-lo com uma certa empatia, sabendo que
lutamos contra as mesmas fraquezas humanas e que também nós somos capazes de um
pecado grave – traição. Então o que é que encontramos no traidor que também
possa estar em nós?
Em primeiro lugar, temos a falta de Judas em perseverar
na sua conversão. Nosso Senhor escolheu-o com a mesma segurança com que
escolheu Pedro e João. Não o fez contrariado nem por necessidade. Quando o
Senhor se dirige a Judas como “amigo”, no Jardim das Oliveiras, não o diz por
ironia ou sarcasmo. A dada altura a conversão de Judas parece ter falhado.
Talvez tenha sido mera preguiça. Talvez um ensinamento que não foi capaz de
aceitar. João dá a entender que foi o discurso sobre o Pão da Vida que levou ao
afastamento de Judas – daí Jesus se ter referido a ele como “o diabo” no final
do mesmo.
Ou talvez Judas se tenha sentido traído pelo Senhor.
Poderá ter tido expectativas de um Messias que Jesus não satisfazia –
expectativas de glória e de poder, difíceis de conciliar com as repetidas
referências ao sofrimento, rejeição e morte do Filho do Homem. Durante três
anos ele seguiu este rabino, mas a glória antecipada nunca chegou. Ficou
impaciente com a conversa do Senhor sobre sofrimento. Romano Guardini observa,
a este respeito, que: “O facto de ele não ter saído, mas ter permanecido como
um dos doze, foi o começo da sua traição. Não sabemos porque ficou. Talvez
esperasse ir avançando interiormente, ou quisesse saber pelo menos como é que
as coisas iam passar-se – a não ser que já sonhasse lucrar com a situação.” (O
Senhor).
O que nos leva ao ponto seguinte: A ganância de Judas.
Quando Judas protestou com o facto de Maria ter ungido Jesus com um óleo caro,
não o fez porque se preocupava com os pobres, mas “porque era ladrão e, como
tinha a bolsa do dinheiro, tirava o que nela se deitava”. A ganância é uma
questão de sofreguidão. Tem menos a ver com posse do que com controlo – ter os
meios ao nosso dispor para não termos de depender dos outros, nem mesmo de
Deus. É “prático” no pior sentido da palavra. E Judas era um homem sobretudo
prático. Na verdade, uma das teorias é de que ele previu a derrota do Senhor e
estava a procurar posicionar-se politica e financeiramente para lucrar com a
traição. Uma consideração muitíssimo prática.
Parece ainda haver uma superficialidade sobre Judas, uma
tendência de ver apenas as coisas em termos naturais e mundanos (o que não é
surpreendente para um homem prático). Na Última Ceia, o Senhor disse aos Seus
Apóstolos, “Verdadeiramente, eu vos digo, um de vós me vai trair”. Eles
perguntam, um após o outro, “serei eu, Senhor?”. Excepto Judas. Ele pergunta: “Serei
eu, rabbi?” (Mt. 26,21-25). Os outros viam Jesus como Senhor. Judas via-o
apenas como um rabbi, um professor.
Jesus é traído |
Finalmente, e tristemente, Judas não se arrepende. Sente
remorsos por aquilo que fez, certamente. E isso em si não é coisa pouca. No
emaranhado que era o seu coração, ainda sentia algum amor por Jesus. Mas reparem:
Não é a Jesus que ele torna, mas aos sumos-sacerdotes, que com ele conspiraram.
Diante deles é que ele reconhece o seu pecado. Judas não sente arrependimento,
mas remorso. No arrependimento voltamo-nos para o bom Deus, para o Redentor,
para aquele que é Misericórdia. À sua luz, rejeitamos o pecado. Com os remorsos
olhamos para nós próprios, voltamo-nos cada vez mais para o nosso interior e
fechamo-nos para a reconciliação e a cura que vêm apenas de Deus.
Durante a Semana Santa gostaríamos de ser mais como João,
que permaneceu fielmente aos pés da Cruz, ou como Maria Madalena, que manteve
uma triste vigília no Calvário. Mas isso seria presunção da nossa parte. Esta
não é a hora de pensar nas nossas forças, mas nas nossas fraquezas. Não é tempo
de olhar de soslaio para Judas, mas de compreender que caminhamos à sombra da
mesma fraqueza humana que ele.
Como Judas, não perseveramos na nossa conversão.
Satisfaz-nos a piedade em vez da santidade. Desviamo-nos quando o caminho se
torna difícil e assim não aprofundamos a nossa devoção. Talvez até nos sintamos
traídos pelo Senhor – se Ele não atendeu as nossas orações como queríamos, ou
não correspondeu à imagem que tínhamos dele.
Como Judas, somos sôfregos – por dinheiro, posses, poder.
Numa palavra, por controlo, para mantermos à distância a nossa dependência de
Deus. Como ele, tendemos para a superficialidade, tornando a nossa fé um
assunto meramente de sabedoria humana, intuições interessantes, conforto
psicológico em vez de um encontro com a Palavra feita carne. Adoptamos uma
visão mundana da religião em vez de tentarmos pensar como Cristo.
Logo, não nos confiamos às suas palavras como devíamos; A
não ser que se tornem como crianças, não entrarão no Reino do Céu… Quem comer a
minha carne e beber o meu sangue, vive em mim, e eu nele… Pedi, e ser-vos-á
dado; procurai, e encontrarás; batei se ser-vos-á aberto… Assim como fizestes
ao mais pequeno dos meus irmãos, a mim o fizestes.
E mais que tudo falhamos no aprofundamento do nosso
arrependimento. Sentimos remorsos por nós mesmos, porque os nossos pecados nos
deixam mal vistos. Por todos estes pecados e estas falhas, o Senhor
concedeu-nos agora a oportunidade para o verdadeiro arrependimento: “É este o
tempo favorável, é este o dia da salvação” (2 Cor 6,2)
O Pe. Paul Scalia (filho do falecido juiz Antonin Scalia,
do Supremo Tribunal americano) é sacerdote na diocese de Arlington e é o
delegado do bispo para o clero.
(Publicado pela primeira vez no domingo, 9 de Abril de
2017 em The Catholic Thing)
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